Hermas
Antes de tudo, acredita que há um só Deus, que criou e ordenou todas as coisas, fazendo-as emergir todas do nada ao ser e, contendo todas, é o único que não é contido.
Crê, portanto, n’Ele e teme-o e, temendo-o, sê continente. Observa estas coisas e afasta de ti toda a iniquidade; reveste-te de toda a virtude de justiça e, se guardares este mandamento, viverás para Deus.
Cultiva a simplicidade e sê irrepreensível, diz-me ele, e serás como as crianças, que desconhecem a maldade, que destrói a vida dos homens. Antes de mais, não digas mal de ninguém, nem escutes de bom grado quem o faz. Senão, tu que escutas, tornar-te-ás solidário no pecado do maledicente, se lhe deres ouvidos.
A maledicência é iníqua; é um demónio agitado: nunca está em paz e habita sempre na discórdia. Evita-o sempre, e serás bem sucedido em tudo.
Reveste-te de moderação, na qual não há escolho traiçoeiro e tudo é plano e alegre. Faz o bem e o que Deus te dá dos teus trabalhos, reparte com todos os carenciados, com toda a simplicidade; sem olhar a quem dás ou a quem não dás. Dá a todos, pois Deus quer repartir os seus próprios bens por todos. Efectivamente, os que receberam, prestarão contas a Deus do porquê e para quê receberam: os que receberam por necessidade não serão condenados, mas os que receberam hipocritamente serão castigados.
Neste caso, quem dá é irrepreensível, pois tal como recebeu do Senhor o ministério para o realizar, assim o realizou com simplicidade, sem olhar a quem dá ou deixa de dar. Na verdade, quando este ministério se realizou com simplicidade, é muito apreciado de Deus. Quem, de facto, assim exerce o ministério com simplicidade, viverá para Deus. Observa, por conseguinte, este mandamento, tal como to disse, para que a tua penitência e a da tua família sejam consideradas simples, puras, inocentes e incorruptas.
Ama a verdade, voltou a dizer-me [o Pastor], e da tua boca saia apenas a verdade, para que o Espírito, que Deus faz brilhar na tua carne, se manifeste autêntico perante todos os homens e, deste modo, o Senhor que habita em ti seja glorificado, já que o Senhor é verdadeiro em tudo o que diz e n’Ele não há falsidade. Na verdade, os mentirosos desacreditam e defraudam o Senhor, pois não restituem o depósito recebido. Receberam, de facto, d’Ele um espírito incapaz de mentir. Se o restituem mentiroso, violam o mandamento do Senhor e tornam-se defraudadores.
Quando ouvi pronunciar estas palavras, chorei a valer. Mas ele perguntou-me: – Porque choras? – Senhor, disse eu, choro porque não sei se me posso salvar. – Porquê? Perguntou ele. – É que, respondi, nunca na minha vida, Senhor, disse uma palavra verdadeira, mas falei sempre a todos enganosamente e apresentava a minha mentira como verdade a todos os homens. Nunca ninguém me contradisse e acreditaram sempre nas minhas palavras. Como posso realmente viver, Senhor, depois de fazer tais coisas?
Pensas, de facto, correctamente. Como servo de Deus, era necessário que andasses na verdade e uma consciência iníqua não coabitasse com o espírito da verdade, nem afligisse o espírito que é santo e verdadeiro. – Senhor, respondi, nunca ouvi palavras tão exactas como estas.
– Agora portanto, disse ele, uma vez que tens conhecimento delas, observa-as, para que também as falsidades que tu disseste até aqui nos teus negócios, quando for verdadeiro o teu actual comportamento, também elas se tornem dignas de crédito. Se estas coisas observares e, de hoje em diante, disseres sempre a verdade, poderás alcançar a vida. E todo aquele que ouvir este mandamento e se afastar da mais perversa falsidade, viverá para Deus.
Hermas, O Pastor, 26-28 (séc. II)
RF
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