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Música

João Lourenço Rebelo nasceu há 400 anos e (quase) ninguém deu por nada

Não é motivo para espanto: em 2010, passam 400 do nascimento de um dos mais destacados polifonistas portugueses, João Lourenço Rebelo, e a efeméride foi quase esquecida.

Uma ou outra apresentação pública de obras suas, uma evocação na Temporada de Concertos da Capela do Paço Ducal de Vila Viçosa (onde o compositor se formou), que decorre até 10 de dezembro, e nas XIII Jornadas Internacionais Escola de Música da Sé de Évora, que se realizaram em outubro, naquela cidade.

Nas próximas semanas, dois outros concertos vão dar a ouvir a música de Rebelo; no primeiro, a 20 de novembro, na Igreja de São Roque, o Coro da Universidade de Lisboa apresenta um programa exclusivamente dedicado à obra do compositor; e a 5 de dezembro, em Oeiras, os agrupamentos Capela Joanina e Flores de Música vão interpretar as suas Vésperas de Natal.

São duas raras ocasiões para se ouvir a música de João Lourenço Rebelo (1610-1665), de estrutura tantas vezes grandiosa, na combinação de vários coros, cantores solistas e instrumentos numa escrita para múltiplas vozes. Música de características próprias, com uma abordagem a aspetos da sonoridade pouco vulgares na época, mas herdeira da grande tradição do rigoroso contraponto quinhentista português. Tão bela hoje como outrora.

A escassa atenção dispensada ao quarto centenário do compositor é sintomática do profundo e generalizado desinteresse da sociedade portuguesa pelo nosso património musical. Tendo alguma da sua obra sido objeto de edição moderna, pelo padre José Augusto Alegria, com as partituras publicadas pela Fundação Gulbenkian, e, por influência de Rui Vieria Nery, do subsequente registo em CD por prestigiados agrupamentos dedicados à música antiga (como The Sixteen, A Capella Portuguesa e o Huelgas Ensemble, que nas referidas Jornadas de Évora interpretou as “Lamentações de Jeremias” já por si gravadas), saiu do limbo dos arquivos em que se encontra esquecida muita da música portuguesa e passou a estar disponível.

Porém, apesar de ter suscitado o interesse de intérpretes e de algum público melómano, em Portugal mas também na Inglaterra e noutros pontos da Europa, não houve uma correspondente apetência de programadores, nem mesmo neste ano particular, para aceitar propostas que permitissem ao público de hoje conhecer esta música de grande fascínio. Talvez por toda a obra de Rebelo ser sacra – como se isso fosse impeditivo de poder ser interpretada e apreciada em salas de concerto, ou como se os concertos de música litúrgica não tivessem o poder de encher as igrejas. As iniciativas de dar a ouvir Rebelo, quatro séculos depois, quase não lograram intersectar os circuitos habituais do público melómano em Lisboa e no Porto.

Por outro lado, 2010 teria sido o tempo certo para colocar no mercado CDs com obras nunca antes gravadas – uma iniciativa que deveria ter cabido à atualmente inerte etiqueta do Estado, a PortugalSom, que não tem no seu catálogo um único disco dedicado ao compositor. O que pensarão disto os respeitados intérpretes estrangeiros – entre eles Paul van Nevel ou Harry Christophers – cujas gravações de Rebelo são as únicas existentes?

E o que pensaria, caso tivesse podido prever o futuro, o patrono e amigo de João Lourenço Rebelo, o rei D. João IV? Ele, que teve uma sólida formação musical, compôs e assinou tratados teóricos; que construiu a maior biblioteca de música da Europa do seu tempo – perdida um século depois, entre os escombros do grande terramoto; que fomentou com grande empenho a atividade e a divulgação da obra dos mais talentosos compositores portugueses seus contemporâneos e mandou imprimir em Itália, para a posteridade, um conjunto de obras de Rebelo – as que até nós chegaram. Quão indigno lhe pareceria o estado do Portugal de hoje, atrofiado na sua falta de memória.

Re-encontrar João Lourenço Rebelo e os outros grandes nomes da polifonia portuguesa deveria ser um gesto comum, a todos acessível. Como herança que é, de que todos nos deveríamos orgulhar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Manuela Paraíso
In Jornal de Letras, 17.11.2010
19.11.10

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