A cultura e as culturas na missão da Igreja
A cultura e as culturas são hoje reconhecidas como lugares constitutivos da vida e da missão da Igreja enviada por Cristo a anunciar a Boa Nova até aos confins da terra. Com Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI, a cultura e as culturas constituem mais do que nunca o areópago onde se opera o encontro de Cristo e da sua Igreja com os homens e mulheres do nosso tempo, entre o Evangelho e as culturas, entre a cultura impregnada da fé cristã e as culturas contemporâneas frequentemente marcadas pela não crença ou pela indiferença religiosa.
É hoje um dado adquirido: fé e cultura estão intimamente ligadas, permanecendo no entanto substancialmente distintas. O acolhimento da graça de Cristo por cada pessoa é feito na sua própria cultura. Esta impregna a sua maneira de acolher, professar e viver a sua fé, ao passo que a cultura é por seu lado progressivamente modelada pelo Evangelho. É o que chamamos a inculturação da fé e a evangelização das culturas.
Este início do novo milénio está profundamente marcado não apenas pelos conflitos armados, a violência e o terrorismo, mas também por transformações culturais e religiosas suficientemente profundas para sacudir pelas bases as culturas tradicionalmente cristãs ou imbuídas de tradições religiosas milenares. Talvez nunca como hoje tivemos consciência da amplitude dos fenómenos culturais e da sua influência determinante na vida das pessoas e das comunidades. A nossa convicção comum: o Evangelho é a Boa Nova de Jesus Cristo dirigida à pessoa humana na sua totalidade; ele deve portanto chegar às pessoas nas suas culturas, isto é, nas suas formas de ser e de agir, assumir a sua condição pessoal (...) no trabalho e no divertimento, e fundamentalmente na sua forma de crer e de rezar, esse “espaço vital onde a pessoa humana se encontra face a face com o Evangelho… Dado que pessoas e sociedade mudam, também a cultura muda com elas. Se uma cultura se transforma, as pessoas e a sociedade são transformadas por ela. A partir desta perspectiva, torna-se mais claro por que é que a evangelização e a inculturação aparecem natural e intimamente ligadas uma à outra… Este processo de inculturação deve envolver todo o Povo de Deus, já que a vida da Igreja inteira deve mostrar exteriormente a fé que está a ser anunciada e recebida… Certos domínios merecem particular atenção: reflexão teológica, liturgia, a formação de sacerdotes e religiosos, catequese e espiritualidade.” (João Paulo II, Exortação apostólica pós-sinodal «Ecclesia in Ásia», n.º 21).
A inculturação do Evangelho e a evangelização das culturas é um processo vital. Ele realiza-se nas comunidades particulares através das quais as culturas recebem o Evangelho, o assimilam e exprimem. Tornado operativo a partir do interior, este processo não pode ser precipitado nem forçado, mas exige ser acompanhado desde a sua origem, à imagem do semeador que semeia a boa semente, rega-a e ajuda-a a crescer graças a uma estaca sólida. Cabe à Igreja perscrutar os sinais dos tempos e discernir nas novas situações culturais os novos campos do seu apostolado. É por isso que a formação dos padres e das pessoas consagradas se reveste de uma importância capital para todo o Povo de Deus.
A fé contém em si a necessidade da evangelização das culturas, visto que ela junta à dimensão pessoal uma dimensão comunitária. A fé cristã não é uma ideia vaga, é a força do amor, é uma convicção que influencia os comportamentos, e esta característica comporta por natureza uma dimensão social. A fé é um dom de Deus, que se transmite, recebe, professa e celebra, suscitando comunidades cujos comportamentos se inspiram numa ordem de valores incarnados tanto na vida familiar como na actividade económica, na expressão cultural como na acção política a todos os níveis.
Bernard Ardura, Secretário do Conselho Pontifício da Cultura
Conferência aos religiosos francófonos de Roma, 05.03.2007
in Cultures et Foi, n.º 4 (2007)
© SNPC: tradução | 03.03.2008
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