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Música

A Diáspora dos Sete Lágrimas

Este é um disco que nos conta a diáspora portuguesa pelo mundo. Uma história com a forma da música que se foi recriando em regiões tão distintas como o Brasil, Cabo Verde, Timor, Macau, Goa, México ou Espanha.

De entrada, somos logo levados pelo belo “Triste vida vivyre”, vilancico de amor do século XVI – outros cinco vilancicos repetem a experiência, uns mais ternos (Senhora del Mundo), outros mais dançantes (Na fomte está Lianor) ou irónicos e divertidos (Olá zente que aqui samo). A geografia da alma da universalidade portuguesa (seja o que for que isto quer dizer) completa-se no disco com outras paisagens, desde um chorinho brasileiro à morna caboverdiana e às melodias macaenses ou timorenses.

Depois das anteriores experiências dos Sete Lágrimas – com o tema das lágrimas e num diálogo entre Heinrich Schutz e Ivan Moody, referidos nesta coluna – esta é mais uma obra original. E intensa.

 

Vilancicos
Vilancicos negros de Santa Cruz de Coimbra

Um dos maiores centros musicais em Portugal nos séculos XVI e XVII foi sem dúvida o mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, principal casa dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho. Aqui, os monges eram ensinados a cantar, tocar e mesmo compôr especialmente para os serviços litúrgicos. Julga-se no entanto, que em alturas festivas do calendário religioso, eram representados pequenos autos que incluíam para além da representação propriamente dita, encenação, dança e música com estrutura formal próxima do vilancico com textos de carácter religioso. A temática é geralmente natalícia e os textos são uma mistura de várias línguas predominando o Português e o criolo, no entanto, podem encontrar-se outras como o Castelhano ou o Italiano. A sua forma musical é apresentada em várias partes entre solos e tuttis que dialogam em dimensões e estruturas bastante elaboradas. São expoente máximo da troca de culturas ligadas á descoberta e expansão portuguesa, especialmente em África, por tal, são conhecidos como vilancicos negros.


Nota: As músicas apresentadas em vídeo foram extraídas do CD.

 

Choro

O Choro, vulgarmente chamado de chorinho, é um género musical popular brasileiro com quase duzentos anos de existência. Caracteriza-se por ser um género musical muito ritmado e alegre, no qual os músicos, de uma forma virtuosística, improvisam livremente em torno de uma melodia. A história do Choro tem o seu início provavelmente em 1808, ano em que D. João VI e a Família Real portuguesa chegam ao Brasil fugindo das invasões francesas. Com a capital do Reino estabelecida no Rio de Janeiro, promove-se uma reforma de fundo nas estruturas sociais e culturais brasileiras especialmente na capital. Com a corte portuguesa vieram instrumentos de origem europeia como o piano, a flauta, o clarinete e o violão, e géneros musicais como a valsa, polca minuete, entre outros. Tudo isto, aliado á abolição do tráfico de escravos em meados do século, faz emergir uma nova classe social, uma classe média composta por funcionários públicos, instrumentistas de bandas e pequenos comerciantes, geralmente de origem negra, que se instalam nos subúrbios de Rio de Janeiro. Desta nova classe surgem músicos com alguma formação, que começam a improvisar sobre estes géneros musicais, adicionando os ritmos africanos tão enraizados na cultura brasileira ( como o batuque e o lundum). Quanto à origem do termo choro, há ainda alguma polémica. No entanto, poderá estar ligado á maneira ýchorosaý de tocar os géneros musicais trazidos pela corte portuguesa, ou derivar do termo ýxoloý, um género de musica que também era dançada pelos escravos das fazendas. Os conjuntos ou agrupamentos que tocam este género musical são chamados de regionais e os instrumentistas ou compositores de chorões. Os instrumentos utilizados são vários sendo os mais usuais a flauta, o clarinete, o bandolim que executam a melodia, os violões o acompanhamento e o pandeiro para o rítmo. No final do século XIX, este género estava já bem enraizado nas cultura musical brasileira e desenvolve-se até meados do séc. XX onde conhece o declínio com o surgir de um novo género: A Bossa Nova.

 

 

Patuá Macaense

O Patuá Macaense ou Crioulo Macaense ou ainda Papia Cristam di Macau, é uma lingua crioula com base na língua portuguesa que se desenvolveu como falar predominante do território desde o séc XVI até ao início do séc XX. Este dialecto colonial, enraizou-se e foi sendo transmitido de pais para filhos como linguagem familiar, mesmo nas casas mais distintas. Usado também pelos chineses na comunicação diária com os macaenses, e ainda pelos escravos africanos e asiáticos de várias procedências, trazidos pelos pioneiros portugueses. Ao longo de quatro séculos de história, o patuá macaense sofre influências das línguas Inglesas, chinesas, malaias e cingalesas e são evidentes as transformações na fonética, vocabulário e gramática, de forma a responder às constantes mutações culturais do território. Contudo, nos finais do séc. XIX com a implementação de reformas educativas por parte do Governo de Lisboa, no sentido de implementar o português de Portugal em todas as colónias, o numero de falantes de Patuá começa a decair rapidamente, de tal forma que este falar perde importância como língua de comunicação entre os portugueses, macaenses e chineses. O Patuá apesar de ainda hoje ser falado por um pequeno numero de habitantes, na sua maioria idosos, está hoje em vias de extinção, sendo aos poucos substituído pelo inglês e o cantonês. A música tradicional, cantada neste dialecto traduz de uma forma quase naïf a saudade, o amor e acima de tudo o orgulho de ser macaense.

 

 

Goa-Concani

Durante quatro séculos, para o luso-indiano católico, a língua oficial foi o português, em particular para os goeses cristãos. Contudo, e devido a factores socio-políticos, cedeu lugar ao inglês, que funciona hoje como língua veicular na India. A língua portugesa, como língua oficial em Goa até 1961 ano em que integra a União Indiana e que identificou durante séculos a herança cultural no território, foi entrando em decadência, porque para a maioria das comunidades, o português passa a ser a segunda língua, sendo a língua materna o concani. O Concani, que começa por ser um vernáculo do sânscrito, conseguiu estar fora da influência de outras línguas que proliferaram no território indiano, exceptuando o português. Falado em toda a região do Concão onde se situa Goa, esta língua foi-se espalhando pelos habitantes fugidos da Inquisição durante a administração portuguesa. A escrita caracteriza-se por possuir características do Devanagári e do alfabeto romano e cada região tem um dialéctico único bem como um estilo próprio de pronúncia. A actividade cultural esteve sempre dependente das elites católicas goesas, patrocinando um envolvimento cultural entre a tradição europeia e asiática. A música não terá sido excepção e no início do séc. XIX surge o mandó, que exemplifica e integra de uma forma bem concreta as tradições culturais/musicais portuguesas com o folclore goês e as tradições concani. A estrutura, linguagem e estética musical poderá ser muito próxima da tradição europeia, no entanto, o mandó tem formas e ritmos que dependem da poesia da língua concani, geralmente de três versos cada e que descrevem acontecimentos ou estados de espírito.

 

 

Timor Leste

O tétum é a língua nacional e co-oficial de Timor Leste. É uma língua austronésia, como a maioria das línguas da região. O tétum mais antigo existia antes da chegada dos portugueses. No entanto, com a posterior ocupação, o tétum apodera-se de vocábulos portugueses e malaios e integra-os no seu léxico, tornando-se uma língua crioula e simplificada. Se bem que o português fosse a língua oficial do então Timor Português, o tétum serviu como língua franca, ou seja, como forma de comunicação entre os habitantes da ilha. Quando em 1975 a Indonésia invade o território, o uso do português foi proibido. Contudo, a implementação do bahasa (língua indonésia) não foi de todo bem sucedida em parte graças á actuação da Igreja Católica que adoptou o tétum como lingua litúrgica, tornando-o num pilar da identidade cultural e nacional. O tétum absorveu inúmeros vocábulos portugueses e esta tendência poderá acentuar-se com a construção do mais novo país e o 8º de língua portuguesa. A música de Timor Leste reflecte de certa forma o contexto geográfico, cultural e social local, onde é possivel estabelecer ligações autóctones com outras culturas musicais como a ocidental, fruto da colonização portuguesa. Os elementos fundamentais da expressão cultural do povo timorense, estão bem vincados nos diferentes géneros musicais tradicionais que se baseiam na tradição oral e foram passando de geração em geração. Géneros como o tebe, tebedai ou o cansaum, são hoje ainda interpretados no território e exprimem sobretudo actividades do quotidiano, como por exemplo, a debulha do arroz ou a apanha do camarão ou ainda, como forma de dar as boas-vindas aos homens regressados da guerra. Os instrumentos musicais tradicionais desempenham um papel relevante na performance musical, como é o caso do babadok (pequeno tambor de corpo cónico de madeira) ou do dadir (círculo de metal com cerca de 15cm de diâmetro de altura indefinida, percutido por uma baqueta de madeira). Surgem por fim, e como consequência da colonização, as violas de seis cordas e as flautas soprano de bisel.

 

Excertos de todas as faixas do CD

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Sete Lágrimas | ÁUDIO |

António Marujo (in Além Mar, Janeiro 2009 )

Sete Lágrimas (descrição dos estilos musicais)

10.02.2009

 

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Capa do CD

Diáspora.pt

Intérpretação
Sete Lágrimas

Ano
2008

Editora
Murecords

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