A Teologia visual da Beleza
Arquitectura

A Igreja do Prémio Pessoa 2008

O arquitecto João Luís Carrilho da Graça foi distinguido, no passado dia 12 de Dezembro, com o Prémio Pessoa por ter criado, segundo o júri, “uma obra coerente, que se adequa ao ambiente onde é instalada”, e para esta avaliação terá certamente contribuído um dos seus mais recentes edifícios: a igreja dedicada a Santo António, no bairro dos Assentos, em Portalegre, inaugurada no dia 13 de Junho do presente ano.

O projecto, que data de 1993, teve de esperar 15 anos para conhecer a luz do dia, não perdendo, no entanto, a sua frescura e novidade no quadro da arquitectura religiosa portuguesa e internacional. O conjunto, composto pela igreja, centro paroquial e comunitário, distribuídos à volta de um grande pátio-adro, assume uma linguagem claramente contemporânea, de linhas simples e planos brancos que constroem um volume elementar próximo do minimalismo, mas também da arquitectura tradicional alentejana.

Implantada no centro de um bairro degradado e desqualificado da periferia da cidade, a igreja de Santo António revela-se atenta à sua localização, e através de traços reduzidos mas coerentes e marcantes, procura participar na valorização da urbe que a rodeia, ao disponibilizar-se como elemento criador de referências e identidade, mas também de relações humanas.

A sua arquitectura, como a igreja paroquial de Águas, do arquitecto Nuno Teotónio Pereira, nos anos cinquenta, deverá ficar registada na história do nosso tempo, por conseguir sintetizar e reflectir o essencial da contemporaneidade e da tradição local, alcançando o difícil ponto de equilíbrio onde a primeira se inspira na segunda, e esta se actualiza na outra.

E se no exterior nos confrontamos com longas superfícies brancas muradas e cerradas, é no interior que o edifício se revela, como descreve o arquitecto. “O espaço principal é um contínuo que nos leva desde a rua até à rocha quartzítica, posta a nu pelo terreno aplanado. Primeiro, o pórtico de entrada. Depois o pátio-adro flanqueado pelas duas rampas e pelas alas onde se distribuem os centros comunitário e paroquial. Ao fundo, o espaço central da igreja, que um envidraçado torna inesperadamente transparente. Por último, o pátio exterior construído com a rocha existente, o ar, a luz zenital, água e plantas. Um espaço exterior aberto à contemplação”.

É neste fundo natural enquadrado da igreja, herdeiro da cinquentenária capela universitária de Otaniemi, na Finlândia, de Kaija e Heikki Siren, que a arquitectura se une de modo mais explícito com a simbólica cristã, ao revelar que o edifício, como a Igreja, assenta sobre rocha - “Tu és Pedro (tradução grega do nome aramaico Kepha que significa pedra ou rocha), e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja” (Mt 16, 18).

O mesmo gesto é, ainda, escultura e imagem do ensinamento de Jesus sobre os verdadeiros discípulos, recordando a comunidade da importância de viver e agir integralmente de acordo com o Seu espírito, em coerência de palavras escutadas e acções praticadas - “Todo aquele que escuta estas minhas palavras e as põe em prática é como o homem prudente que edificou a sua casa sobre a rocha. Caiu a chuva, engrossaram os rios, sopraram os ventos contra aquela casa; mas não caiu, porque estava fundada sobre a rocha” (Mt 7, 24-25).

Mas esta igreja é ela mesma, no seu conceito e estrutura, uma verdadeira metáfora do ser e do parecer, ao recordar-nos que as verdadeiras riquezas (do ser humano como neste edifício) não se descobrem por fora na aparência do exterior, mas estão e revelam-se no seu interior, não sendo possível conhecer verdadeiramente alguém (ou esta igreja) pela superfície ou na distância, mas em relação de sincera aproximação e disponibilidade:

“Quando o edifício começou a ser construído, todo em betão, muito fechado, as pessoas acharam-no um horror porque parecia um «bunker». Diziam: ´Eu não vou enterrar-me vivo naquela igreja'.“ Foi preciso esperar até à inauguração para que aceitassem a obra como sua. “Nesse dia fiz uma visita ao espaço, havia uma afluência enorme de pessoas e estavam muito entusiasmadas. Comentavam: 'A igreja é muito melhor por dentro do que por fora, ninguém imaginava.' Os habitantes fizeram duas festas e apropriaram-se rapidamente daquele local de culto”.

Cumpriu-se, então, o propósito do arquitecto: “A extrema simplicidade do espaço, da linguagem arquitectónica e do desenho dos objectos tem como objectivo a criação de um espaço de liberdade em que os protagonistas são as pessoas e os acontecimentos”. Esta é uma das maiores forças desta igreja: o modo como, sem perder identidade, se apaga para dar lugar e primazia à comunidade.

Também no acontecimento principal de todo este complexo, a eucaristia, se descobre esta intenção: um espaço litúrgico que procura promover uma celebração festiva e participada pela comunidade que se deseja activa e unida em torno do altar. Às opções tomadas neste ponto não será alheio o texto do liturgista P. Pedro Farnés Scherer, que se encontra na memória descritiva do projecto.

“O lugar de celebração não é, pois primordialmente nem um monumento artístico, nem um templo em que Deus habita, nem um lugar onde se veneram imagens ou se custodiam com respeito diversos objectos sagrados, nem um espaço dedicado à oração pessoal e ao trato íntimo com Deus. (...) A igreja cristã é, sobretudo, o lugar destinado à celebração dos sacramentos e à realização das demais acções sagradas dos baptizados”.

Neste enquadramento teológico e litúrgico, concretizou o arquitecto: “Tentei materializar o conceito, herdeiro do Concílio Vaticano II, de que a igreja é um espaço onde nos reunimos em pé de igualdade. A sala da igreja é de planta quase quadrada. Um só degrau separa o altar, que é uma mesa quadrada em madeira, do público. Estas formas estáveis e centradas permitem-nos sentir que a celebração é presidida e consiste na congregação voluntária de um conjunto de Fiéis”.

No entanto, este desejo bem direccionado ficou aquém das possibilidades existentes e da procura que se realiza actualmente em países como a Alemanha ou a Itália, quando recorreu ao modelo de organização do espaço litúrgico que em Portugal tem tido uma utilização quase exclusiva: o de assembleia processional face ao presbitério alteado.

Neste caso, as tendências menos positivas que este modelo estimula, como a separação indesejada entre o presidente invariavelmente sobre-valorizado e o povo mais ou menos inconscientemente remetido à assistência, foram mitigadas por soluções diversas, como a lateralização da cadeira da presidência e consequente reforço da centralidade do altar, ou a planta quadrada quase de nível único com vista à máxima uniformização do espaço e aproximação da assembleia do presbitério.

Neste capítulo particular e por constituir uma tentativa concreta de fazer caminho no entendimento do espírito eclesiológico e litúrgico renovado pelo Concílio Vaticano II, indo mais além do que os espaços litúrgicos repetidos em Portugal até à exaustão nas duas últimas décadas, esta igreja é inquestionavelmente um passo muito relevante na actual arquitectura religiosa portuguesa.

Também pelas suas formas, ao mesmo tempo, reconhecíveis no estilo e novas no desenho da tipologia, e pelo traço discreto, rigoroso, proporcionado e belo do todo como nas partes, a igreja de Santo António, em Portalegre, constitui o acontecimento de maior relevo e significado na arquitectura religiosa dos últimos dez anos, em Portugal, confirmando que a arquitectura pode (e deve) ser um suporte favorável à vida sacramental, espiritual e comunitária vivida em Igreja, e que esta não pode (nem deve) exigir menos do que a excelência nas suas obras.

 

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Texto e fotografias: Arq.º João Alves da Cunha

© SNPC | 18.12.2008

 

 

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