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História

Revista Communio reflete sobre a República

Este fascículo da Revista "Communio" é integralmente dedicado ao tema “República”. No horizonte da programação deste número, encontramos não só os acontecimentos que deram corpo a esse momento da história contemporânea de Portugal, mas também uma reflexão sobre a República enquanto modo de pensar e organizar a coletividade humana nesse registo específico que é a experiência de cidadania.

Como mostra Isidro Pereira Lamelas, em “O Evangelho e a res publica no protocristianismo ou o paradoxo da cidadania cristã”, as primeiras gerações de cristãos viram-se confrontadas com sociedades marcadas pelo estreito nexo entre o culto e cultura, encerrando a experiência de cidadania numa “teologia política”. O cristianismo afirmou-se historicamente pela via da reivindicação da autonomia e liberdade da consciência. O Autor explora este problema no quadro de uma reflexão sobre a configuração municipal da vida social, fator decisivo da primeira missão cristã.

No que concerne às interações entre o poder político e a Igreja católica romana, em Portugal, no contexto da construção histórica da I República, a chamada Lei da Separação é um lugar de visitação obrigatório. João Seabra introduz-nos, com detalhe, no processo desencadeado pela promulgação, a 20 de abril de 1911 da “Lei da Separação do Estado das Igrejas”. O Autor sublinha que a Lei da Separação deve ser estudada com realismo histórico e político, sem disfarçar o facto de se ter tratado de um instrumento que deu operatividade a uma das intenções políticas dos revolucionários de 5 de outubro: a erradicação do catolicismo, considerado responsável pelo atraso histórico do país.

FotoLeitura da proclamação da República na sessão inaugural da Constituição Portuguesa (AML/AF)

O anticlericalismo no contexto republicano constitui-se como uma das expressões deste conflito matricial na sociedade portuguesa contemporânea. Deste tema se ocupa Luís Machado de Abreu. O que mudou desde os tempos da I República até hoje constitui a questão a que o Autor se propõe responder, apresentando o anticlericalismo como uma realidade multifacetada e complexa que sofre as metamorfoses próprias dos comportamentos por força da evolução das mentalidades, dos saberes, das práticas sociais, dos contextos políticos e dos padrões culturais.

“Socialista, republicano e laico”, uma trilogia que evoca realidades distintas, não necessariamente coincidentes, e que assim reunidas constituem um programa social e político, no sentido amplo do termo. Sérgio Pinto oferece-nos uma interpretação histórica desta sintaxe. Do ponto de vista do Autor, a trilogia programática pode entender-se como a expressão de uma memória, elaborada a partir de elementos próximos mas não coincidentes, e uma reivindicação que remete, simultaneamente, para uma experiência histórica de longa duração e um desiderato utópico de carácter holístico.

FotoLisboa, 5 de outubro de 1910 (AML/AF)

Nos finais do século XIX, o republicanismo congregava no seu núcleo ideológico uma importante componente anticlerical que identificava a religião católica romana como um adversário do republicanismo. Essa identificação, reforçada pelo facto da Igreja Católica ser maioritária e constitucionalmente designada como a religião do reino, permitiu que se criasse, no seio da ideologia republicana, um espaço de abertura a outros grupos não estritamente políticos. Este foi o principal fundamento das diversas aproximações entre protestantismo e republicanismo. O artigo de Rita Mendonça Leite, “I República, Protestantismo e Liberdade de Culto” faz esta aproximação, do entusiasmo inicial à desilusão de alguns.

A experiência republicana inglesa, entre 1649 e 1660, é o objeto do artigo de Mendo Castro Henriques “Os filósofos da República: o caso da Commonwealth”. Até ao século XVII, a Inglaterra e o continente mantiveram vias abertas de comunicação entre as diferentes correntes de pensamento político. Mas com a revolução inglesa houve uma divergência marcada pela diferença no uso do símbolo Estado. A Europa continental criou leis para a defesa do Estado; a Inglaterra para a defesa do reino. A França, Espanha, Alemanha e Portugal têm uma teoria do Estado; a Inglaterra e os Estados Unidos têm uma theory of government.

FotoLisboa, 5 de outubro de 1910 (AML/AF)

A Revolução contra a Religião (o percurso de 1789 a 1917), a Revolução indiferente à Religião (um fenómeno chinês), a Revolução a favor da Religião (o fenómeno tradicional) e a Religião a favor da Revolução (incluindo as reações pró-revolucionárias do Vaticano e as revoluções de inspiração católica) constituem um poliedro cultural complexo, explorado por Luís Salgado Matos em “Repúblicas populares: ideologia e utopia”. O ensaio explora as trajetórias não lineares das relações entre cristianismo e revolução: “o cristianismo afirmou o primado da pessoa, e portanto o individualismo, aceitando uma única organicidade, a da própria Igreja; a família era instrumental e o Estado inexistente; foi por isso revolucionário até que Constantino o reposicionou como instituição simbólica do Império romano; o seu revolucionarismo tornou-se latente; mais de um milénio depois, a reforma do século XVI faz vingar de novo a dimensão revolucionária, restrita à área calvinista e evangélica; o catolicismo e a ortodoxia continuaram a aparecer identificados com a organização política; por isso, são atacados pelas revoluções posteriores a 1789; num paradoxo, a Igreja romana aceita a revolução no século XX; e a revolução em breve tem de aceitar a religião; a organização política das democracias representativas depois da Segunda Guerra Mundial cria as condições para que a Igreja Católica re-assuma a sua natureza politicamente revolucionária”.

FotoLisboa, 5 de outubro de 1910 (AML/AF)

As notas de Alfredo Teixeira para uma releitura de Ernst Kantorowicz, "O duplo corpo do Presidente da República" ajudam a perspetivar este trabalho simbólico que permite o desdobramento institucional do sujeito (“os dois corpos do rei”): o soberano e a sua função, unidos numa espécie de matrimónio místico. O Autor interroga-se se esta configuração política medieval não poderá ainda iluminar, sem iludir as diferenças, o trabalho simbólico que é necessário para instituir a representatividade própria do Presidente da República, particularmente em sistemas políticos em que ele se apresenta num quadro de transcendência em relação à chamada “luta político-partidária”.

A área editorial "Depoimentos" é preenchida com comentários e notas de leitura sobre dois livros recentes e por um testemunho. Francisco Sarsfield Cabral oferece-nos uma leitura de “Para uma ética partilhada”, de Enzo Bianchi, fundador da Comunidade Monástica de Bose. João Eleutério convida-nos à leitura de “Santa Ignorância”, escrito por um sociólogo especialista no Islão, que se interroga sobre a nossa atualidade como a de um tempo da religião sem cultura. Inserido no “Ano sacerdotal”, o testemunho de Vitalina Leal de Matos dá voz à memória do Padre Honorato Rosa que tanto marcou o seu tempo.

Foto Enzo Bianchi

A secção "Perspetivas" é preenchida por um ensaio sobre o cristianismo antigo e o desporto, por Marie-Françoise Baslez, historiadora da antiguidade tardia, e que conhecemos já por dois estudos sobre o mundo paulino publicados anteriormente na "Communio".

 

Artigos

O Evangelho e a "res publica" no protocristianismo ou o paradoxo da cidadania cristã (Isidro Pereira Lamelas)

A "Lei da Separação" de 1911 (João Maria Seabra)

Perspetivas sobre o anticlericalismo português (Luís Machado de Abreu)

"Socialista, republicano e laico". Identidade, programa político e societário (Sérgio Pinto)

I República. Protestantismo e liberdade de culto (Rita Mendonça Leite)

Os filósofos da República. O caso da Commonwealth (António Mendo Castro Henriques)

Repúblicas populares: ideologia e utopia. As Igrejas cristãs e a revolução política (Luís Salgado Matos)

Os dois corpos do Presidente da República. Notas para uma releitura de Ernst Kantorowicz (Alfredo Teixeira)

Apelos de Enzo Bianchi aos católicos (Francisco Sarsfield Cabral)

Santa Ignorância. Notas de leitura (João Marques Eleutério)

Testemunho sobre o Padre Honorato Rosa (Vitalina Leal de Matos)

O cristianismo antigo perante a cultura desportiva do mundo greco-romano (Marie-Françoise Baslez)

 

Carlos Salema, Alfredo Teixeira
In Communio
12.10.10

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