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A oração segundo Jesus

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A oração segundo Jesus

O trecho do Evangelho (Lucas 11, 1-13) do 17.º Domingo é, na realidade, composto por três partes: a oração de Jesus (versículos 1-4), a parábola do amigo insistente (vv. 5-8) e, por fim, a sua aplicação (vv. 9-13). Todo o excerto se rege sobre a informação dada por Lucas a propósito das atitudes de Jesus durante a viagem para Jerusalém (Lc 9, 51). Também neste caminho Jesus parava, descansava e orava: os discípulos viam-no implicado nessa ação certamente de um modo que os tocava e interrogava.

Precisamente no fim de uma dessas pausas em oração, não sabemos a que hora do dia, se de manhã ou à noite, um discípulo pede-lhe para ensinar a toda a comunidade como orar, a exemplo do que tinha feito João Batista com quantos o seguiam. Em resposta, Jesus transmite uma oração breve, essencial, que Lucas e Mateus nos legaram em duas versões.

A de Lucas é mais breve, constituída antes de tudo por dois quesitos que têm um paralelo na oração judaica do “Qaddish”: a santificação do Nome e a vinda do Reino. Seguem-se três pedidos daquilo que é verdadeiramente necessário ao discípulo: o dom do pão, de que se tem necessidade a cada dia, a remissão dos pecados e a libertação das tentações:

«Pai, santificado seja o vosso nome; venha o vosso reino; dai-nos em cada dia o pão da nossa subsistência; perdoai-nos os nossos pecados, porque também nós perdoamos a todo aquele que nos ofende; e não nos deixeis cair em tentação.»

Oração simples a do cristão, sem muitas palavras, mas plena de confiança em Deus – invocado como Pai – no seu Nome santo, no seu Reino que vem. Nesta reflexão gostaria de me deter sobretudo nos versículos seguintes, que contêm a parábola e a sua aplicação.

A parábola é reportada apenas por Lucas, que quer apresentar a oração de petição como insistente, assídua, que não falta mas que sabe mostrar diante de Deus uma determinação e uma perseverança fiel. Jesus intriga os ouvintes, envolve-os, e por isso, em vez de contar uma história na terceira pessoa, interroga-os: «Quem de vós…?». É uma parábola que narra aquilo que pode acontecer a cada um dos ouvintes.

«Se algum de vós tiver um amigo, poderá ter de ir a sua casa à meia-noite, para lhe dizer: “Amigo, empresta-me três pães, porque chegou de viagem um dos meus amigos e não tenho nada para lhe dar”. Ele poderá responder lá de dentro: “Não me incomodes; a porta está fechada, eu e os meus filhos estamos deitados e não posso levantar-me para te dar os pães”. Eu vos digo: se ele não se levantar por ser amigo, ao menos, por causa da sua insistência, levantar-se-á para lhe dar tudo aquilo de que precisa.»

É uma parábola simples, que quer mostrar como a insistência de um pedido provoca a resposta inclusive da parte de quem, apesar de ser amigo, não está disposta a realizá-la. Sim, é a insistência (até enfadonha!) do amigo, e não o sentimento de amizade, a causar a satisfação do pedido e o consequente dom: com o seu obstinado pedido um amigo inoportuno pode fazer mudar um outro amigo importunado.

Jesus, então, comenta: «Pedi e dar-se-vos-á; procurai e encontrareis; batei à porta e abrir-se-vos-á». É verdade que não se usa explicitamente o verbo «orar», mas é evidente que Jesus se refere sempre à oração, precisamente em resposta à pergunta inicial do discípulo. Pedi – recomenda Jesus –, isto é, não tenhais medo de pedir a Deus que é Pai, pedi com simplicidade, seguro de serdes atendido por quem vos ama, e pedi sem nunca cessar.

Trata-se de buscar com a convicção da necessidade da procura, com a convicção de que há alguma coisa que vale a pena ser buscado, às vezes arduamente, às vezes longamente, mas é preciso estar-se certo de que mais tarde ou mais cedo se conseguirá encontrar. Onde há uma promessa é preciso esperar vigilante, procurar a sua satisfação. Trata-se também de bater a uma porta: se se bate é porque há a esperança de que alguém, do lado de dentro, abra e nos acolha, mas às vezes é preciso bater repetidamente…

Consequentemente, coloquemos já a pergunta: porque é que Deus tem necessidade de ser mais vezes suplicado, porque quer ser procurado, porque quer que batamos ainda e ainda? Precisará Ele disso? Não, somos nós que precisamos de pedir, porque somos mendigos e não nos queremos reconhecer como tal; somos nós que devemos renovar a nossa procura daquilo que é verdadeiramente necessário; somos nós que devemos desejar que nos seja aberta uma porta, de maneira a poder encontrar quem nos acolhe.

Deus não precisa da nossa insistente oração, mas somos nós a ter necessidade dela para a imprimir nas fibras da nossa mente e do nosso corpo, para aumentar o nosso desejo e a nossa expectativa, para dizer a nós próprios a nossa esperança.

Mas a esta parábola e ao seu primeiro comentário, Jesus acrescenta uma outra aplicação, sempre breve e sempre de forma interrogativa: «Se um de vós for pai e um filho lhe pedir peixe, em vez de peixe dar-lhe-á uma serpente? E se lhe pedir um ovo, dar-lhe-á um escorpião? Ou se lhe pede um pão, dar-lhe-á uma pedra» [esta última pergunta está presente apenas numa parte da tradição manuscrita]?».

Tudo isto não acontece entre um pai e um filho, porque o laço de sangue impede tal comportamento paterno, mesmo em caso de escasso afeto. Por maior razão, diz Jesus, se isto não acontece entre vós, que sois maus e todavia sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai que está no Céu dará o Espírito Santo àqueles que o pedirem.

Esta última palavra de Jesus foi pouco meditada e com pouca inteligência pela própria Igreja nos últimos séculos. Jesus sabe, e por isso o diz com franqueza, que nós, humanos, somos todos maus, porque em nós há uma pulsão, um instinto a pensar em nós mesmos, a afirmarmo-nos a nós mesmos, num amor egoísta de si. Todavia, mesmo que esta seja a nossa condição, somos capazes de ações boas, ao menos no caso de uma relação familiar entre pai e filho. Ora, se nós, mesmo na nossa malvadez, damos coisas boas aos filhos que o pedem, quanto mais Deus, que «é o único bom», dará coisas boas a quem lhe pede.

Mas como esquecer que muitas vezes fizemos de Deus um pai pior do que os nossos pais terrenos? Escrevia Voltaire: «Ninguém desejaria ter Deus como pai terreno», e Engels ecoava-o: «Quando um homem conhece um Deus mais severo e mau que o seu pai, então torna-se ateu». É assim, e assim aconteceu porque a Igreja deu uma imagem de Deus como juiz severo, vingativo e perverso, até impelir os humanos a abandonar um tal Deus e a negá-lo. Jesus, ao contrário, fala-nos de um Deus Pai que é mais bondoso do que os pais de que temos a experiência, ensinando-nos que Deus dá-nos sempre coisas boas quando o invocamos.

Neste texto há ainda uma precisão importante e decisiva a propósito da oração. Lucas afasta-se da versão das palavras de Jesus fornecida por Mateus porque sente a necessidade de as esclarecer e explicar. Sim, é verdade que Deus nos atende com coisas boas (cf. Mt 7, 11), mas estas nem sempre são aquelas que nós julgamos boas. A oração não é magia, não é um «cansar os deuses», como escrevia o filósofo pagão Lucrécio, ou um atordoar Deus à força de palavras multiplicadas, diz Jesus noutro passo (cf. Mt 6, 7-8). Deus não está à nossa disposição para satisfazer os nossos desejos, muitas vezes egoístas mas sobretudo ignorantes, em sentido literal: não sabemos o que queremos.

É por isso que, precisa a versão lucana, «as coisas boas» são na realidade «o Espírito Santo». Deus dá-nos sempre o Espírito Santo, se lho pedirmos na oração, e o Espírito que desce à nossa mente e ao nosso coração, Ele que se une ao nosso espírito, é a resposta de Deus. Mas é bom dar um exemplo, mesmo à custa de ser brutal. Se eu, atingido por uma grave doença, peço a Deus a cura, não é dito que ela se verifique efetivamente, mas posso estar certo de que Deus me dará o Espírito Santo, força e amor para viver a doença num caminho sobre qual continuar a amar e a aceitar que os outros me amem. Esta é a satisfação verdadeira e autêntica, isto é aquilo de que temos verdadeiramente necessidade.

 

Enzo Bianchi
Prior da Comunidade monástica de Bose, Itália
In "Monastero di Bose"
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 22.07.2016 | Atualizado em 30.04.2023

 

 
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Oração simples a do cristão, sem muitas palavras, mas plena de confiança em Deus – invocado como Pai – no seu Nome santo, no seu Reino que vem
Trata-se de buscar com a convicção da necessidade da procura, com a convicção de que há alguma coisa que vale a pena ser buscado, às vezes arduamente, às vezes longamente, mas é preciso estar-se certo de que mais tarde ou mais cedo se conseguirá encontrar
Onde há uma promessa é preciso esperar vigilante, procurar a sua satisfação. Trata-se também de bater a uma porta: se se bate é porque há a esperança de que alguém, do lado de dentro, abra e nos acolha, mas às vezes é preciso bater repetidamente
Como esquecer que muitas vezes fizemos de Deus um pai pior do que os nossos pais terrenos? Escrevia Voltaire: «Ninguém desejaria ter Deus como pai terreno», e Engels ecoava-o: «Quando um homem conhece um Deus mais severo e mau que o seu pai, então torna-se ateu». É assim, e assim aconteceu porque a Igreja deu uma imagem de Deus como juiz severo, vingativo e perverso
A oração não é magia, não é um «cansar os deuses», como escrevia o filósofo pagão Lucrécio, ou um atordoar Deus à força de palavras multiplicadas, diz Jesus noutro passo (cf. Mt 6, 7-8). Deus não está à nossa disposição para satisfazer os nossos desejos, muitas vezes egoístas mas sobretudo ignorantes, em sentido literal: não sabemos o que queremos
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