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Leitura: “Ainda melhor no silêncio”

Leitura: “Ainda melhor no silêncio”

Imagem Capa | D.R.

Neste novo livro da Paulinas Editora, o autor, Paolo Scquizzato, começa por descrever «o que é e o que não é a oração cristã, recorrendo a muitos testemunhos da história da espiritualidade cristã, e não só».

A seguir, «apresenta a tipologia mais corrente da mesma: a oração de súplica (pedido), de agradecimento e de intercessão. E termina com um breve comentário à Oração do Senhor (o Pai-nosso), que no querer de Jesus é também um “modelo” de oração».

 

A oração é silêncio
Paolo Scquizzato
In “Ainda melhor no silêncio”

O que entendemos por silêncio? Certamente não é a mera ausência de palavras; um homem que não pronuncia palavras não está silencioso, está simplesmente mudo. O silêncio e uma condição existencial que, a longo prazo, nos conduz a que vejamos a luz presente e resplandecente em nós.

«O silêncio da Vida não é uma vida de silêncio, a vida silenciosa dos monges, a do ermo. […] O silêncio da vida é a arte de fazer calar as atividades da vida (que não são a vida), para chegar à experiência pura da Vida. Frequentemente, identificamos a vida com as atividades e identificamos o nosso ser, nos nossos pensamentos, sentimentos, desejos e vontade, com tudo o que fazemos e temos. Mergulhados nas atividades da vida, perdemos a capacidade de escutar e afastamo-nos da nossa própria origem: o Silêncio, o Não-Ser, Deus.

O Silêncio aflora no exato momento em que nos colocamos na origem do ser. A origem do ser não é o Ser – o Ser já está deste lado do ecrã. “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10)» (Raimon Panikkar, Spiritualità. Il cammino della Vita).

Para aprendermos a orar, precisamos de reentrar em nós mesmos, criar espaços de silêncio ao longo do dia, essenciais, como o e comer, beber e respirar. Viver sempre “fora de nós” faz-nos morrer espiritualmente porque, de facto, desleixamos o que e essencial. Como não respirar, não comer e não dormir conduz inexoravelmente à morte.

Viver o silêncio significa fazer calar o próprio mundo interior, significa deixar de fazer falar as imagens, os pensamentos, inclusive “as orações”. Orar não quer dizer pensar ou imaginar: “A imaginação serve para tapar os buracos através dos quais deveria passar a graça” (Simone Weil).

O pensamento é sempre algo que acrescentamos ao nosso verdadeiro eu. Não somos o que pensamos, com todo o respeito por Descartes. A questão é fazer experiência de uma realidade vital que já habita em nós: não temos de pensá-la para que exista, porque já existe.

«Qualquer conceito elaborado pela mente para tentar alcançar e delinear a Natureza Divina só consegue criar um ídolo, mas não dá-la a conhecer» (Gregório de Nissa, “Vida de Moisés”).

Como as imagens, as palavras e os conceitos, o pensamento serve para o conhecimento que, embora seja importante e necessário, é sempre fragmentário. Só a experiência consegue captar a totalidade, e Deus e o Uno. Por isso, a oração nunca poderá ser um ato intelectual. Simplesmente porque Deus é uma questão de experiência e não de conhecimento.

«O homem não se deve deixar contentar com um Deus pensado; pois quando o pensamento passa, assim também Deus passará» (Mestre Eckhart).

Enquanto o pensamento e as imagens são material necessário para conhecer e aprender a gerir as coisas do mundo, na vida espiritual é verdade precisamente o contrário: quando o pensamento e as imagens se calarem, Deus poderá finalmente emergir de dentro de nós. Deus não é um pensamento que a mente deu à luz, mas Amor que alimenta por via experiencial. Um fogo pintado numa parede não aquece!

Além disso, a oração não gera nada, somente acolhe e e suficiente. Como, aliás, as coisas fundamentais da vida – a luz, o ar, a água e o amor – não se produzem, apenas deles se faz experiência; por isso, poderíamos até dizer que a oração talvez seja o ato humano mais inútil que existe.

«Poderíamos definir a oração como um estado de amor obediente ou, então, o estado em que estamos totalmente à disposição de Deus, sem desejar ou projetar coisa nenhuma, antes situando-nos na plenitude o seu dom total, a plenitude do dom da nossa incomparável criação pessoal. [...] A oração tem muito pouco a ver com pedir isto ou aquilo. É algo muito mais simples: é ser um com Deus. Penso que é difícil porque vivemos numa sociedade simplesmente materialista, numa sociedade que vê todas as coisas em termos de posse e, mesmo que possamos parecer mais atentos às coisas do espírito, facilmente escorregamos para um materialismo espiritual; porque, em vez de acumularmos dinheiro, procuramos acumular graças ou méritos. A oração representa a via para a espoliação, para o despojamento e para a rendição; coisas que nos são difíceis porque fomos educados a perseguir o sucesso, porque nos ensinaram que só vale vencer e não perder. Mas Jesus diz-nos que, se quisermos reencontrar a nossa vida, primeiro teremos de perdê-la» (John Main, Abraçar o mundo).

 

A oração é questão de capacidade

Mas existe alguma forma de aceder e de entrar em contacto com este lugar interior, onde repousa a luz da vida? Sim, trata-se de uma atitude que temos de adquirir, que poderíamos definir como capacidade. De facto, a oração é tornarmo-nos capazes. Mas – atenção! –, não no sentido de que somos capazes “de fazer” alguma coisa (mentalidade ainda materialista), mas simplesmente capazes de acolher. Um contentor é capaz porque está vazio; deste modo, está em condições de receber um conteúdo; não tem de fazer nem de produzir nada. Assim também a oração nos torna simplesmente capazes, não de fazer, mas de acolher tudo.

 

A oração é uma paragem

De facto, o verbo essencial da oração é deter-se, parar, ficar.

«Sai e mantém-te na presença do Senhor» (1Rs 19,9-11); «Parai, reconhecei que Eu sou Deus» (Sl 46,11).

Deste modo, a oração tornar-se-á um caminho que conduzirá ao ócio, que não é o pai dos vícios.

Fizemos da vida um neg-ócio [do latim negotiu(m) > nec+ otium], não-ócio, ou seja, a negação do ócio. Identificamos a vida com fazer, traficar, medir, vender e comprar, e com a imagem que temos de nós mesmos e as expectativas que os outros alimentam acerca de nós. Reduzimo-nos a meros comerciantes de vida, inclusive de coisas relativas a Deus. «O ócio é o trabalho mais digno que o homem pode realizar»(Luciano Manicardi 8, La vita interiore). Viver de maneira ociosa é, afinal, dar espaço ao espírito, a vida verdadeira que está em nós, ao nosso verdadeiro Eu, e uma possibilidade dada à luz de poder resplandecer e a energia de poder deflagrar.

Precisamos muito de um momento ocioso ao longo do nosso dia, de um momento em que nos seja dado entrar em contacto com a nossa verdadeira nascente ou fonte interior, para, finalmente, experienciarmos que o que nos torna verdadeiros, isto e, mulheres e homens autênticos, não é um dia de negócios, de corridas, de produtividade e de encontros; mas antes um dia em possamos entrar em contacto com a Verdade que nos habita. Nunca será o mundo exterior que nos dirá quem realmente somos.



 

SNPC
Publicado em 27.11.2017

 

Título: Ainda melhor no silêncio
Autor: Paolo Scquizzato
Editora: Paulinas
Páginas: 104
Preço: 8,50 €
ISBN: 978-989-673-618-7

 

 
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