A intuição de que o conceito de luz se pode tornar em ponto de encontro entre duas fés impeliu o Observatório Astronómico do Vaticano e o Centro Islâmico de Astronomia, no Irão, a organizar o colóquio internacional “A astronomia no cristianismo e no islão”.
A iniciativa, que decorre entre esta terça e quinta-feira na sede do Observatório, em Castel Gandolfo, próximo de Roma, onde o Vaticano tem parte do seu território, conta com a colaboração da embaixada iraniana junto da Santa Sé.
«Trata-se apenas da primeira das iniciativas científicas em que o Observatório está a trabalhar para celebrar 2015, que a ONU declarou Ano Internacional da Luz para recordar os cálculos sobre a relatividade de Albert Einstein, em 1915», explicou o diretor da instituição em entrevista ao jornal italiano “Avvenire”.
«Para a ciência, para nós, astrónomos e astrofísicos, a luz é a única informação que nos chega do espaço. Graças a estas informações, estamos aptos a estabelecer o tempo que passa», acrescentou o padre José Funes.
«Destas informações depende uma coisa essencial como o calendário. Seja o civil, seja o religioso necessário ao cristianismo, ao judaísmo e ao islão, para calcular os tempos das festas e da oração. A luz é o que vence as trevas», que, como recorda o prólogo do Evangelho segundo S. João, «não a acolheram», afirmou.
A génese do colóquio remonta a 2010, quando o sacerdote argentino se deslocou ao Irão, a convite da embaixada do país junto da Santa Sé.
«Visitei o Centro Islâmico de Astronomia, onde conversámos sobre o quanto a observação das estrelas aproximou, ao longo dos séculos, estudiosos das duas religiões. Tanto o islão como o cristianismo têm um património histórico-astronómico muito rico, e no contexto cultural atual torna-se importante partilhá-lo», apontou.
Os dois primeiros dias do encontro «vão ser dedicados às relações internacionais sobre temas históricos que ligam fé e astronomia», enquanto que para quinta-feira está agendada uma visita aos museus e arquivo secreto do Vaticano, «que conservam importantes documentos astronómicos».
Entre estes, prosseguiu o religioso jesuíta, estão os relativos «à reforma do calendário gregoriano ocorrida em 1582, por iniciativa do papa Gregório XIII, com a bula “Inter gravissimas”.
Foi nessa época que se realizaram as primeiras observações astronómicas do Vaticano, ainda que o Observatório, tal como hoje o conhecemos, tenha sido fundado em 1892, assinalou o responsável.
O Irão tem «um património histórico-científico muito rico e muito antigo»: «Os estudos astronómicos no país, atualmente, estão muito avançados. E do ponto de vista religioso, a observação do céu tem tanta importância como para nós, cristãos, a começar pelo cálculo do dia do início do Ramadão, que está ligado ao calendário lunar e varia de ano para ano».
«Também os tempos da oração estão ligados à observação do céu, e talvez possamos aprender algo deles, reencontrando assim as nossas raízes», referiu o cientista.
A delegação iraniana sugeriu a introdução, no programa, de dois momentos de oração, às 12h00 e às 17h00, «horas importantes para a oração quotidiana de ambas as religiões», salientou o padre José Funes.
O sacerdote tem a esperança de que esses momentos possam ser realizados em comum, embora ainda nada esteja definido: «O diálogo faz-se com estes pequenos passos, sabendo que não somos nós, mas Deus, a fazer o resto».
Nas últimas semanas cresceu o interesse pelas observações astronómicas, com a passagem de um cometa, o projeto de levar o ser humano ao planeta Marte e as imagens obtidas do telescópio Hubble.
«O cometa não é uma coisa excecional. Há-os rodos os anos. Assim como há eclipses do sol e da lua. O que dá gosto é este interesse de indivíduos comuns. Observar o céu abre o coração e a mente das pessoas. É uma perspetiva que permite olhar de maneira diferente para as coisas de cada dia. Coloca-nos diante de uma realidade infinitamente maior que nós», realça.
As imagens do Hubble que mostram a nebulosa em que se formam novas estrelas «abrem um rasgo no coração»: «É luz que se abre a nova luz. Um sentimento fecundo para a ideia do Deus criador. Dele que faz nascer e acender o sol sobre cada um de nós, sobre todos os povos e fés a que se pertença. Por isso a astronomia pode tornar-se um momento essencial de diálogo».
Entre os projetos do Observatório Astronómico do Vaticano encontra-se a investigação sobre asteroides, «objetos que passam muito próximo da Terra, com a qual podem entrar em colisão»: «Trabalhamos com uma rede de pequenos observatório, que escrutinam o espaço para identificar novos asteroides e calcular a sua trajetória».
«Estamos também a ocupar-nos da pesquisa sobre possíveis sinais de vida no universo e em planetas semelhantes à Terra pela sua massa e localização no que se refere à estrela em torno da qual orbitam. Foram identificados mais de mil, e alguns têm características aparentemente próximas ao nosso», sublinhou José de Funes.
In "Avvenire"