Projecto cultural
Fé e cultura

Porque não ler a Bíblia no Centro Cultural de Belém?

Uma composição musical em diferentes tons; graves, sensuais, afectivos, calorosos, teatrais, divertidos (como Benigni), solenes (como o Papa). A leitura é à imagem e semelhança do texto lido: quem teve oportunidade de passar na última semana pelo sítio na Internet da RAI, a televisão italiana, espreitando a maratona de leitura da Bíblia que terminou no último sábado em Roma, percebeu a multiplicidade de sentidos que atravessam aquele texto. E que, através dele, nos atravessam a nós e à nossa cultura.

Nesta recriação de sete dias, apenas se identifica o livro que está a ser lido, os rostos permanecem anónimos. Assim se vinca a centralidade do texto. E se afirma a igualdade radical de todas as pessoas, perante algo maior do que elas - na convicção de quem entendeu participar.

É um exercício de leitura, mas também (sobretudo?) um exercício de escuta. Quando as câmaras passam pelos rostos dos espectadores, sentados ou de pé, que estão na Basílica de Santa Cruz de Jerusalém, ou na rua, percebe-se a essencialidade que hoje reveste essa atitude simples da escuta, da atenção ao detalhe, da tranquilidade que o essencial permite, mesmo em tempos de crise.

A Bíblia, as suas histórias e tragédias, a sua poesia e as cartas, a sua literatura e simbólica, devem ser redescobertas como poço da cultura que nos forjou. E que nos alimenta. A arte e a música contemporâneas, a literatura e a poesia, o teatro, o cinema e a arquitectura continuam a beber nessa imensa cisterna que este texto jorra sem interrupções. Ao constituir-se como biblioteca, a Bíblia permite todos os territórios de leitura.

José Tolentino Mendonça escreve ("A Leitura Infinita", ed. Assírio & Alvim), a propósito das interpretações estéticas da Bíblia: “Não estará simplesmente, para usar uma expressão de Paul Claudel, a considerar-se a Bíblia ‘um imenso vocabulário’, uma espécie de mina de recursos plásticos e semânticos, disponível para uso público?”

O que hoje termina em Roma pode ser inspirador: por que não, em Portugal, uma iniciativa semelhante? Foi possível, em 2004, a Sociedade Bíblica colocar 100 mil portugueses a copiar à mão o texto bíblico, com "A Bíblia Manuscrita". Não será difícil que alguém organize entre nós uma maratona de leitura integral da Bíblia. E, já agora, com um acrescento original, e de qualidade: acompanhando a iniciativa com uma exposição das ilustrações de Ilda David’ ("A Bíblia Ilustrada", de Ferreira d’Almeida) e Pedro Proença ("A Bíblia - O Livro dos Livros").

Não seria menos interessante que, em lugar de um templo religioso, tal se concretizasse num outro lugar de cultura: o Centro Cultural de Belém, por exemplo, é adequado para ler um texto que, além da fé de cada um, nos permeabilizou a todos e continua a dialogar intensamente com a cultura do nosso tempo. Além disso, um templo cultural será um lugar neutro: permite que todos, independentemente da fé (cristã ou não), ou da condição de ateu ou agnóstico, possam sentir-se desinibidos de participar. Porque a Bíblia é lugar que cada um pode ocupar integralmente como seu.

No início do livro do Apocalipse, lê-se: “Feliz o que lê e os que escutam.”

António Marujo

in Público, 11.10.2008

13.10.2008

 

 

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