Monges e Manifestações
O dia 25 de Abril é sempre fértil em manifestações. Este ano não foi excepção. Mas os portugueses que saíram à rua para celebrar a democracia e a liberdade ficaram aquém do brilho que teve um protesto levado a cabo em Banguecoque por cerca de 4000 monges budistas, alguns dos quais montados em elefantes.
É uma história caricata, e visualmente fica sempre bem nas páginas de qualquer jornal ou revista. Os monges tailandeses não são os primeiros religiosos a levar a cabo um protesto deste género. Mesmo os cristãos já tiveram vários exemplos.
Mas o mais curioso é mesmo saber a razão do protesto na Tailândia. O principal motivo de queixa dos Budistas é a proposta de retirar da constituição tailandesa a referência explícita ao Budismo como religião oficial do estado, merecedor de maior protecção.
Ora, este facto, que não é de todo exclusivo aos monges tailandeses, salienta uma interessante esquizofrenia por parte de quase todas as religiões do mundo.
Em Portugal temos a Concordata. Quando se procura mexer nesse acordo, levantam-se imediatamente vozes de protesto, acusando as forças anticlericais de estar a tentar agredir a Igreja e a identidade Católica do país.
Na Grécia, as recentes conversas sobre a possibilidade de deixar de reconhecer a Igreja Ortodoxa como religião do Estado estão a causar fúria entre o clero e os fiéis mais devotos.
Paradoxalmente, é no Reino Unido, o país em que um Católico está banido de ascender ao trono e os bispos anglicanos são escolhidos pelo Primeiro-Ministro, que as injustiças afectam menos a vida pessoal dos crentes. Mas mesmo aí vão-se ouvindo de tempos a tempos vozes de protesto.
Na Índia grupos de Hindus radicais agridem freiras e padres e orquestram cerimónias de “regresso” ao hinduísmo das pobres almas que foram seduzidas pelos prosélitos cristãos.
É de proselitismo que se queixa o Patriarcado de Moscovo em relação aos católicos, essencialmente os de rito oriental. E até no Sri Lanka o governo sentiu a necessidade de banir as conversões religiosas, como se estes assuntos se pudessem tratar por decreto. Ao menos não estão sós na insanidade. Em diversos países islâmicos a conversão é proibida, mas apenas num sentido. Ninguém pode deixar de ser muçulmano, qualquer outro pode abraçar o Islão com toda a liberdade.
Infelizmente é assim que as religiões se comportam quando estão a jogar em casa. Contudo, quando o jogo decorre no estádio do adversário, a conversa muda sempre de tom. Alguém ouviu o Patriarca de Moscovo a levantar a voz contra o facto de haver um Bispo Ortodoxo em Viena ou França? Acaso ele pede desculpa quando um católico de qualquer um desses países pede para ser recebido na Igreja Russa?
Os monges budistas do Sri Lanka ou da Tailândia gostariam que os seus irmãos budistas em Portugal ou nos Estados Unidos fossem considerados uma ameaça à identidade nacional, e tratados de acordo?
Os mesmos que fazem os possíveis para que o fiel de outra religião se sinta desconfortável e estrangeiro nas suas terras, clamam pela liberdade religiosa e os direitos básicos dos seus próprios fiéis que, por uma razão ou por outra, tiveram que partir para países em que passam a constituir uma minoria.
Atente-se ao facto de termos falado apenas de religiões “mainstream”, quando a conversa chega às seitas, são outros quinhentos, tudo se complica ainda mais.
Dificilmente podemos dar conselhos aos monges de Banguecoque, mas pelo menos nós cristãos devemos lembrar-nos que Jesus nos sugeriu amar-nos uns aos outros como a nós mesmos, e tratar os próximos da forma que gostávamos que nos tratassem. Que religião é a nossa se precisa das leis para a proteger e perseguir a concorrência?
Esse sistema, ainda por cima, nada tem de novo. Foi utilizado há cerca de 2000 anos num grande império, o Romano, para defender a segurança e a identidade do Estado de uma seita problemática e incómoda... lembram-se?
Filipe d'Avillez
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