Maridav/Bigstock.com
Um dos géneros literários que desde sempre me tem deixado mais perplexo é o dos conselhos para se ser feliz, para se estar em paz consigo próprio e com o mundo à volta. Com que autoridade, a partir de que experiência há quem se permita dizer que coisas fazer para se ser feliz? E que ideia de felicidade está por trás e se quer comunicar?
Hoje os livros de conselhos deste género são publicados não só pelos autores habituais, mas também por ilustres catedráticos, cujas ideias de felicidade se podem enquadrar com a experiência de vida apenas se, como dizia Cioran, são algo ou muito «estúpidas». A condição fundamental para a felicidade era, para o franco-romeno, ser-se estúpido, o resto era e é secundário.
Num belo romance do grande Lars Gustafsson ("A receita do doutor Wasser", história de um falso médico que recorda, de alguma forma, a comédia "Dr. Prätorius", de Curt Goetz, e o belo filme "Falam as más-línguas", com Cary Grant e realização de Joseph Mankiewicz), diz-se que «viver uma vida normal é a forma mais triste de suicídio».
É uma afirmação muito forte e discutível, mas que tem o mérito de colocar em debate a ideia corrente de felicidade, que consiste na harmonia com o ambiente e com a consciência, esquecendo-se do resto: das inquietações existenciais («quem somos?», «donde vimos?», «para onde vamos?») e da procura de sentido.
Mas, sobretudo hoje, esse conceito esquece simplesmente os males do mundo, o sofrimento dos nossos semelhantes submetidos, mais do que nós, às violências da história, à indiferença ou maldade de parte da humanidade, à precariedade da existência e da "fortuna".
Neste sentido, sim, é indispensável ser-se um pouco ou muito estúpido para se ser feliz, e é indispensável fazer como os três famosos símios da tradição: não vejo, não ouço, não falo.
Não se trata de sonhar uma "vida feliz" mas de ter, mais simplesmente e realisticamente, uma vida intensa, plena e diligente. Vivida com e para os outros, na «perfeita alegria» de que falava S. Francisco de Assis.