Melitão de Sardes
Foi lida a Escritura a respeito do êxodo hebreu, foram explicadas as palavras do mistério: como a ovelha foi imolada e o povo foi salvo.
Compreendei, pois, caríssimos! É assim
novo e antigo,
eterno e temporal,
corruptível e incorruptível,
mortal e imortal
o mistério da Páscoa:
antigo segundo a Lei,
novo segundo o Verbo;
temporal na figura,
eterno na graça;
corruptível pela imolação da ovelha,
incorruptível pela vida do Senhor;
mortal pela sepultura, na terra,
imortal pela ressurreição dentre os mortos.
Antiga a Lei, novo o Verbo;
temporal a figura, eterna a dádiva;
corruptível a ovelha, incorruptível o Senhor,
o qual, imolado como cordeiro, ressurgiu como Deus.
Pois, como a ovelha, foi levado ao matadouro,
mas não era ovelha;
como o cordeiro, não abriu a boca,
mas não era cordeiro.
Passou a figura, persiste a realidade.
Em vez do cordeiro, Deus presente,
em vez da ovelha, um homem,
e neste homem, Cristo, aquele que sustém todas as coisas.
Assim, o sacrifício da ovelha,
e a solenidade da Páscoa,
e a letra da Lei,
cederam lugar ao Cristo Jesus,
por causa do qual tudo sucedera na antiga Lei,
e muito mais sucede na nova disposição.
Pois a Lei converteu-se em Verbo, o antigo em novo,
ambos saídos de Sião, e de Jerusalém.
O mandamento converteu-se em dádiva,
a figura em realidade,
o cordeiro em Filho,
a ovelha em homem,
o homem em Deus.
Com efeito, aquele que nascera como Filho,
e fora conduzido como cordeiro,
sacrificado como ovelha,
sepultado como homem,
ressuscitou dentre os mortos como Deus,
sendo por natureza Deus e homem.
Ele é tudo:
enquanto julga, é lei;
enquanto ensina, Verbo;
enquanto gera, pai;
enquanto sepultado, homem;
enquanto ressurge, Deus;
enquanto gerado, Filho;
enquanto padece, ovelha;
ele, Jesus Cristo, a quem seja dada a glória pelos séculos. Amém.
Tal é o mistério da Páscoa, como foi descrito na Lei e como o acabamos de ler.
O Desígnio Salvador em Cristo
O Senhor havia ordenado de antemão seus próprios padecimentos nos patriarcas, nos profetas e em todo o povo, pondo como seu selo a Lei e os profetas. Pois o que devia realizar-se de modo inaudito e grandioso estava preparado desde muito, a fim de que ao suceder fosse crido, depois de tão vaticinado (...)
Antigo e novo o mistério do Senhor:
antigo na figura, novo no dom.
Se vês a figura, verás a realidade ao longo de sua actuação.
Se queres contemplar o mistério do Senhor verás
Abel, assassinado como Ele,
Isaac, aprisionado como Ele,
José, vendido como Ele,
Moisés, exposto como Ele,
David, perseguido como Ele,
os profetas padecendo como Ele e por causa d’Ele.
Contempla também o cordeiro degolado na terra egípcia,
que abateu o Egipto e salvou a Israel por seu sangue (...)
Aquele que veio dos céus à terra por causa do homem que sofria,
e se revestiu do homem nas entranhas de uma Virgem,
aparecendo como homem.
Aquele que assumiu os sofrimentos de quem sofria,
tomando um corpo capaz de sofrer,
aquele que anulou os sofrimentos da carne,
destruindo com seu espírito imortal a morte homicida (...)
Aquele que nos tirou da escravidão para a liberdade,
das trevas para a luz,
da morte para a vida,
da tirania para o reino eterno.
Que fez de nós um sacerdócio novo
e um povo escolhido para sempre,
Ele, a Páscoa de nossa salvação...
Ele, que se encarnou numa Virgem,
[que] se deixou suspender na cruz,
foi sepultado na terra,
ressuscitou dos mortos,
foi arrebatado aos céus.
Ele, o cordeiro emudecido,
o cordeiro imolado,
nascido de Maria, a ovelha bela,
o cordeiro levado do rebanho ao matadouro,
sacrificado à tarde, sepultado à noite.
Não lhe quebraram os ossos no madeiro,
na terra não sofreu a corrupção,
mas ressurgiu dentre os mortos,
ressuscitou o homem das profundezas do sepulcro
Ele, entregue à morte. Onde? No meio de Jerusalém.
Porquê?
Porque curou os coxos,
purificou os leprosos,
trouxe a luz aos cegos,
despertou os mortos.
Por isto padeceu...
Por que cometeste, ó Israel, tão grande injustiça,
entregando o teu Senhor a tais sofrimentos,
Ele, teu amo,
Ele, que te plasmou,
[que] te criou,
[que] te honrou,
[que] te chamou Israel?
Não te mostraste" Israel" pois não viste a Deus,
não reconheceste o Senhor,
não soubeste ser ele o primogénito de Deus,
aquele que foi gerado antes da estrela matutina,
aquele que fez brotar a luz,
fez brilhar o dia,
separou as trevas,
firmou o primeiro fundamento,
suspendeu a terra,
secou o abismo,
estendeu o céu,
organizou o mundo,
dispôs no alto os astros,
fez resplandecer as estrelas,
fez os anjos celestiais,
fixou nas alturas os tronos,
modelou na terra o homem!
Ele, o que te escolheu e te guiou de Adão a Noé,
de Noé a Abraão,
de Abraão a Isaac, a Jacob e aos patriarcas;
aquele que te conduziu ao Egipto e te protegeu e sustentou,
que iluminou o teu caminho com a coluna de fogo,
[que] te ocultou sob a nuvem,
e dividiu o mar Vermelho para atravessares suas águas.
Que dispersou o teu inimigo,
[que] te deu o maná do alto,
e a água da pedra.
Que te deu a Lei no Horeb,
e te fez herdar a terra,
que te enviou os profetas.
Verdadeiramente é amarga
conforme está escrito:
"Comereis pães ázimos com ervas amargas".
Amargos para ti os cravos que afiaste,
amarga a língua que aguçaste,
amargas as falsas testemunhas que propuseste,
amargas as cordas que preparaste:,
amargos os açoites que descarregaste,
amargo para ti foi Judas, a quem pagaste,
amargo Herodes a quem obedeceste,
amargo Caifás, em quem confiaste,
amargo o fel que ofereceste,
o vinagre que cultivaste,
amargos os espinhos que ajuntaste,
amargas as mãos que ensanguentaste.
Entregaste teu Senhor à morte, no meio de Jerusalém...
O triunfo de Cristo
Ele, o Senhor, revestido do homem,
padecente pelo homem que sofria,
atado pelo homem prisioneiro,
julgado em prol do culpado,
sepultado pelo que jazia na terra,
ressurgiu dentre os mortos e clamou em alta voz:
"Quem se levantará em juízo contra mim?
Venha defrontar-se comigo!
Eu libertei o condenado,
vivifiquei o morto,
reergui o sepultado.
Quem me irá contradizer?
Eu, o Cristo, destruí a morte,
triunfei do inimigo,
esmaguei o inferno,
manietei o forte,
arrebatei o homem para as alturas dos céus.
Eu, o Cristo!
Vinde, pois, famílias dos homens manchadas por pecados,
recebei o perdão dos pecados!
Pois sou o vosso perdão,
Eu, a Páscoa da salvação,
O cordeiro imolado por vós
a vossa redenção,
a vossa vida,
a vossa ressurreição,
a vossa luz,
a vossa salvação,
o vosso rei.
Eu vos elevarei à sublimidade dos céus,
e vos mostrarei o Pai que existe desde os séculos,
vos ressuscitarei por minha dextra".
A Ele, o Cristo,
o Alfa e o Ómega,
o começo e o fim,
o inenarrável começo, o incompreensível fim,
o Rei,
a Ele, Jesus,
o Chefe,
o Senhor,
o que ressurgiu dentre os mortos,
o que está assentado à direita do Pai,
o que conduz ao Pai e é conduzido pelo Pai,
a ele glória e poder pelos séculos. Amém.
Melitão de Sardes, Sobre a Páscoa
RF
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