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"A nossa Páscoa": bispo de Lamego propõe meditações para acompanhar Quaresma, Semana Santa e Tempo Pascal

O biblista D. António Couto, bispo de Lamego e presidente da Comissão Episcopal da Missão e Nova Evangelização, assina um dos mais recentes lançamentos da Paulus Editora, de que oferecemos a introdução e um excerto.

 

Introdução

Intitula -se este livrinho A nossa Páscoa, no seguimento de 1Cor 5,7, e compreende três partes: a primeira, intitulada «Tempo da Quaresma», oferece uma leitura do itinerário dos domingos da Quaresma do Ano A, que pode sempre ser seguido também nos Anos B e C, e que deve mesmo ser seguido caso haja catecúmenos; a segunda, intitulada «Semana Santa, Semana Grande, Semana Autêntica», oferece o itinerário crente dos últimos dias de Jesus; a terceira, intitulada «Tempo da Páscoa», abre com dois textos de teor indicativo e exemplar, seguindo-se uma leitura do itinerário dos domingos da Páscoa até ao Pentecostes, acrescida de alguns textos de Jo 20 e 21 não contemplados no percurso litúrgico.

Insisto no nome Páscoa e evito o adjetivo pascal, que o texto bíblico não conhece. Portanto, Páscoa, sem «pás» e sem «cal», como digo na leitura poética da Ressurreição do Senhor.

Quem leu os dois livrinhos anteriores, aparecidos também na Paulus Editora, com os títulos Vejo um ramo de amendoeira e outras palavras em flor e Estação de Natal, aperceber-se-á que A nossa Páscoa persegue as mesmas linhas bíblicas, litúrgicas, celebrativas, aqui e além históricas, culturais e arqueológicas, já lá traçadas. Um certo colorido poético serve de fundo ao inteiro texto.

 

No deserto a céu aberto

1. Só secundariamente a Quaresma “prepara” para a Ressurreição do Senhor. Na verdade, todos os “tempos” e todos os domingos do ano litúrgico – portanto, também a Quaresma e os seus domingos – estão depois da Ressurreição e por causa da Ressurreição. E é só sob a intensa luz do Senhor Ressuscitado com o Espírito Santo (Batismo consumado: Lc 12,49-50) que a Igreja – e cada um de nós – pode celebrar autenticamente a sua fé, proceder à correta “leitura” das Escrituras e encetar a “caminhada” quaresmal. Neste sentido, todos os batizados são chamados a refazer com Cristo batizado o Seu programa batismal, cujo conteúdo e itinerário conhecemos: desde o Batismo no Jordão, passando pela Transfiguração/Confirmação no Tabor, até à Cruz e à Glória da Ressurreição (Batismo consumado!), escutando/anunciando sempre e cada vez mais intensamente o Evangelho do Reino e fazendo sempre e cada vez mais intensamente as “obras” do Reino (At 10,37-43: texto emblemático). Os catecúmenos, acompanhados sempre pela Assembleia dos batizados, “preparam-se” intensamente para a noite pascal batismal, início e meta da vida cristã.

2. O Evangelho do domingo I da Quaresma oferece-nos o episódio das Tentações de Jesus (Mt 4,1 -11). Batizado com o Espírito Santo e declarado por Deus publicamente: «Este é o Filho Meu, o Amado, em quem Me comprazo» (Mt 3,16). Note -se bem que, em Mateus, o dizer do Pai é para nós, pois fala na 3.ª pessoa: «Este é…». De modo diferente, em Marcos e em Lucas, o dizer do Pai é para Jesus, pois fala na 2.ª pessoa: «Tu és o Filho Meu, o Amado, em ti Me comprazo» (Mc 1,11; Lc 3,22).

3. Jesus é conduzido pelo Espírito Santo para o deserto (Mt 4,1). Note-se bem que este “deserto” bíblico não se ajusta ao que dizem os dicionários ou enciclopédias. Até contradiz esses dizeres. Na verdade, não é um lugar geográfico, mas teológico, pois é apresentado com muita água (Jo 3,23) cumprindo Is 35,6 -7, 41,18 e 43,19 -20, com árvores (canas) (Mt 11,7; Lc 7,24) e relva verde (Mc 6,39) cumprindo Is 35,1.7 e 41,19. É um lugar provisório e preliminar, preambular, longe do que é nosso, onde se está «a céu aberto» com Deus, onde troará a voz do Seu mensageiro (Is 40,3), de João Batista (Mt 3,1 -3), do próprio Messias segundo uma tradição judaica recolhida em Mt 24,26. O deserto é o lugar onde se pode começar a ver a “obra” nova de Deus (Is 43,19). Mas é um lugar provisório, onde estamos de passagem, e não definitivo, para se habitar lá (à maneira dos essénios). Sendo um lugar provisório e de passagem, aponta para o definitivo, que é a Terra Prometida, onde Deus fará habitar e descansar o Seu povo fiel. Este deserto é uma metáfora da nossa vida, onde sabemos que estamos de passagem. O deserto é todo igual: não tem pontos de referência nem marcos de sinalização. Quer dizer que só podemos prosseguir rumo à Terra Prometida e à Vida verdadeira, se tivermos um bom guia. Aí está o deserto como lugar onde temos de saber escutar a “Voz do fino silêncio” de Deus e seguir o mapa da Sua Palavra.

4. Por quarenta dias e quarenta noites Jesus jejuou (Mt 4, 2). Quarenta é simbolicamente o tempo de uma geração, de uma vida. Jesus jejuou, portanto, a vida inteira. Modelo para nós. E o que signi]ca jejuar? Jejuar é fazer pausa e pôr bemol na nossa maneira habitual de viver, até compreender que tudo o que está na minha mesa, mãos, inteligência, coração, é dom de Deus, não apenas para mim mas para nós, todos filhos de Deus e, portanto, todos irmãos. A alegria da partilha. Os dons são para partilhar, não para usurpar. Nem simplesmente para adiar de hoje para amanhã.

5. É assim que as tentações diabólicas pretendem atingir Jesus na Sua condição filial batismal, separando -O de Deus e dos irmãos, não fosse o diabo – diá-bolos – o “divisor” ou o “separador”. É, portanto, na Sua condição de batizado, isto é, de Filho de Deus, que Jesus é tentado. Na verdade, toda a tentação, a de Jesus como a nossa, começa sempre da mesma maneira: «Se és o Filho de Deus...». Atente -se em como se repete nos mesmos termos sob a Cruz (Mt 27,39 -44), também por três vezes, sendo aqui os tentadores os transeuntes, os chefes dos sacerdotes e os ladrões. Portanto, sempre. Do Batismo até à Morte, a tentação visa afastar -nos de Deus e dos Seus dons, e pôr -nos ao serviço do «deus deste mundo» (2Cor 4,4; cf. Jo 12,31). Veja-se a última oferta do Tentador do Evangelho de hoje: «Todos os reinos deste mundo» em troca do afastamento de Deus (Mt 4,8 -9). E a resposta decidida de Jesus: «Vai -te, Satanás!» (Mt 4,10).

6. Leem-se também (...) dois bocadinhos do Livro do Génesis, 2,7 -9 e 3,1 -7. O homem de todos os tempos e de todos os lugares, nós também, modelado pelas mãos puras de Deus e acariciado com um «beijo de Deus» – é assim que os rabinos interpretam aquele sopro de Deus no rosto do homem (Gn 2,7) –, cedeu à tentação, afastando -se do Bom Deus Criador e aderindo aos «deuses deste mundo», aqui simbolizados pela cobra, animal que anda rente ou por dentro da terra, a grande deusa -mãe, comungando da sua vitalidade e tornando-se, por isso, em símbolo do culto da fertilidade, fecundidade e vitalidade em todo o Médio Oriente Antigo e ainda hoje no nosso mundo: vejam -se os painéis que assinalam as portas das farmácias! Está diante de nós o orgulho do homem de todos os tempos, que não quer ser dependente e contingente, que é a condição da criatura boa que se recebe sempre do Deus Criador, mas quer ser autónomo e independente, dono de si e dos outros, senhor tirânico e prepotente, como os deuses dos mitos mesopotâmicos ou gregos. Admirável contraponto do Evangelho de hoje.

7. No grande texto de Rm 5,12 -19, São Paulo repete que somos pecadores, pois todos nos podemos ver em Adão como em um espelho. Mas agora, insiste Paulo, é tempo de vermos a nossa vida à luz de Cristo, com Cristo, em Cristo, para Cristo. Fixamente, para não nos perdermos no caminho filial, fraternal, batismal. Onde abundou o pecado, superabundou a graça. É esta a sabedoria e a experiência de Paulo.

 

D. António Couto
Bispo de Lamego, presidente da Comissão Episcopal da Missão e Nova Evangelização
In A nossa Páscoa, ed. Paulus
26.03.13

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Capa

A nossa Páscoa

Editora
Paulus

Ano
2013

Preço
6,00 €

ISBN
978-972-301-550-8

 

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