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Leitura: "Autobiografia" de Santo Inácio de Loiola

Imagem D.R.

Leitura: "Autobiografia" de Santo Inácio de Loiola

A Editorial A.O. lançou recentemente a 2.ª edição da "Autobiografia" de Santo Inácio de Loiola, fundador dos Jesuítas, congregação a que pertenceu o padre, bispo e cardeal Jorge Bergoglio antes de ser papa Francisco.

Nesta obra, o santo espanhol conta ao seu confidente, o português padre Luís Gonçalves da Câmara, o que lhe aconteceu desde que uma bala de canhão lhe partiu uma perna e o deixou às portas da morte (1521) até à época em que, já a viver em Roma, procurava conseguir aprovação papal para a projetada Companhia de Jesus (1538).

Narrada, e não escrita pelo próprio, posta na terceira pessoa identificada como “o Peregrino”, a "Autobiografia" de Inácio de Loiola realça, mais do que os factos, «a peregrinação interior que acompanha e, com frequência, precede a peregrinação exterior, sempre em busca do “maior serviço de Deus”, assinala o texto de apresentação.

Santo Inácio de Loiola nasceu no castelo de Loiola, no País Basco, em 1491. De família nobre, seguiu a carreira militar, que ficou marcada pelo ferimento em Pamplona, a 20 de maio de 1521. Este facto deu início a uma mudança radical na vida do soldado, que o levou a percorrer diversas cidades da Europa em busca de formação académica e espiritual.

Ordenado sacerdote em junho de 1537, fixou residência em Roma no ano seguinte. A partir daí, com alguns amigos de Paris, deu início e orientou a Companhia de Jesus, que rapidamente se espalhou pelo mundo. Morre em Roma, em 1556.

O volume, com notas que permitem situar personagens, locais e acontecimentos, narra factos externos da existência de Inácio e fenómenos internos da sua vida mística. De seguida, apresentamos o prefácio à 2.ª edição.

 

"O relato do peregrino"
Vasco Pinto de Magalhães, s.j.

Um Livro muito especial. Santo Inácio não o escreve, dita-o. Não se trata de uma Biografia literariamente trabalhada e completa. Também não é um livro de memórias, mas de um coração aberto, lúcido e agradecido que conta a sua história. É uma história com Deus, um desafio de luta e entrega, uma larga e aventurosa peregrinação interior e exterior, em constante diálogo de Graça e Liberdade que conduziu o narrador, Inácio de Loiola, desde a sua Conversão (teria então uns 30 anos) até um ou dois anos antes da sua morte (1556, aos 65 anos), então Superior Geral da Companhia de Jesus, já fundada em 1540, em Roma.

Os seus Companheiros e em especial o Pe. Nadal tinham insistido muito com ele para que deixasse escrita a sua vida, vida do fundador como alicerce, documento essencial à fundação e desenvolvimento da Companhia. Mas Inácio tinha sempre presente que não fundara sozinho. Resistiu primeiro longamente até que num particular momento de luz interior e devoção se determinou fazê-lo, tendo escolhido o Pe. Luís Gonçalves da Câmara para o ouvir e escrever o testemunho da sua vida. Faziam-no passeando. O processo foi longo, com frequentes adiamentos e largas interrupções para atender a afazeres mais urgentes. Inácio foi relatando o percurso daquele Peregrino, apaixonado buscador da vontade de Deus; e assim se identificando, foi falando dele mesmo com toda a objectividade, em terceira pessoa.

Começa o texto: «Até aos 26 anos foi homem entregue às vaidades do mundo e principalmente se deleitava no exercício das armas e vão desejo de ganhar honra». E termina: «O método que tinha para redigir as Constituições era dizer missa cada dia, apresentar a Deus o ponto que tratava e fazer oração sobre ele. E sempre fazia a oração e dizia missa com lágrimas».

O Relato do Peregrino tem um sabor bíblico: é uma história de salvação comunicada aos vindouros por tradição oral. E podemos entrar nele, mais do que contemplando um auto-retrato, como quem abre um álbum de fotografias que permite visualizar e comentar uma vida, um percurso de comunhão e missão, à maneira dos discípulos de Emaús. Santo Inácio conta a história de como Deus o conduziu e, levando-o pela mão como um mestre ao seu discípulo, o fez entrar no seu insondável mistério e dar resposta à questão que desde sempre ardia no seu coração: «que fazer?». Assim se desdobra também diante do leitor um desafio a que não se pode ser indiferente: que fiz, que faço, que farei por Ti? É o Exame de Consciência inaciano.

Ao desfolhar esse álbum, cada um pode ver com simplicidade os Exercícios Espirituais a tomarem corpo nas variadas formas, pessoais e comunitárias, em que a espiritualidade inaciana se pode concretizar. Aliás, o exercício de escrever (e contar) a própria Autobiografia é hoje aconselhado como ponto de partida para uma saudável pedagogia da fé, para quem quiser ir mais longe na realização discernida da sua vocação e na alegria de se reconhecer como «um filho muito amado».

O emotivismo individualista com que a sociedade e a cultura ocidental nos envolvem deixam-nos sem sentido de pertença e sem objectivos. Mas Santo Inácio, pioneiro num tempo de tão grande crise como foi o seu, neste livrinho, aponta-nos um caminho de reencontro e libertação. Ser peregrino. Em vez de andar por aí como turista iludindo a vida com «presentismos» precários, no reino do desencanto. Não é por aí. Mas, na esteira dos grandes peregrinos, desde Abraão e Moisés a S. Paulo, passando por Teresa de Ávila, Pedro Arrupe e tantos outros, a voz é sempre a mesma: «sai da tua terra, sai da tua escravidão e vai. Vem! Aonde eu te indicar».

No final da sua vida, Santo Inácio não se sentou à lareira desfiando as suas memórias. Mas, consciente de onde a sua peregrinação o tinha levado, passeia reconciliado e, olhando para trás, interpreta a sua vida à luz paciente do amor de Deus. E relatando-a revelou aos seus amigos e companheiros o fio por onde esse mesmo amor, através de múltiplas tensões e tentações, venturas e desventuras, o conduziu.

Pode então dizer-se que a Autobiografia inaciana é um exemplar exercício espiritual para quem quiser, na alternância de consolações e desolações, entender a história de Deus consigo e os caminhos por onde o desafia.

 

Edição: Rui Jorge Martins
Publicado em 10.02.2015

 

Título: Autobiografia de Santo Inácio de Loiola
Editora: Editorial A.O.
Páginas: 216
Preço: 9,00 €
ISBN: 978-972-39-0788-9

 

 
Imagem Capa | D.R.
Começa o texto: «Até aos 26 anos foi homem entregue às vaidades do mundo e principalmente se deleitava no exercício das armas e vão desejo de ganhar honra». E termina: «O método que tinha para redigir as Constituições era dizer missa cada dia, apresentar a Deus o ponto que tratava e fazer oração sobre ele. E sempre fazia a oração e dizia missa com lágrimas»
O emotivismo individualista com que a sociedade e a cultura ocidental nos envolvem deixam-nos sem sentido de pertença e sem objectivos. Mas Santo Inácio, pioneiro num tempo de tão grande crise como foi o seu, neste livrinho, aponta-nos um caminho de reencontro e libertação
Pode então dizer-se que a Autobiografia inaciana é um exemplar exercício espiritual para quem quiser, na alternância de consolações e desolações, entender a história de Deus consigo e os caminhos por onde o desafia
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