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Arte e espiritualidade no Advento

Imagem Georges de La Tour | Madalena arrependida / Madalena penitente das duas chamas (det.) | Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque, EUA | D.R.

Arte e espiritualidade no Advento

Conhecem-se pelo menos três versões da Madalena arrependida pintadas por Georges de La Tour (1593-1652). A Madalena das duas chamas, certamente a mais curiosa, ilustra bem um dos versículos do Evangelho do primeiro domingo do Advento: «Tomai cuidado, vigiai, pois não sabeis quando chegará o momento» (Marcos 13, 33).

 

O que vemos?

Uma mulher, cabelos desprendidos, sentada sobre um banco defronte de uma mesa, vestindo uma larga camisa branca e um longo vestido ornado, vermelho carmesim. Nas as pernas repousa um crânio humano, sobre o qual ela junta as mãos. A sua cabeça está voltada para um espelho ricamente emoldurado colocado sobre a mesa, no qual se reflete a chama de uma vela. Há outros objetos sobre a mesa: um colar de pérolas brancas, algumas moedas e uma espécie de vaso metático por trás do espelho. A parede castanha do fundo e escurecida pela sombra do espelho. Aos pés da mulher, algumas joias abandonadas: braceletes e brinco.


Imagem

 

Vigiai...

Madalena está em vigília e medita... A noite ajuda à meditação. E é quando o sol se põe que o ser humano se predispõe para vigiar. O tempo do Advento não é simplesmente um tempo de preparação para a alegria do Natal. É o tempo da espera, da vigilância e do desejo. Espera pela vinda do Senhor na glória, espera pelos tempos últimos. Vigiar para não se ser surpreendido pelo sono quando Ele chegar. Tempo de inquietude (in-quiet: que não dorme). Tempo do desejo, desejo da sua vinda. Temos nós este desejo da vinda de Cristo? Estamos nós inquietos por o encontrar? Reservamo-nos tempo para vigiar? Vigiai... Meditai... Orai... parece dizer-nos Madalena. A noite ainda é longa.

 

Meditar e refletir

Não se sabe bem o que olha esta mulher. O seu olhar parece perdido no vazio, ou voltado para um objeto que não se vê no quadro. Em todo o caso, ela medita e reflete. Ela reflete como o espelho reflete a chama. Devolve a imagem. Devolve a nossa imagem. Revelar-nos-á, talvez, que o fogo sagrado não se apagou em nós? Mostrar-nos-á, talvez, que a chama física do nosso corpo, quando ela se reflete (quando nós refletimos), revela a chama do nosso espírito, que nós recebemos no Batismo? Somos um corpo (a vela), uma inteligência (o espelho) e um espírito inapreensível mas real (a chama do espelho). E eu, será que reflito suficientemente? Tenho ainda em mim esta chama?

 

Abandono...

Maria Madalena quer mudar de vida após o seu encontro com Cristo, quer converter-se, voltar (como fará três vezes aquando do seu encontro no jardim com Jesus ressuscitado, cf. João 20). Mas ela conhece também os laços que a prendem, as suas escravidões... Elas são aqui simbolizadas pelas ricas joias, o crânio e o vaso de bronze. Como se ela tivesse de fazer uma tripla renúncia, um triplo compromisso. Como fazem os religiosos. Três votos para recusar as vãs riquezas (pobreza), oferecer-se só a Deus (castidade) e só a Ele escutar (obediência). Três objetos que mostram as nossas cadeias: a riqueza das joias, a inanidade da nossa vida humana (tu és pó, cf Génesis 3, 19) e o vazio do nosso amor (se eu não tiver a caridade, nada sou senão um címbalo que retine, cf. 1 Coríntios 13). Tempo de Advento para a conversão, para mudar de vida, para se preparar para receber o Salvador, para deixar as nossas falsas riquezas, voltar a dar sentido à nossa vida terrestre, voltar a dar vida à nossa capacidade de amor.

 

Dar... Dar tudo...

Deixa tudo, esta mulher. Mesmo os seus cabelos, sinais da sua condição pecadora. Terá ela já sido revestida da veste branca do seu Batismo, da sua purificação? Sentirá ela o apelo de Jesus a dar tudo... Não há maior amor do que dar a vida por aqueles que se amam (cf. João 15, 13). Dar a sua vida, dar o seu sangue pelos outros, este sangue vermelho carmesim que já cobre as suas pernas. Não há Advento, não há conversão sem oferecer a sua vida a Deus e aos outros. O próprio Jesus ofereceu a sua vida. Ofereceu-a desde a natividade, como criança desarmada e perseguida pela cupidez de Herodes. Ofereceu-a até à cruz sobre o lugar do crânio (Gólgota). Maria Madalena parece chamar-nos para ficarmos lá, junto à cruz, mãos postas sobre o Gólgota.

Natal, festa da paz e do amor. Natal, festa dos pobres e dos pequenos. Natal, reflexo do Gólgota e da Páscoa, onde se iluminam e revelam plenamente o sentido do Advento e da vinda de Cristo. Voltemos os nossos olhos para a vinda de Cristo. Não lhe recusemos nada. Dêmos-lhe tudo.

 

Deixar-se iluminar, revelar...

O jogo de luz da obra é surpreendente. O espelho devolve a luz da chama. Ela está triplamente iluminada: pela chama física, pelo reflexo da inteligência e pela luz do espírito. Tempo de Advento, tempo de espera, tempo da meditação, tempo da oração, tempo para vigiar, tempo onde Deus se nos revela, nos ilumina e nos revela ao que somos chamados. Um tempo onde o povo vê uma luz erguer-se nas trevas, uma luz que nos revela Deus e em que Deus nos revela o que somos: seus filhos muito amados.

 

P. Olivier Plichon
In "Narthez"
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 04.12.2014

 

 
Imagem Georges de La Tour | Madalena arrependida / Madalena penitente das duas chamas (det.) | Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque, EUA | D.R.
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