Esse «não sei quê»
Importante não é ajudar a demonstrar, mas a ver. Melhor do que análises sofisticadas para provar, numa sala escura, a excelência das cores, é abrir uma janela que aproxime a luz e, assim, a visão das cores se torne possível. A fé não está do lado dos enunciados: é experimental, incita à construção de narrativas, coloca em relação. Os que vivem o risco e a alegria de acreditar, porventura balbuciarão perante os porquês. Podem testemunhar razões, mas sentem-se incapazes de circunscrever a razão. O coração humano, contudo, precisa desse «não sei quê», que depois o Espírito socorre «com gemidos inefáveis», como lembra São Paulo.
O teólogo católico Romano Guardini dizia que «a fé é uma tipologia do olhar». Ela representa, talvez, a mais extrema e a mais modesta das organizações do olhar, porque ao mesmo tempo que nos dá tudo, nos pede tudo. A fé inscreve o olhar humano no ponto de vista de Deus. Nesse sentido, constitui a possibilidade inédita de um olhar total: abarcando o provisório e o eterno, o exterior e o interior, o recôndito e o próximo, o eu e o outro, o visível e o invisível. Como é vasta a vida contemplada do monte para o qual Abraão, e cada um dos crentes, é chamado a subir!
Mas também lhes é pedido que esta visão se realize na itinerância radical do olhar, na sede e no desejo, na abertura mais do que na certeza, na confiança em vez de confirmações, no reconhecimento do silêncio de Deus como epifania de Deus.
Sem esquecer que a fé, imperscrutável dom, chega através do caminho diverso e inesperado. Habituei-me a repetir uma oração que Paul Claudel escreveu: «É justo, ó Deus, que vos peça por Arthur Rimbaud sem o qual os meus olhos não se teriam aberto para o vosso Rosto».
P. José Tolentino Mendonça
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