Projecto cultural
Bento XVI, Génova

Tensão entre o ensinamento cristão e a cultura contemporânea

À primeira vista, a visita de Bento XVI à cidade de Génova, no norte da Itália, parecia concebida para destacar a ascendência dos prelados da região no seu pontificado. O papa escolheu o Cardeal Tarcisio Bertone, o antigo arcebispo de Génova, para seu Secretário de Estado; o novo presidente da Conferência Episcopal Italiana, Cardeal Angelo Bagnasco, é o actual arcebispo de Génova; e o liturgista da arquidiocese, D. Guido Marini, dirige agora as cerimónias litúrgicas papais no Vaticano.

No entanto esta visita teve implicações mais importantes e um propósito mais profundo. Apesar das fortes tradições católicas, Génova tornou-se uma nova frente da Igreja para manter a sua influência social e política. É uma tensão que atravessa não apenas a Itália mas todo o continente europeu, onde a cultura secular se tem afastado das fundações cristãs. Alguns responsáveis eclesiásticos falam mesmo de uma batalha pela alma da Europa.

Em Génova, estas tensões concentraram-se num foco improvável: o cardeal Bagnasco, que tem defendido o ensinamento da Igreja em questões controversas como a casamento dos homossexuais e a coabitação. Estas posições despertaram críticas acesas, de tal modo que o prelado já recebeu ameaças de morte, pelo que tem tido escoltado por seguranças armados da polícia italiana.

A viagem do Papa a Génova e à cidade próxima de Savona foi, por isso, uma importante oportunidade para insistir no posicionamento da Igreja no que diz respeito a alguns aspectos morais da sociedade. Esta defesa não foi feita com argumentos teóricos sobre as relações Igreja-Estado, mas destacando os esforços feitos pela Igreja para ajudar as pessoas.

Um dos encontros mais emocionantes decorreu no dia 18, aquando da visita ao Instituto Giannina Gaslini, em Génova, o maior hospital para crianças do Norte da Itália. O pontífice abençoou crianças em cadeiras de rodas, escutou a eloquente saudação de uma criança de 10 anos com cancro e sorriu ao receber o seu presente – um grande retrato do Papa. A Igreja não é proprietária nem administra o hospital, mas ajuda-o e tem uma voz permanente na sua gestão. Este tipo de cooperação reflecte a histórica reputação de Génova como “cidade da caridade cristã”, referiu Bento XVI.

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Génova. Foto: Corbis

O encontro seguinte foi com milhares de jovens, que não arredaram pé apesar da chuva intensa que caiu sobre o centro de Génova. O Papa referiu que a juventude é algo de maravilhoso, mas advertiu sobre os perigos de uma cultura que tenta manter a juventude a todo o custo. “Hoje todos querem ser novos e permanecer novos, e mascaram-se como novos quando o tempo da juventude já passou, mesmo quando já é visivelmente passado.” Um dos motivos para este facto, afirmou, é que uma cultura que se afasta da fé deixa um grande vazio nos corações dos homens e das mulheres, e muitos querem “parar o tempo” porque temem um futuro sem sentido.

O Papa sublinhou que uma das exigências fundamentais da fé cristã é deslocar o centro de si par os outros e dar o seu tempo para os pobres e necessitados.

O impacto do encontro ultrapassou estas palavras: por uma manhã, a juventude católica de Génova tomou conta do centro histórico da cidade, e o futuro da Igreja estava claramente visível nas suas expressões.

Alguns minutos após o termo do encontro, o Papa mergulhou numa multidão bem mais idosa de religiosos e religiosas, na catedral, onde destacou o seu serviço histórico na educação e no auxílio aos pobres, doentes, famílias e crianças. Bento XVI referiu que os consagrados não devem ser demasiadamente desencorajados pelo número cada vez menor de religiosos. Já no dia anterior, em Savona, tinha referido que “o ministério ordenado não pode ser medido em números e estatísticas – os resultados, só no céu os conheceremos”.

Estas palavras foram especialmente apreciadas numa região onde os padres eram antigamente uma presença habitual nas fábricas e noutros lugares sociais, mas onde as vocações declinaram e as pressões anti-clericais cresceram. De facto, cerca de 1 milhar de manifestantes expressaram em Génova o seu descontentamento contra a influência do Vaticano na vida política italiana; e, espalhados pela cidade, foram pintados nas paredes slogans contra o Papa.

Na Missa em que encerrou a visita, Bento XVI referiu que o ser humano não se compreende a si próprio numa autonomia absoluta, mas em relação com Deus; esta relação dá sentido às várias instituições humanas. É esta visão de Deus que inspira a Doutrina Social da Igreja e os seus actos concretos de caridade. A Igreja serve a sociedade através do ensinamento, mas acima de tudo através do testemunho da sua fé.

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Pio VII. Pintura de Jacques-Louis David

Na cidade marítima de Savona, onde celebrou a primeira Missa desta visita, o Sumo Pontífice evocou os prisioneiros da região, tendo igualmente mencionado um famoso recluso do passado: o Papa Pio VII, que, por ordem de Napoleão, ficou detido naquela cidade durante três anos. Esta “página obscura da história da Europa” traz lições para os dias de hoje: “Ensina-nos a ter coragem perante os desafios do mundo: materialismo, relativismo, secularismo (...), estando preparados para pagar pessoalmente o preço de se ser fiel ao Senhor e à sua Igreja”.

John Travis | rm

in CNS

© SNPC (tradução) | 23.05.2008

 

 

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