Santo Ireneu
20,4. Um só é Deus, que fez e ordenou tudo mediante o Verbo e a Sabedoria: é o mesmo Demiurgo que consignou este mundo ao género humano. Ele, pela sua grandeza, não foi conhecido por aqueles mesmos que Ele criou (pois ninguém investigou a sua profundidade, nem entre os antigos que já faleceram, nem entre os que ainda vivem); em contrapartida, pelo amor, conhecemo-lO mediante aquele por cujo ministério fez todas as coisas. Este é o seu Verbo, nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos tempos recentes se fez homem entre os homens, para unir o fim ao princípio, i. é, o homem a Deus. E por tal motivo os profetas, havendo recebido do mesmo Verbo o dom profético, pregaram a sua vinda na carne, por meio da qual se realizou a mescla e comunhão de Deus com o homem segundo o beneplácito de Deus. O Verbo havia preanunciado desde o princípio que haveríamos de ver a Deus entre os homens, que entraria em contacto que estes, que se faria presente ao seu ser criado para salvá-lo, e que se mostraria sensivelmente para nos libertar das mãos de todos quantos nos odeiam, i. é, de todos os espíritos rebeldes. E que nos faria servi-lO em santidade e justiça em todos os nossos dias, a fim de que, tendo o homem abraçado o Espírito de Deus, entre na glória do Pai.
20,5. Isto diziam os profetas em seus anúncios, mas não como dizem alguns, que os profetas viam a alguém distinto de Deus Pai, o qual permanece invisível. Isto ensinam aqueles que ignoram inteiramente o que seja a profecia. Porque a profecia é a predição de coisas futuras, quer dizer, o preanuncio de coisas que só depois serão reais. Os profetas prediziam que os homens haveriam de ver a Deus, como diz o Senhor: «Ditosos os puros de coração, porque verão a Deus» (Mt 5,8). Ainda que, para dizer a verdade, «nenhum dos que vir a Deus viverá» (Ex 33,20), se o que vê em toda a sua grandeza e inefável glória; porque o Pai é inacessível. Mas, por sei amor, bondade e omnipotência, concederá a todos aqueles que ama o privilégio de ver a Deus, como os profetas anunciavam; porque «o que para os homens é impossível, é possível para Deus» (Lc 18,27).
O homem não verá a Deus por si mesmo; mas Ele, em querendo-o, deixar-se-á ver pelos homens: dos que quiser, e quando e como quiser, porque Deus é omnipotente. Por meio do Espírito deixou-Se ver profeticamente; por meio do Filho deixou-Se ver segundo a adopção; far-se-á ver segundo a sua paternidade no reino dos céus: o Espírito prepara o homem para o Filho de Deus, o Filho conduz ao Pai, o Pai concede a incorrupção para a vida eterna, que a cada um chega com a visão de Deus. Pois assim como os que vêem a luz estão na luz e percebem a sua claridade, assim também os que vêem a Deus estão em Deus e vêem a sua claridade. E a claridade de Deus dá a vida: quer dizer, os que vêem a Deus tomam parte na vida. Por isso o que não pode ser abarcada, compreendido nem sequer visto, concede aos seres humanos que O vejam, compreendam e abarquem, a fim de lhes dar a vida uma vez que o hajam visto e compreendido. Assim como a sua grandeza é insondável, assim também é inefável a sua bondade, pela qual dá a vida a quantos o vêem: porque viver sem ter a vida é impossível, a vida vem por participar de Deus, e participar de Deus é vê-lO e gozar da sua bondade.
20,6. Pois os homens verão a Deus para viver, fazendo-se imortais pela visão, por que se aproximarão de Deus. E, como já antes disse, os profetas explicavam por meio de figuras que veriam a Deus todos os homens portadores do seu Espírito, que sem desfalecer esperam a sua vinda. Assim como ensina Moisés no Deuteronómio: «Naquele vermos que Deus falará ao homem, e este viverá» (Dt 5,24). Pois alguns deles viam o Espírito profético e suas obras, que impregnavam todos os tipos dos seus dons. Outros viam a vinda do Senhor, e toda a sua Economia desde os seus começos, por meio da qual cumpriu a vontade celestial e terrena do Pai. Outros viam as glórias do Pai, de maneira adaptada aos que então contemplavam e escutavam, e aos homens que no futuro haveriam de ouvir falar delas.
Assim se revelava Deus: pois por todas estas coisas o Pai se manifesta, por meio da obra do Espírito, no ministério do Filho e a aprovação do Pai, aperfeiçoando assim o homem em vista da sua salvação. Como diz o profeta Oseias: «Eu multipliquei as visões, e as mãos dos profetas representaram-Me» (Os 12,11). E o Apóstolo afirma o mesmo quando diz: «Há diversidade de carismas, mas um só Espírito; há diversidade de ministérios, mas o mesmo Senhor; há diversidade de operações, mas o mesmo Deus, que opera em todos. Pois a cada um se lhe dá a manifestação do Espírito para o serviço» (1 Cor 12,4-7). Mas, visto que é Deus quem opera tudo em todos, o saber como o quão grande seja é invisível e inefável para todas as suas criaturas; mas não é de modo algum desconhecido: pois todas elas aprendem pelo Verbo que já um Deus Pai, que contém todas as coisas e a todas lhes dá o ser, como está escrito no Evangelho: «Ninguém viu jamais a Deus; o Filho unigénito, que está no seio do Pai, é quem o revelou» (Jo 1,18).
20,7. O Filho fala do Pai desde o princípio, porque desde o princípio está com o Pai, e comunica ao género humano, para sua utilidade, as visões proféticas, a repartição dos carismas e seus ministérios, e de forma continuada e ao mesmo tempo a glorificação do Pai, no tempo oportuno. Pois onde há continuidade há constância, e onde há constância há desenvolvimento no tempo, e onde há desenvolvimento no tempo há utilidade: por isto o Verbo foi feito dispensador da graça do Pai para bem dos homens, pelos quais ordenou toda esta Economia, para mostrar Deus aos homens e apresentar o homem a Deus. Desta maneira custodiou a invisibilidade do Pai, por uma parte para que o homem nunca desprezasse a Deus e para que tivesse sempre em que progredir; e por outra parta para revelar Deus aos homens mediante uma rica Economia, a fim de que o homem não cessasse de existir faltando-lhe Deus inteiramente. Porque a glória de Deus é o homem vivente: e a vida do homem é a visão de Deus. Se a manifestação de Deus pela criação dá vida na terra a todos os viventes, muito mais a manifestação pelo Verbo do Pai dá vida àqueles que contemplam a Deus.
Santo IRENEU DE LYON, Contra os hereges, IV, 20, 4-7
(cit. da tradução em castelhano de Carlos Ignacio González, S.J).
RF
Topo | Voltar | Enviar | Imprimir