O padre checo Tomáš Halík, que entre sábado e terça-feira está em Portugal, considera que «a fé é um caminho espiritual, não uma herança» e que Deus chega quando a existência humana muda «de um monólogo para um diálogo».
«Nos meus livros falo da fé como a coragem para entrar na nuvem do mistério, como a arte de viver com mistério, de viver no meio dos paradoxos da vida e de manter um espaço aberto de questões para as quais não há resposta neste mundo», sustenta o sacerdote em entrevista publicada hoje na revista “Sábado”.
Tomáš Halík, que se notabilizou por livros e intervenções sobre o diálogo entre crentes e não crentes, bem como acerca da aproximação da Igreja católica a quem dela está afastado, descobriu «o cristianismo como religião de paradoxos».
«Ao contrário das respostas impacientes e superficiais do ateísmo dogmático, do fundamentalismo religioso e da religiosidade fanática, que remetem para justificações de “fazer em conluio com Deus”, a fé madura é paciente perante o mistério», defende.
A vocação de Halík, antes e depois da ordenação sacerdotal, foi vivida durante muitos anos em segredo e em perigo constante - «tinha um pé na cadeia» - devido às proibições impostas pelo regime da então Checoslováquia, alinhado com o ideário comunista da União Soviética.
«Nem a minha mãe podia saber que eu era padre», recorda, acrescentando que a sua ordenação e primeira missa que presidiu foram celebradas com um número mínimo de testemunhas.
Olhando para esses anos, Halík, que trabalhou como psicoterapeuta com alcoólicos e toxicodependentes, realça que «a Igreja clandestina foi uma fonte escondida de liberdade interior e escola de coragem num tempo difícil».
Muitas das suas obras, que estiveram na origem da atribuição do Prémio Templeton, um dos maiores a nível mundial em termos monetários, são redigidas em retiro: é frequente tirar um mês para escrever, num eremitério próximo de um mosteiro contemplativo, na Alemanha.
«Numa parte do dia caminho pela floresta e penso. Depois sento-me numa mesa em frente do altar, no qual o Santíssimo está exposto, e escrevo. A escrita é a minha forma de oração e adoração», salienta.
Este mês, a Paulinas Editora, responsável pela publicação dos livros de Halík em Portugal, lançou um novo volume, “Quero que tu sejas – Podemos acreditar no Deus do amor?” (cf. "Artigos relacionados").
«A dignidade do ser humano está na capacidade de transcendência, de ultrapassar o egoísmo e o narcisismo – e o amor é a verdadeira transcendência. Ama-se alguém verdadeiramente se se está disposto a dar-lhe primazia perante o próprio interesse», diz o sacerdote sobre a obra.
Para Tomáš Halík, o papa Francisco, que iniciou «um novo capítulo na história do cristianismo», é uma personalidade «profundamente espiritual com uma mensagem profética que ultrapassa as fronteiras entre igrejas e religiões, cristãos e humanistas».
O roteiro da passagem de Halík por Portugal inicia-se no sábado, com a presença numa leitura cénica das cartas do missionário checo jesuíta Karel Přikryl, que no século XVIII ficou preso durante seis anos no forte de S. Julião da Barra, em Oeiras. A sessão com entrada livre, que se desenrola no mesmo local, começa às 16h00, contando com o apoio da Embaixada da República Checa.
No domingo Tomáš Halík concelebra missa na capela do Rato, em Lisboa, e nos dois dias seguintes profere conferências na capital, bem como em Braga e Coimbra (cf. "Artigos relacionados").
Rui Jorge Martins