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Henri de Lubac

O desejo de Deus como «chamamento do amor»

A proximidade de Deus manifesta um «chamamento do amor» presente no mais íntimo do homem. É com a expressão «O chamamento do amor» que o Pe. de Lubac termina o último capítulo do seu livro O mistério do sobrenatural de 1965 (1). Para o teólogo, é a ideia de Deus, transmitida pela Revelação cristã, que transforma a concepção do homem e do mundo. Com efeito, «vindo completar e transformar a nossa ideia de Deus – e, apesar do emprego contínuo dos mesmos vocábulos, a nossa ideia da visão de Deus – não é possível que a Revelação não complete e não transforme no mesmo acto a nossa ideia do homem – e a nossa ideia do seu desejo – e finalmente, se pelo menos a isso consentirmos, este mesmo desejo» (2). A Revelação divina é deste modo revelação do homem, do seu mistério e do seu paradoxo: Abyssus abyssum invocat. A novidade da Revelação significa uma nova imagem de Deus, «e nós somos assim conduzidos à pura ideia da Agapê. Esta revelação força-nos […] a ‘modificar as categorias da nossa inteligência natural’, e o abalo que produz nesta, sem mudar as leis eternas da razão, leva a constituir certas categorias novas» (3).

A Revelação bíblica, mostrando que Deus é amor, e que a sua relação com o homem é doação e participação no seu amor, liberta este último de todos os determinismos e confirma-o na sua dignidade de pessoa com uma liberdade inalienável: «Tudo, no Dom que Deus quer fazer de Si mesmo, se explica – se essa é uma explicação – pelo Amor» (4). Há no entanto que evitar conceber o amor de Deus, a sua liberalidade, como uma bondade necessária que se difundiria «à maneira do sol que espalha os seus raios, como o imagina uma certa tradição platónica». Em Deus, contudo, a bondade é a expressão da sua suprema liberalidade e, por isso, toda a analogia que a exprima será corrigida em virtude da novidade da Revelação de Cristo: «A bondade de Deus […] é uma ‘Bondade querida’, uma Bondade que é benignidade. Deus é amor em pessoa, Amor que, livremente, sem lei nem determinação interna, suscita o ser ao qual se quer dar, e dá-se a ele livremente. ‘Não este neutro, bonum, mas esta viva chama de caridade: Bonus’» (5).

Culminando em Cristo, a bondade de Deus revela a natureza da obra por Ele criada, em especial o homem feito à sua imagem: «Revelando-nos o Deus que é o fim do homem, Jesus Cristo, Homem-Deus, revela-nos a nós mesmos, e sem Ele o fundo último do nosso ser permanece para nós um enigma» (6). Ele revela-nos a profundidade do desejo de Deus inscrito em cada um de nós esta marca de transcendência traz uma extraordinária promoção da dignidade humana, de que o cristianismo é o anunciador. A Revelação divina foi simultaneamente uma promoção do homem e isso está inscrito na história (7).

Victor Gomes

A fé cristã em confronto com o humanismo ateu. A perspectiva de Henri de Lubac, in Didaskalia, Lisboa, vol. XXXVI, fasc. 2, 2006.

 

 

 

(1) Henri de LUBAC, Le mystère du surnaturel, Aubier-Montaigne Paris, 1965. Citaremos esta obra segundo o texto das Obras Completas, Ed. du Cerf, Paris, 2000.

(2) Idem, pp. 275s.

(3) Idem, p. 276.

(4) Idem, p. 281.

(5) Idem, p. 288.

(6) Henri de LUBAC, Athéisme et sens de l’homme, op. cit., p. 109.

(7) Henri de LUBAC, Affrontements mystiques, op. cit., p. 18.

 


RF

 

 

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