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Manuel Clemente, um bispo "xpto"

Este artigo continua o texto "Manuel Clemente, um bispo para a crise"

O segundo grande tema de "É Este o Tempo" é o renascimento da comunidade, ou melhor, a necessidade de ressuscitar a comunidade cristão enquanto pilar de uma sociedade, de um país. Ora, a meu ver, existem duas maneiras de um cristão lidar com a esfera pública/política. A primeira passa por aceitar que os princípios e regras da esfera política são de "outro tipo" e que, por isso, o cristão só deve preocupar-se com a salvação da sua consciência; o cristão deve criar uma redoma à sua volta, evitando assim o contacto com a Cidade conspurcada. A segunda via passa por dizer "não, um cristão tem de ir à luta, tem de tentar influenciar a sociedade e a política, tem de tentar levar os seus valores cristãos para a Cidade"; o cristão não tem apenas de salvar a sua consciência, também tem de salvar a sua cultura (Lucas Pires dixit). Como está bom de ver, Manuel Clemente (com e sem o D.) defende e pratica a segunda via.

II. É nesta segunda via que devemos enquadrar a "Missão 2010" levada a cabo por D. Manuel Clemente e por toda a diocese do Porto ao longo do último ano (o tema central do livro). Tratou-se de levar a Igreja e as suas organizações para a rua, para a comunidade. Porque, como diz Clemente, "o cristianismo não é um moralismo seco". É algo que se faz junto das pessoas, em comunidade. E, atenção, isto não se resume ao mero cantar das janeiras. Ou melhor, o cantar das janeiras (e a consequente revisitação desse velho hábito de vizinhança) é o símbolo de algo que está a montante do pensamento e da ação de D. Manuel Clemente: a revitalização dos "corpos intermédios", aquelas instituições orgânicas que estão entre nós e o Estado (a família, as igrejas, as empresas, as cidades enquanto entidades que conferem uma identidade bairrista, as associações, os clubes de bairro, etc.). O eterno debate Estado/Mercado tende a esquecer uma coisa: no meio está a sociedade, a comunidade. O Estado deve servir a sociedade, e não o inverso. E o indivíduo não vive no mercado, vive na sociedade. O mercado é a melhor forma de gerar riqueza, sim senhora, mas nós vivemos numa sociedade composta por esses corpos intermédios.

III. Neste livro, D. Manuel Clemente é claro na defesa destes corpos intermédios. Em primeiro lugar, defende uma conceção de sociedade que passa pela vida de bairro, pelos laços de vizinhança e pelo orgulho de pertencer e viver numa cidade com identidade forte. O bairrismo não é só para o futebol. É para o nosso dia a dia. A liberdade, a segurança e até a noção de cidadania de um indivíduo estão sempre relacionadas com as empresas, com as igrejas, com as lojas, com as associações, com os clubes, etc. do seu bairro. Quando a vida de bairro se resume a caricatas e carrancudas reuniões de condomínio, os indivíduos estão entregues a uma vida solitária e sem qualquer respeito pelos seus vizinhos. E se x não respeita os seus vizinhos ali da rua como é que pode respeitar os seus concidadãos em geral?

IV. Em segundo lugar, Clemente defende a família como unidade nuclear da sociedade, e critica as políticas públicas que não têm ajudado a família. Em terceiro e último lugar, este bispo mui xpto defende naturalmente os corpos intermédios ligados à Igreja, a começar pelas escolas e organizações que apoiam socialmente as famílias. E eu, confesso, fui aprendendo aos longos dos anos a apreciar o esforço destes corpos ligados à Igreja. No meu antigo bairro, por exemplo, o centro paroquial (que vive à custa do voluntariado das pessoas) é a creche e a escola de dezenas de crianças sem berços de oiro. No meu bairro atual, as irmãs ali da paróquia fazem um trabalho notável, tapando buracos em dezenas de famílias. Estas organizações são - em si mesmo - um Estado Social, um Estado Social de proximidade, um Estado Social que despe burocraticamente as pessoas. Nesta época de crise, nesta época de mudanças de paradigma ao nível do Estado, convém olhar com outros olhos para estas organizações, para este Estado Social invisível, para este Estado Social orgânico, para este Estado Social que é, na verdade, a sociedade.

 

Henrique Raposo
In A Tempo e a Desmodo
17.05.11

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