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Fé e cultura

Irmão Alois, Prior de Taizé, escreve «Carta do Quénia»

Em todo o mundo, a sociedade e os comportamentos modificam-se rapidamente. Há possibilidades prodigiosas de desenvolvimento que se multiplicam, mas surgem também instabilidades e acentuam-se as inquietações perante o futuro.

Para que o progresso técnico e económico traga consigo mais humanidade, é indispensável procurar um sentido profundo para a vida. Perante o desalento e a desorientação de muitas pessoas, surge a pergunta: de que fonte vivemos nós?

Alguns séculos antes de Cristo já o profeta Isaías indicava uma fonte, quando escrevia: «Aqueles que confiam no Senhor renovam as suas forças. Correm sem se cansar, marcham sem desfalecer.»

Aqueles que não encontram esta fonte são mais numerosos hoje do que noutros tempos. Até o nome de Deus está sobrecarregado de mal-entendidos ou completamente esquecido. Será que há uma relação entre este apagamento da fé e a perda do gosto de viver?

Como poderemos purificar em nós essa fonte? Não será permanecendo atentos à presença de Deus? É aí que podemos encontrar esperança e alegria.

Então a fonte começa a jorrar novamente e a nossa vida ganha sentido. Tornamo-nos capazes de assumir a nossa vida: recebê-la como um dom e, pelo nosso lado, dá-la por aqueles que nos são confiados.

Mesmo com uma fé muito pequena, realiza-se uma mudança: deixamos de viver centrados sobre nós mesmos. Abrindo a Deus as portas do nosso próprio coração preparamos também o caminho da sua vinda para muitas outras pessoas.

 

Assumir a nossa vida

Sim, Deus está presente em cada pessoa, crente ou não-crente. Desde a sua primeira página, a Bíblia descreve com uma grande beleza poética o dom que Deus faz do seu sopro de vida a todo o ser humano.

Através da sua vida na terra, Jesus revelou o amor infinito de Deus por cada pessoa. Dando-se até ao extremo, ele inscreveu o sim de Deus no mais profundo da condição humana. Desde a ressurreição de Cristo, já não podemos desesperar por causa do mundo nem por causa de nós próprios.

Desde então, o sopro de Deus, o Espírito Santo, é-nos dado para sempre. Pelo seu Espírito que habita nos nossos corações, Deus diz sim àquilo que nós somos. Nunca nos cansaremos de ouvir estas palavras do profeta Isaías: «O Senhor elegeu-te como preferida, e a tua terra receberá um esposo.»

Aceitemos então aquilo que somos ou que não somos, procuremos ir até ao ponto de assumir tudo o que não escolhemos e que contudo faz parte da nossa vida. Ousemos criar mesmo que seja partindo do que não é perfeito. E encontraremos liberdade. Mesmo sobrecarregados de fardos, receberemos a nossa vida como um dom e cada dia como um dia de Deus.

 

Chamados a ir além de nós próprios

Deus está em nós, mas está também à nossa frente. Ele acolhe-nos tal como nós somos, mas também nos leva para além de nós próprios. Por vezes, vem perturbar a nossa vida, alterar os nossos planos e os nossos projectos. A vida de Jesus motiva-nos a entrar nesta perspectiva.

Jesus deixava-se conduzir pelo Espírito Santo. Ele nunca deixava de se referir à presença invisível de Deus, seu Pai. É aí que se encontra o fundamento da sua liberdade, que o levou a dar a sua vida por amor. Nele, relação com Deus e liberdade nunca se opunham, mas reforçavam-se mutuamente.

Em todos nós há o desejo de um absoluto em direcção ao qual orientamos todo o nosso ser, corpo, alma e inteligência. Há uma sede de amor que arde em cada um, do pequeno bebé à pessoa de idade avançada. Nem mesmo a mais profunda intimidade humana a pode saciar plenamente.

Frequentemente, vemos essas aspirações como algo que nos falta ou como um vazio. Por vezes, elas podem dispersar-nos. Mas, longe de serem uma anomalia, elas fazem parte de nós. Elas são um dom, já contém o chamamento de Deus para nos abrirmos.

Então, cada um é convidado a interrogar-se: em que sentido sou agora chamado a ir mais longe? Não se trata necessariamente de «fazer mais». O que somos chamados é a amar mais. E como o amor precisa de todo o nosso ser para se expressar, cabe-nos a nós procurar, sem esperar nem mais um minuto, formas de permanecer atentos ao nosso próximo.

 

O pouco que está ao nosso alcance, devemos fazê-lo

Ajudar-nos uns aos outros a aprofundar a fé

Há muitos jovens que se sentem isolados na sua caminhada interior. Quando dois ou três se juntam, podem ajudar-se mutuamente, partilhar e rezar juntos, mesmo com aqueles que se acham mais próximos da dúvida do que da fé.

Uma partilha deste género encontra um grande apoio quando está integrada na Igreja local. Ela é a comunidade das comunidades, onde todas as gerações se encontram e onde as pessoas não se escolhem umas às outras. A Igreja é a família de Deus: essa comunhão que nos faz sair do isolamento. Nela somos acolhidos, nela o sim de Deus à nossa existência é actualizado, nela encontramos a indispensável consolação de Deus.

As paróquias e grupos de jovens são chamados a ser em primeiro lugar locais de bondade e de confiança, locais acolhedores onde estamos atentos aos mais fracos.

Ultrapassar as compartimentações das nossas sociedades

Para participar na construção de uma família humana mais unida, uma das urgências não será olhar para o mundo «a partir de baixo»? Esse olhar implica uma grande simplicidade de vida.

As comunicações tornam-se cada vez mais fáceis, mas ao mesmo tempo as sociedades permanecem muito compartimentadas. O risco da indiferença recíproca não pára de crescer. Ultrapassemos as compartimentações das nossas sociedades! Vamos ao encontro dos que sofrem! Procuremos visitar aqueles que são postos de lado ou maltratados! Pensemos nos imigrantes, que estão tão perto de nós e por vezes tão distantes! Nos locais onde cresce o sofrimento, vemos frequentemente multiplicarem-se projectos concretos que são verdadeiros sinais de esperança.

Para lutarmos contra as injustiças e ameaças de conflitos, para fomentarmos uma partilha de bens materiais, é indispensável adquirirmos competências. Perseverar nos estudos ou numa formação profissional também pode ser uma forma de servir os outros. Há formas de pobreza ou de injustiça escandalosas, que saltam à vista, mas também há formas de pobreza menos visíveis. A solidão é uma delas.

Há preconceitos e mal-entendidos que por vezes são transmitidos de geração em geração e que podem conduzir a actos de violência. Também há formas de violência aparentemente inofensivas, mas que causam danos e humilhações. O escárnio é uma delas.

Onde quer que estejamos, procuremos, sozinhos ou em pequenos grupos, realizar gestos junto de pessoas que sofrem. Descobriremos assim a presença de Cristo mesmo onde não a esperávamos. Ressuscitado, ele está presente no meio dos homens. Ele vai à nossa frente nos caminhos da compaixão. E, pelo Espírito Santo, ele renova desde já a face da Terra.

Este texto não inclui as notas de rodapé. Se pretender ler a totalidade da «Carta do Quénia», consulte o «site» da Comunidade de Taizé.

 

Veja as fotografias do Encontro de Bruxelas (de 29/12/2008 a 2/1/2009)

Irmão Alois

Prior de Taizé

31.12.2008

 

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Irmão Alois com o fundador da Comunidade de Taizé, Irmão Roger













































































































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