

O musicólogo Rui Vieira Nery prossegue no sábado as suas intervenções no ciclo "O sagrado na música ocidental", que decorre até 17 de outubro no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.
Continuando a tradição herdada da Antiguidade Clássica e do Judaísmo, a música, no contexto da liturgia cristã, «desempenhou um papel essencial no culto», explica o crítico e colunista musical na nota de apresentação da iniciativa.
O historiador cultural sublinha que «o peso determinante da Igreja na vida cultural europeia, que se pode mesmo considerar quase exclusivo até ao fim da Idade Média, faz com que o repertório sacro vá constituindo ao longo dos séculos o núcleo duro da criação musical erudita, desde o estabelecimento dos vários ritos músico-litúrgicos em cantochão ao nascimento e consolidação da polifonia».
«Mesmo a emergência crescente de um repertório profano a partir do Renascimento não põe em causa esse predomínio, sendo raros os compositores de relevo que até ao Romantismo não dedicam uma grande parte da sua actividade à Música Sacra, seja esta de tradição católica ou associada às várias confissões protestantes, tanto na Europa como nas Américas», assinala.
Com as «ruturas revolucionárias» ocorridas no séc. XIX, «o processo de laicização e o divórcio tendencial gerado por este entre as elites artísticas ocidentais e o patrocínio da Igreja» provoca a redução acentuada «dos géneros sacros no repertório erudito, e faz com que as temáticas religiosas surjam, inclusive, preferencialmente em obras destinadas à sala de concertos e já não ao culto, sob a forma, muitas vezes, de missas e oratórias não-litúrgicas».
No Romantismo, Modernismo e na Pós-Modernidade, já nas décadas finais do século XX assiste-se ao «reavivar de uma ligação dos compositores contemporâneos à dimensão do sagrado, mesmo que encarado, muitas vezes, numa ótica não-confessional».
No ciclo iniciado a 19 de setembro e com sessões no próximo sábado e a 3, 10 e 17 de outubro, Rui Vieira Nery (n. 1957) comenta «obras-primas da Música Sacra ocidental do último milénio, procurando perspectivá-las no contexto histórico-cultural de cada época como manifestações de uma constante necessidade, ainda que sempre reformulada, da relação com o divino como vertente incontornável da própria condição humana».
Rui Jorge Martins