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História

5 de outubro de 1910, Implantação da República: reação, mobilização e inovação católica

Desde final do século XIX, em várias latitudes e também em Portugal, o catolicismo encontrava-se em profunda recomposição interna. (...) O processo da «questão religiosa» em Portugal não só é algo anterior ao 5 de Outubro de 1910, como o período da Primeira República, sendo de radicalização entre o Estado e a Igreja Católica Romana, foi simultaneamente um tempo de novos espaços e de novos entendimentos de autonomia entre a crença e a cidadania, entre o religioso e a organização social.

Essa época foi um tempo no qual, marcada pela insuficiência da reflexão e da formulação teológicas, se buscava uma linguagem para afirmar novas realidades, encalhando na apologética ou na virulência de ataques ferozes de combate ideológico, no interior e com o exterior da realidade eclesial.

 

Pastorais Coletivas – um percurso de consciência eclesial

Nem sempre existe, atualmente, a perceção de que a Igreja Católica Romana se encontrava enredada nas teias do Estado no período da Monarquia Constitucional. Só em 1891, por insistência do núncio leonino Domenico Jacobini, se iniciaram reuniões dos bispos portugueses, as quais, apesar de previstas para serem anuais, dificilmente ocorriam e eram bastante timoratas. Foi essa experiência, contudo, que foi permitindo que, mais ou menos em conjunto e de algum modo de forma articulada, formulassem o que consideravam ser os problemas da Igreja em Portugal, dirigindo alguns apelos ou recomendações privadas à autoridade política.

FotoBispos portugueses com o núncio apostólico em junho de 1904

Este processo de habituação dos bispos em tratarem problemas em conjunto é um dos aspetos mais significativos da recomposição da autoridade eclesiástica no período que vai de 1890 a 1926, ano da realização do Concílio Plenário Português, mas sem o qual dificilmente os bispos assumiriam uma consciência comum de Episcopado quando tiveram de enfrentar os desafios colocados pela legislação religiosa da Primeira República, com destaque para as medidas laicizadoras do Governo Provisório e do Decreto-lei da Separação em 20 de abril de 1911.

Este percurso, protagonizado por diversas gerações de bispos e de núncios, estendeu-se desde o pontificado de Leão XIII ao de Pio XI. O marco geral da intervenção episcopal, como conjunto, tendeu a sublinhar a política leonina de I em face do Estado e da sua autoridade e legitimidade, apelando constantemente ao exercício da cidadania e à união entre o clero e os fiéis. Esta posição, tendo conhecido várias fases, traduzia também o ensejo da autoridade eclesiástica afirmar a autonomia e reivindicar a liberdade da Igreja Católica Romana.

FotoAlunos de escola católica, em São Vicente de Fora, mantida pelo padre Francisco Esteves (1913)

Todavia, nem foi óbvia para os diferentes poderes políticos da Monarquia Constitucional e da República, pelo peso da tradição do regalismo, mas não o foi também internamente, dada a divisão política e concorrencial entre os católicos: monárquicos legitimistas e liberais; liberais regeneradores, progressistas ou dissidentes; entre rotativos e nacionalistas; entre monárquicos e republicanos. Particularmente desde 1906, em maior ou menor grau, o terreno católico português apresentava estas fissuras, e sem se atender a elas dificilmente se perceberão também algumas dificuldades internas entre os católicos, mas sobretudo não se terá suficientemente em conta a complexidade e o significado da intervenção do conjunto do episcopado português entre 1910 e 1926.

Com data de 24 de dezembro de 1910, os bispos portugueses procuraram divulgar em fevereiro seguinte uma Pastoral Coletiva onde reiteravam a doutrina do respeito devido aos poderes constituídos, rejeitando simultaneamente que os católicos cooperassem com quem hostilizasse a Igreja Católica, contrariando uma perspetiva de sedição política, apelando a, «por todos os meios legais e honestos, favorecer, na medida da sua possibilidade, a causa da religião e a Igreja Católica, e unidos em um terreno comum empenhar esforços para remover da legislação tudo que à mesma causa seja contrário».

FotoGrupo de escuteiros no início sec. XX, Avenida da Liberdade, Lisboa

Redigida na sua forma definitiva por D. Augusto Eduardo Nunes, arcebispo de Évora, o Governo Provisório procurou evitar a sua divulgação recorrendo à não concessão do tradicional beneplácito. O bispo do Porto, D. António Barroso, ao não acatar esta decisão, foi trazido a Lisboa e destituído das suas funções de bispo e a diocese considerada vaga como se por falecimento se tratasse, pelo Ministro da Justiça e dos Cultos, Afonso Costa. Embora o Ministro quisesse por esta atuação demonstrar a sua autoridade recorrendo ao poder que lhe advinha da legalidade em vigor, este acontecimento marcou um passo fundamental no exercício e na autonomia da autoridade episcopal, na medida em que iniciou um comportamento dos bispos que assumiram iniciativas decorrentes do seu múnus saindo da tutela governativa, precipitando a promulgação do Decreto de Lei sobre a Separação do Estado das Igrejas, impondo progressivamente uma resistência e, posteriormente, uma acalmação que tornaria mais patente a liberdade da Igreja Católica na sua organização interna e na sua atuação na sociedade.

FotoComício Repúblicano, Avenida Almirante Reis, Lisboa, dezembro 1906

No seu Protesto Coletivo de 5 de maio de 1911, os bispos denunciaram o caráter afrontoso e persecutório do conteúdo e das disposições da Lei da Separação, insurgindo-se contra a expropriação dos bens móveis e imóveis da Igreja, o não reconhecimento da personalidade jurídica da autoridade eclesiástica; contra a ingerência do poder civil na formação do clero e na proibição do uso das vestes talares fora dos locais de culto; bem como contra a limitação das manifestações públicas de culto ou de fé; contra a criação das associações cultuais, encaradas como interferência na vida católica e na administração dos bens da Igreja. Consideravam a lei como «convite à indisciplina e à imoralidade» pelo dispositivo legislativo de atribuição de pensões às viúvas e aos filhos legítimos ou ilegítimos dos padres, constituindo assim um ataque direto à convicção e à disciplina sobre o celibato. Denunciavam, ainda, a persistência do beneplácito e a proibição de fundação de associações religiosas como medidas opressivas e de afronta, declarando que «não é separação, não é divórcio, é prepotência. Não é neutralidade, é o propósito ostensivo e inegável, não diremos só de fiscalizar (que a fiscalização seria de admitir, nos limites razoáveis ou segundo o direito comum) mas de escravizar».

FotoProcissão do Corpo de Deus de 1908. O rei D. Manuel II, o Infante D. Afonso e o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa pegam nas varas do pálio

A resistência à aplicação da lei, em vigor a partir de 1 de julho e controlada por uma Comissão Central, foi bem mais profunda do que o esperado pelo Governo e, mesmo, pela parte de muitos setores católicos. Os prelados foram convidados a pronunciarem-se sobre essa legislação, que se alargara também em 30 de junho com medidas sobre a administração dos sacramentos. A 21 de julho de 1911, ao ser decretada a prorrogação do prazo para requisição das pensões aos ministros da religião católica, evidenciava-se que existia resistência à intromissão do político no religioso e das suas consequências, tornando patente estar aberto um conflito profundo a partir do terreno religioso.

As sanções aos bispos e a outro pessoal eclesiástico não se fizeram esperar, com desterros e prisões. Entre novembro de 1911 e março de 1912, todos os bispos foram expulsos e desterrados por dois anos, uma medida que procurava obrigá-los a abandonar o governo direto das suas dioceses.

FotoAssinatura da Lei de separação do Estado das Igrejas pelos membros do Governo Provisório

A 15 de março de 1913, os bispos, em carta ao presidente Manuel de Arriaga, na vigência governativa de Afonso Costa, reafirmaram as suas posições e condenações ao tipo de tratamento a sujeição imposta à Igreja Católica. Mas o episcopado não se limitou a esta atuação para o exterior, a 10 de julho desse mesmo ano dirigiram um apelo aos católicos portugueses, conhecido como «apelo de Santarém», sugerindo a urgência de «a união dos católicos» para intervirem ativamente na vida pública em defesa dos interesses da Igreja, iniciando-se um processo de intensa mobilização católica. Este esforço mobilizador traduziu-se também politicamente, em 1915, na eleição do primeiro deputado pela União Católica, isto é, pelo sufrágio os católicos voltavam a ter, mesmo que de forma muito limitada, uma determinada representação parlamentar. Importa, contudo, sublinhar a existência de católicos que se situavam também no seio de formações políticas republicanas.

FotoManifestação anticlerical promovida pela Associação do Registo Civil de apoio ao ministro da Justiça, António Maceira

A 22 de janeiro de 1917, uma nova Pastoral insistia na organização dos católicos e na apresentação de candidatos católicos às eleições para deputados, o que inaugurou uma nova atitude de atuação da Igreja Católica e um reforço da sua presença na sociedade portuguesa. Sem dúvida que a emergência do sidonismo e a acentuação da crise da República favoreceu essa atuação, mas, por outro lado, verificou-se uma efetiva reorganização que, paulatinamente, lhe foi conferindo uma grande definição e uma imagética restauracionista expressa pela Pastoral de 1930 que tornava pública e interpretava a realização do Concílio Plenário Português e as suas conclusões.

 

Reorganização da Igreja Católica

No processo de recomposição que se tem vindo a analisar deu-se a valorização da figura do bispo e da diocese como enquadramento adequado para promover a união dos católicos e para contrariar a funcionarização da religião e do clero. O afrontamento ocorrido durante o período da Primeira República acabou por permitir uma dinâmica da Igreja Católica autonomizada do Estado, fortalecendo internamente o campo católico, dentro do marco da união de esforços e definindo novas vertentes de atuação.

FotoNa Praça do Marquês de Pombal, em Lisboa, que foi o centro da insurreição, os membros do Governo Provisório (Bernardino Machado e Afonso Costa) felicitam publicamente a 9 de Outubro de 1910, os chefes do movimento

Se o movimento católico no final da Monarquia Constitucional e durante a Primeira República, se apresentava dividido por fortes dissensões, agravadas pelas dificuldades do congreganismo, a partir de 1912, surge como que uma «nova geração» disposta a uma reorganização, como ocorreu a 20 de abril com a reunião nacional das Juventudes Católicas Portuguesas. Esse dinamismo contribuiu para que, no ano seguinte, tivesse lugar, em Coimbra, o primeiro congresso da recém-fundada Federação das Juventudes Católicas.

Em diversas dioceses, sobretudo a partir de 1914, assiste-se ao surgimento de Boletins Diocesanos que espelhavam este retomar orgânico mais autónomo da ação dos bispos, altura em que novos prelados tomaram posse de dioceses que, pelo falecimento de alguns bispos, permitiram também o surgimento e a atuação de novas lideranças eclesiásticas, apesar das dificuldades na formação e na organização do clero à época.

FotoA Câmara Municipal de Lisboa com a bandeira republicana hasteada e diante da qual o povo aclama a República, outubro de 1910

Como expressão desta vitalidade pode-se assinalar a restauração de dioceses como a de Leiria em 1918 (pelo breve Quo vehementus de Bento XV, a 17 de janeiro), incorporando 50 paróquias anteriormente pertencentes ao Patriarcado e à diocese de Coimbra ou a criação da de Vila Real em 1922 (a 20 de abril pela bula Apostolica Praedecessorum Nostrorum de Pio XI) com uma extensão idêntica à do distrito e composta por 257 freguesias separadas das dioceses de Braga, Lamego e Bragança. Paulatinamente verificaram-se deslocações importantes da estruturação da Igreja Católica, o que permite compreender que, no Concílio Plenário Português (1926), a diocese fosse assinalada como a estrutura que definia e enquadrava a legitimidade da intervenção da Igreja Católica na sociedade, girando em torno dela as atividades de recristianização da sociedade. Sendo um desiderato tridentino, verdadeiramente só atinge este significado mais amplo e real no processo de Separação e de recriação dos laços da Igreja Católica com a sociedade no primeiro quartel do século XX.

FotoDestituição do bispo do Porto: D. António Barroso descendo do automóvel à porta do Ministro da Justiça

A experiência da Igreja Católica durante a Primeira República, afrontada por um programa intencional de laicização, realizou simultaneamente uma recomposição interna, afirmando a autoridade episcopal e situando-se no quadro do ralliement leonino, apesar de haver uma componente nitidamente política do movimento católico. Neste período surgiram novas formas de associativismo e afirmaram-se novas sensibilidades espirituais. Novas, não necessariamente porque inexistentes, mas porque reformuladas e protagonizadas por novas gerações e noutros condicionalismos sócio-políticos e culturais.

A criação de novas organizações orientadas particularmente para os jovens, estudantes ou raparigas, como a União Noelista (1913), a Associação de Proteção às Raparigas (1916), o Escutismo católico (1923), a Juventude Católica Feminina (1924), ou a constituição da editorial Veritas na Guarda, com o objetivo de divulgação de obras católicas, são alguns exemplos que assinalam esse redefinir do espaço católico, apesar das fragilidades evidenciadas ao nível da elaboração doutrinal, não só pela crise da Faculdade de Teologia e pelo seu posterior encerramento, como pelas dificuldades na formação do clero e pelo encerramento de instituições de formação que estavam sobretudo ligadas à tradição das congregações religiosas masculinas e femininas.

FotoMultidão em Fátima por ocasião do «Milagre do Sol», em 13 de Outubro de 1917

Quando, no contexto da Primeira Guerra Mundial e da agitação social que atravessava a República, irrompeu em Fátima uma mobilização religiosa em torno de aparições de Nossa Senhora a três crianças (1917), manifestava-se também uma outra dimensão ou um outro potencial do campo católico em torno de uma religiosidade, com forte cunho popular, num período em que a instituição eclesiástica se sentia coartada na sua ação, ao mesmo tempo que estimulava a mobilização desse espírito religioso como forma de resistência.

A dinâmica religiosa em torno das aparições de Fátima constituiu-se progressivamente num epicentro de recomposição do catolicismo português, desenvolvendo um imaginário de desígnio coletivo concebido como «milagre»: a salvação do país. Este evento e a sua dinâmica revelaram que, para além do confronto entre a Igreja Católica e o regime republicano, o catolicismo possuía outras dimensões de identificação e de mobilização: a devoção mariana como o lugar de convergência da religião oficial e da devoção popular.

FotoCova da Iria: Capelinha das Aparições dinamitada (6 de março de 1922)

Também a beatificação de Nuno Álvares Pereira (1918) realçou, neste contexto, mas de modo diverso, a identificação entre a regeneração católica preconizada e a salvação da Pátria, pela apresentação de um modelo de virtudes como meio de formação das consciências e como explicitação de uma imagem e um ideário católicos de patriotismo.

Associada a esta mesma realidade do catolicismo como elemento identificador encontrava-se a problemática missionária que, para além da expulsão das congregações e das tentativas goradas da laicização das missões, constituiu sempre o ponto sensível entre os interesses dos Governos republicanos e os da Igreja Católica Romana. Do ponto de vista interno, para o Estado português nas suas relações com a Santa Sé, a «questão missionária» era integrante da «questão religiosa», e apesar da diversidade de comportamentos dos Governadores coloniais, houve não só tentativas sucessivas de revisão da Lei da Separação, como se deu a celebração de um acordo missionário em 1928 e, no ano seguinte, foi permitida a entrada no país de algumas das congregações religiosas anteriormente expulsas.

FotoPrimeira missa campal na Cova da Iria (13 de outubro de 1922)

Todo este percurso em torno do movimento católico e da problemática missionária expressava significativamente a afirmação de uma conceção e de uma vivência do cristianismo como ideal de transformação da sociedade; contudo, ela correspondeu essencialmente a uma perceção da importância de elites intelectuais de clérigos e leigos que, empenhados no movimento social católico, procuraram dar corpo a uma outra consciência católica (o percurso do romancista Manuel Ribeiro, entre outros, foi expressão deste desiderato). Foram estes setores que geraram as condições do surgimento da dinâmica apostólica que ficará conhecida com a Ação Católica, oficialmente constituída em 1933.

 

Relações com a Santa Sé

Todo o processo da instauração do regime republicano fora observado com enormes receios por parte da Santa Sé, na expectativa do que seria o comportamento dos católicos, bispos, clero e fiéis portugueses. A Santa Sé mantivera desde o início um distanciamento para com o regime revolucionário. Suspensas as relações diplomáticas a 5 de Outubro pela instauração de um novo regime, Mons. Júlio Tonti, arcebispo de Ancira, que ocupava o cargo de núncio apostólico desde dezembro de 1906, deixou Lisboa a 20 de outubro, ficando a Nunciatura entregue a um Encarregado de Negócios, Mons. Bento Aloisi Masella. A 15 de março de 1911, Pio X dirigiu-se publicamente aos bispos portugueses numa carta apoiando as suas tomadas de posição e reiterando as linhas fundamentais da doutrina expressa na Pastoral de 24 de dezembro e cuja divulgação fora censurada e interditada. Contudo, o corte de relações diplomáticas só ocorre depois da promulgação da Lei de Separação, não regateando o papa Pio X o seu apoio direto às posições do episcopado português, o que faz em encíclica enviada a todo o mundo católico –  Jamdudum in Lusitania – com data de 24 de maio, onde denunciou o teor da Lei da Separação, e reiterou a doutrina católica sobre relações entre a Igreja e o Estado.

Imagem Leão XIII (1878-1903)

Várias foram as tentativas de apaziguamento, nomeadamente promovidas pelos setores republicanos mais moderados. O presidente Manuel Arriaga, em 1912, tentou uma amnistia para os bispos portugueses, gorada pela oposição de Afonso Costa e pelos setores para quem a lei e a sua interpretação radical eram «a cúpula do próprio regime». Bernardino Machado, durante 1914, tentou também, mas sem sucesso, restabelecer as relações diplomáticas com a Santa Sé.

A chegada ao sólio pontifício de Bento XV e a nomeação do cardeal Pietro Gasparri como Secretário de Estado, bem como o ambiente internacional provocado pela Grande Guerra, alteraram as condições internas e externas das relações do Estado republicano português e a Santa Sé.

ImagemPio X (1903-1914)

Os primeiros passos positivos foram desenvolvidos pelo embaixador português em Madrid, Egas Moniz, junto do núncio apostólico aí acreditado, Mons. Francesco Ragonesi. Em consequência desses contactos, Mons. Ragonesi visitou Portugal entre 26 de junho e 2 de agosto de 1918. A 10 de agosto foi escolhido o ministro de Portugal junto da Santa Sé e o Santo Padre nomeou núncio apostólico em Lisboa Mons. Aquiles Locatelli, que aí chegou a 16 de abril de 1919 e entregou credenciais a 26 do mesmo mês. Este diplomata, nomeado cardeal em 1922, recebeu o barrete cardinalício das mãos do presidente da República na altura, António José de Almeida, gesto que, apesar de exaltar alguns ânimos republicanos mais radicais, exprimia bem o longo caminho percorrido de apaziguamento entre a Igreja Católica e Estado.

No processo negocial desenvolvido ainda pelo Governo de Sidónio Pais, este procurara assegurar uma pública autonomia do Estado em face da Igreja, contudo o restabelecimento das relações diplomáticas só foi possível pelas medidas tomadas pelo ministro da Justiça, Moura Pinto, relativamente à revisão da Lei da Separação (durante o mês de fevereiro de 1918). Mas, a 2 de março de 1918, Sidónio Pais, ao estar presente na Sé de Lisboa, onde se celebrava um Te Deum por alma dos soldados mortos na guerra, pelo menos simbolicamente reconhece o estatuto moral e social da Igreja Católica Romana.

FotoBento XV (1914-1922)

Neste processo, tiveram também importância as diretivas de Bento XV quando escrevia, a 18 de dezembro de 1919, uma encíclica aos prelados portugueses insistindo na necessidade de se concretizar uma política de acatamento e de reconhecimento daqueles que «exercem o poder, seja qual for a forma de governo, ou a Constituição civil do País», como ainda aceitando «sem repugnância os cargos públicos a que [os católicos] sejam chamados ou lhes sejam oferecidos, porque assim o exige o bem da religião e da Pátria». Se esta posição desalentava os católicos monárquicos, a superação da questão do regime permitia, para além das suas preferências, a intervenção pública e política dos católicos, o que ocorreu através do Centro Católico, onde aqueles aparecem como garantes da estabilidade e da ordem política e social.

 

António Matos Ferreira
Diretor do Centro de Estudos de História Religiosa, Universidade Católica Portuguesa

In Edição especial da Agência Ecclesia sobre o centenário da República (texto e fotos)
05.10.12

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