Como e porquê Deus é visto e não visto por aqueles que o buscam
Encontraste, ó minha alma, o que buscavas?
Buscavas Deus e encontraste
que ele é a suma realidade entre todas as coisas,
melhor do que a qual nada pode ser pensado;
[encontraste] que essa realidade é a vida mesma,
a luz, a sabedoria, a bondade,
a eterna beatitude e a bem-aventurada eternidade;
[encontraste] que ela existe sempre e em toda a parte.
Porque, se não encontraste o teu Deus,
de que modo é ele isso que encontraste
e reconheceste sobre ele com verdade tão certa
e tão verdadeira certeza?
Se, ao invés, encontraste,
que é que há, para que não sintas o que encontraste?
Porque não te sente a minha alma,
ó meu Deus, se te encontrou?
Por acaso, não encontrou ela
aquele que achou ser a luz e a verdade?
De que modo compreendeu tal,
senão vendo a luz e a verdade?
Ou pôde ela reconhecer inteiramente alguma coisa de ti
de outro modo sem ser pela tua luz e verdade?
Se, pois, viu a luz e a verdade, viu-te a ti.
Se não te viu a ti, não viu a luz nem a verdade.
[Ou] será que o que viu é luz e verdade,
sem, todavia, te ter ainda visto,
porque te viu de algum modo,
mas não te “viu tal como tu és”? [1 Jo 3, 2]
Senhor, meu Deus, meu formador e meu reformador,
diz à minha alma desejosa o que mais és,
para lá do que ela viu, a fim de que veja puramente
[
o que deseja.
Tensa está ela para ver mais e, para lá do que vê,
não viu senão trevas: ou, ao invés, não vê as trevas
porque em ti não há quaisquer trevas [1 Jo 1, 5],
mas vê que não pode ver mais, por causa das suas
[
próprias trevas.
Porquê isto, Senhor, porquê isto?
O seu olho está cheio de trevas pela sua enfermidade,
ou cego pelo teu brilho?
Mas, certamente, está cheio de trevas por si mesmo
[
e cego por ti.
De qualquer modo, é obscurecido pela sua brevidade
e esmagado pela tua imensidão.
É verdadeiramente apertado pela sua estreiteza
e vencido pela tua amplitude.
Quão grande é, efectivamente, esta luz
donde jorra todo o verdadeiro que alumia a mente racional!
Quão ampla é esta verdade,
na qual está tudo o que de verdadeiro existe
e fora dela apenas o falso e o nada!
Quão imensa é [essa verdade] que, num único olhar,
vê todas as coisas que foram feitas,
de quem, por quem e de que modo foram elas
[
feitas do nada!
Que pureza, que simplicidade, que certeza
[
e que esplendor aí existe!
Certamente, [muito] mais do que a criatura
[
é capaz de compreender.
Santo Anselmo
in Proslogion
AP
Publicado em 09.01.2008
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