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Estudo

A leitura crente dos sinais dos tempos

A Universidade Católica Editora lançou recentemente a obra “A leitura crente dos sinais dos tempos – Fundamentação, procedimento e dificuldades”, do padre jesuíta Domingos Terra, um dos Referentes da Pastoral da Cultura em Portugal.

O ponto de partida da obra do docente da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa «é a verificação, claramente documentada, de que ao uso frequente, marcadamente espontâneo, abundante, por vezes até excessivo, da linguagem dos “sinais dos tempos” não tem correspondido uma consciência eclesial e uma reflexão teológica suficientemente amadurecidas, como o tema mereceria», assinala no prefácio José Eduardo Borges de Pinho, professor catedrático da instituição.

Os cinco capítulos dividem-se nos seguintes tópicos: «"Sinais dos Tempos': dificuldades dum conceito», «História Humana: onde se leem os sinais», «Comunidade Eclesial: quem lê os sinais», «Processo de Interpretação: como se leem os sinais» e «Leitura dos 'Sinais dos Tempos': problemas a considerar».

 

Prefácio

A menos de um ano da celebração do quinquagésimo aniversário do início do Concílio Vaticano II e numa altura em que, mais uma vez, se vai colocando, em diversos setores, a questão da mais adequada e fiel receção do acontecimento conciliar, é de oportunidade evidente o estudo que aqui nos é oferecido sobre os “sinais dos tempos”. Tema marcante da sensibilidade conciliar expressa na Constituição Pastoral Gaudium et Spes, a chamada de atenção para a necessidade de uma leitura crente dos “sinais dos tempos” constituiu uma das perspetivas mais inovadoras e incisivas do Vaticano II no que respeita ao modo de a Igreja entender e procurar realizar a sua missão no mundo contemporâneo. Como tem sido suficientemente sublinhado, no Concílio a Igreja compreendeu que não está apenas “face” ao mundo, ao qual tem algo a dizer e a ensinar, mas também percebeu que “faz parte” deste mesmo mundo, vive em solidariedade com os homens e mulheres de cada tempo, aprende também com as experiências e vicissitudes do caminhar humano na história.

Reaprendeu assim a Igreja católica a olhar para a história humana não predominantemente sob o ângulo das suas expressões negativas, mas abriu-se de forma mais decidida aos dinamismos positivos decorrentes da “obra boa” da Criação que este mundo constitui e aos sinais da ação salvífica de Deus presentes na nossa história. Desse modo a Igreja encetou uma nova fase em termos de consciência do seu indispensável envolvimento solidário na construção humana do mundo, de renovação dos caminhos a seguir no cumprimento da sua missão de anúncio do Evangelho, de atitude global com que procura acompanhar a história e inscrever‑se nos caminhos da humanidade.

Com este estudo aborda o autor, pois, um tema que, simultaneamente, nos situa na tarefa pendente (e que continuará a sê-lo por muitas décadas…) de uma receção cada vez mais plena do Concílio Vaticano II e nos interpela a um indispensável discernimento sobre os caminhos mais adequados de a Igreja se situar no mundo de hoje. Num momento histórico em que, reconhecidamente, ressaltam na sua complexidade as diversas circunstâncias sociais, culturais, económicas, etc. que nos envolvem como cidadãos e como nação, como pessoas crentes socialmente responsáveis e como comunidade eclesial num mundo globalizado, a avaliação fundamentada da forma como tem decorrido a receção deste tópico e desta visão conciliares, tanto em termos de pensamento teológico como de indicativos práticos, revela-se uma questão de enorme pertinência.

O ponto de partida heurístico deste trabalho é a verificação, claramente documentada, de que ao uso frequente, marcadamente espontâneo, abundante, por vezes até excessivo, da linguagem dos “sinais dos tempos” não tem correspondido uma consciência eclesial e uma reflexão teológica suficientemente amadurecidas, como o tema mereceria. O autor começa mesmo por detetar, no uso frequente da expressão “sinais dos tempos”, “uma certa imprecisão do conteúdo, escassez de tratamento teológico, pouca afinação do ato interpretativo a que alude e experiência insuficiente dos comportamentos que implica” (p. 12). Na sua perspetiva, a polissemia original do conceito exigiria um maior rigor na sua utilização tanto por parte da teologia como do próprio magistério. A análise da literatura existente sobre o tema permite‑lhe afirmar que o conceito entrou decididamente na reflexão teológica e nas preocupações da Igreja, mas com um conteúdo a necessitar de maior precisão e sem ter encontrado a indispensável reflexão sobre problemas metodológicos e questões de ordem hermenêutica aqui envolvidos.

Indicadas e confirmadas estas dificuldades existentes quanto a um uso preciso e coerente deste conceito nos meios eclesiais, o autor segue, ao longo de três capítulos, um percurso em que aborda, sucessiva e detalhadamente, o “lugar” onde emerge a questão dos “sinais dos tempos” (a história humana), “o sujeito” que é interpelado a efetuar um discernimento coletivo de leitura crente desses sinais (a Igreja), o “modo” como essa leitura se processa nas suas diversas etapas. Desta forma o leitor é conduzido – sempre num processo de reflexão marcado pela busca de rigor do conceito e por uma linguagem direta – a tomar consciência mais apurada dos problemas teóricos e práticos aqui existentes, a formular questões que importa esclarecer, a perceber tarefas que urge realizar, a afinar estados de consciência que é indispensável aprofundar, porventura mesmo transformar.

Mérito primeiro deste trabalho é a possibilidade que nos é oferecida de acompanhar um processo de receção conciliar e de encontrar uma síntese atualizada da reflexão feita ao longo destes cinquenta anos sobre o tema dos “sinais dos tempos” e suas diversas repercussões. Esta visão global, feita com serenidade, equilíbrio e espírito crítico, permite-nos não só entrar em contato com diversos estudos que têm sido elaborados sobre o tema como tomar consciência dos principais problemas que permanecem. Entre outras, o autor sublinha três questões incontornáveis que importa sublinhar desde já pela sua pertinência estrutural: a dificuldade de comunicação que hoje se sente entre Igreja e mundo; os problemas de entendimento a respeito desses sinais num mundo que se apresenta radicalmente plural; a dificuldade de consenso que se pode manifestar no próprio ambiente eclesial sobre a interpretação contida nos “sinais dos tempos” (cf. pp. 123 s.).

Nesta ordem de ideias, são sugeridos vários pontos concretos a merecer aprofundamento teológico e uma mais amadurecida consciência eclesial. Trata‑se, afinal, de a Igreja procurar corresponder à mudança de paradigma da evangelização (cf. pp. 92 s.) que a linguagem dos “sinais dos tempos” e a atitude que ela pressupõe exigem. Destaco simplesmente três aspetos.

Antes de mais, ressalta a insistência feita na nuclearidade crente da tarefa de discernimento aqui envolvida: trata‑se de perceber os sinais dos tempos como sinais de Deus, como ocasiões da história onde convergem a oferta da graça de Deus e a disponibilidade humana para lhe dar resposta, como “lugares históricos de disponibilidade da liberdade humana para acolher o que lhe indica a divina” (p. 88). Releva‑se assim a importância primordial de procurar fazer uma leitura de cada momento histórico à luz da Palavra de Deus. Nesse sentido o autor chama a atenção para a necessidade de, individual e comunitariamente, se crescer na familiaridade com a maneira como Deus se move no interior da história, de modo a poder verificar‑se com segurança em que medida estamos mesmo diante de sinais de Deus (cf. pp. 74 s. e 120 s.). É lançada assim a interpelação em ordem a crescer‑se numa atmosfera teologal da existência humana (pp. 84 s.), a desenvolver uma sabedoria argamassada na experiência profunda da fé, a viver uma espiritualidade mergulhada nas realidades concretas da história humana (encarnação).

Um segundo aspeto a salientar tem a ver com o indicativo do papel que cabe à Igreja como comunidade no discernimento dos “sinais dos tempos”. Na sequência da sua análise, o autor sugere que um maior rigor quanto ao conteúdo dos “sinais dos tempos” e quanto à metodologia da sua aplicação na vida da Igreja só poderão ser conseguidos pela conjugação do esforço de aprofundamento teológico (sempre necessário) com a concreta experiência da prática eclesial. Considera mesmo que a consistência da prática eclesial será elemento fulcral para verificar a solidez dessa leitura crente e para fecundar o pensamento sobre o assunto. Lembra‑se, assim, que a leitura dos “sinais dos tempos” como processo coletivo de discernimento supõe uma certa maneira de entender a Igreja e questiona o modo como a comunidade eclesial se realiza como “sujeito” de uma história de fé. Falar de uma leitura crente dos “sinais dos tempos” exige, pois, uma particular sensibilidade às implicações eclesiológicas aqui contidas: trata‑se de viabilizar um estilo de vida cristã e eclesial onde essa leitura possa acontecer de forma natural, como expressão de uma fé viva e mais atenta ao mundo que nos envolve.

Naturalmente – e este é um terceiro aspeto a destacar – a comunidade eclesial não pode fechar‑se sobre si própria, como se possuísse a matriz exclusiva de leitura dos acontecimentos da história. Trata‑se, como observa com toda a pertinência o autor, de fazer uma busca juntamente com outros, de ouvir muitos dos que vivem comprometidos com o mundo, integrem ou não a Igreja, sejam crentes ou não crentes (cf. pp. 96 ss. e 115 s.). Se é certo que o reconhecimento ou não do mistério de Deus como referência e suporte da história humana conduz a perspetivas e posicionamentos diferentes, é inquestionável também que a responsabilidade da Igreja na leitura crente dos “sinais dos tempos” a obriga a uma atitude determinada de escuta e de diálogo a vários níveis no seio da coletividade humana mais ampla.

Não é intenção do autor – anote‑se a concluir – apresentar aqui um estudo exaustivo sobre o tema em análise. Muito menos tem a pretensão de resolver todos os problemas e questões que deteta e coloca. Visa‑se, fundamentalmente, apontar alguns aspetos que devem continuar a merecer a atenção da reflexão teológica e da sensibilidade eclesial, na consciência de que se trata de matéria de discussão que precisa de ser prosseguida e de experiências de vida eclesial que necessitam de ser configuradas. Mas é precisamente no delinear dessas questões a aprofundar na reflexão teológica e a concretizar na prática eclesial que emergem o interesse e o contributo mais relevantes deste estudo: somos convidados, de facto, a perceber melhor a existência cristã no confronto com os acontecimentos e situações da história humana, a pensar mais profunda e existencialmente temas fulcrais da presença cristã no mundo. Apesar de todas as dificuldades, o discernimento dos “sinais dos tempos” – esse é um legado conciliar irreversível – representa uma atitude indispensável na vivência cristã, é uma tarefa vital para a Igreja de cada tempo, também do nosso tempo.

 

Prefácio: José Eduardo Borges de Pinho
In A leitura crente dos sinais dos tempos, ed. Universidade Católica Editora
15.03.12

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Capa

A leitura crente
dos sinais dos tempos

Autor
Domingos Terra, s.j.

Editora
Chiado Editora

Ano
2012

Páginas
160

Preço
13,30 €

ISBN
978-972-540-3440

 

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