D. Gianfranco Ravasi
Em entrevista à «Famiglia Cristiana», traduzida e publicada na edição de Maio da «Família Cristã», Monsenhor Gianfranco Ravasi exorta a «não temer» nem as vanguardas nem as experimentações. E tem um sonho: «Gostaria que houvesse um pavilhão da Santa Sé na Bienal de Veneza, porque é ali que se fazem as novas gramáticas sobre a arte e a Igreja também tem algo a dizer sobre isso.»
D. Ravasi, o que é que não se deve «temer»?
Não se deve temer o confronto directo com a ciência, e ter também em conta posições diferentes das nossas. Também não se deve temer a arte do nosso tempo que parece distante dos temas religiosos.
E sobre a relação entre ciência e fé?
Devemos discutir as teorias da evolução e da relação entre o conhecimento e a teologia. Não podemos fingir que não existem. A respeito disso estamos a organizar um congresso, que não é só sobre Charles Darwin, como os jornais publicaram, mas sobre o vasto tema da filosofia do evolucionismo. É um vasto horizonte que deve ser explorado. Já estamos a fazer alguma coisa como projecto STOQ – sigla inglesa de Science, Theology and the Ontologica Quest –, financiado por uma fundação americana, que de dois em dois anos reúne em Roma os cientistas das maiores instituições mundiais para discutirem sobre a ciência e a religião.
Em que ponto nos encontramos?
A Igreja tem dificuldade em se fazer compreender. Temos linguagens demasiado pantanosas e por vezes curiais. Para além da sebe da comunidade eclesial, a linguagem tem tons diferentes, usa mais recursos do que nós, é mais directa, oportuna, mais adequada aos estilos da modernidade. Mas também vale para o interior da Igreja. Os padres muitas vezes são superficiais, e os debates culturais são considerados de pouca importância. É preciso compreender que hoje não se pode fazer catequese sem cultura.
A Igreja teme a cultura?
Não, mas tende a retirar-se, porque muitas vezes não quer entrar em polémica com quem hoje representa a cultura laica. Vou tentar explicar. Hoje entre os não-crentes está na moda o modelo irónico-sarcástico de Piergiorgio Odifreddi, tão usado em televisão. Os meios de comunicação tendem a representar a relação entre ciência e fé como se fosse entre dois fundamentalismos. Devemos sair desta armadilha e voltar a dialogar com intelectuais de alto perfil, deixando as polémicas pequenas e imediatas, que aumentam as audiências na televisão.
Pode citar nomes?
Habermas na Alemanha, Massimo Cacciari e Umberto Ecco em Itália. Devemos voltar ao confronto entre as metafísicas, como século XIX, quando a competição era entre sistema idealístico e cristianismo, entre marxismo e visão social da Igreja.
Mas a filosofia ocidental já não basta para explicar o mundo...
É verdade. E é por isso que a Igreja deve ouvir as culturas nacionais. Fomos ao Nepal, no fim de Abril, e à África iremos em Julho. Devemos fazer uma confrontação, raciocinar juntos em termos globais e locais. A Igreja deve ser menos condicionada pela mentalidade ocidental e não temer confrontar-se com outras filosofias.
Também é preciso reflectir sobre a economia?
Sim, é necessário, porque a economia já não é a ciência da técnica monetária. É uma ciência humanística, é o regulamento da casa do mundo. Levanta questões antropológicas e éticas, como demonstram as reflexões do prémio Nobel Joseph Stiglitz, muito próximas das questões que uma religiosidade autêntica levanta. Este é um tema que colocaremos no centro da reflexão do Conselho Pontifício para a Cultura.
Qual é o maior desafio cultural que hoje é feito à Igreja?
É o confrontar-se com um novo tipo de secularização, que não expulsa Deus do horizonte, mas que Lhe exige documentos e depois O faz tornar irrelevante. Procura eliminar os crucifixos ou pôr de parte todos os símbolos religiosos, enfraquecendo qualquer tipo de experiência religiosa. É um desafio muito perigoso para a Igreja. Não nega o valor do culto, mas expulsa do horizonte a questão das verdades. Deste modo, da religião só se toma aquilo que agrada. Vai aumentando, mesmo na Igreja, o movimento da New Age, que mistura tranquilidade psicológica e espiritualismo leve e considera a fé como uma consolação para o bem-estar e a serenidade de cada pessoa. O Papa, no seu discurso no fim da assembleia plenária do Conselho Pontifício, chamou-o «culto estéril do indivíduo». As comunidades eclesiais que aceitam estas ideias são cinzentas, pouco empenhadas no diálogo com a cultura e pela dignidade do homem. Da fé só tomam aquilo que lhes agrada e lhes tranquiliza a consciência.
Afinal é uma espécie de neblina. Como se pode eliminá-la?
Anunciando a mensagem cristã em formas culturais, para demonstrar que a procura da verdade não dificulta a actividade racional, mas é uma parte importante do conhecimento. Isto também serve para desmentir a ideia de que os cristãos não se interessam pelo conhecimento visto já terem a verdade. É uma ideia errada porque o saber tende, por natureza, para a procura da verdade. De outro modo seria um exercício estéril.
Então nota que hoje há uma degeneração da interpelação do «dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus»?
Certamente. Assistimos frequentemente ao choque de dois fundamentalismos: o islamismo e uma parte do cristianismo. Tende a excluir todo o tipo de mediação sobre a laicidade: por um lado diz-se que a lei e a verdade são estabelecidas pelo Estado, e por outro é imposta para todas as coisas uma referência inerente ao transcendente.
Mas então o que se deve fazer?
Deve reconhecer-se que existem espaços de autonomia, com leis próprias na política e na sociedade, e que existem normas morais, propostas pelas religiões, que derivam de visões transcendentes.
Mas porque é que não é fácil encontrar o equilíbrio?
Porque todos se ocupam do homem. E portanto torna-se indispensável estabelecer as regras de um correcto diálogo entre Deus e César para evitar formas de fundamentalismo de ambas as partes.
O que é que a Igreja deve fazer?
Empenhar-se mais em apresentar o poder do Evangelho, ler a Palavra de Deus com instrumentos culturais, evitando formas de fundamentalismo e de sincretismo. Quando se limita à solidariedade, a Igreja torna-se apenas «fitness» da alma e uma agência filantrópica.
Alberto Bobbio
29.05.2008
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