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Declaração Universal dos Direitos do Homem «custou milhões dos nossos irmãos», e «tal preço não pode ter sido pago em vão»

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Declaração Universal dos Direitos do Homem «custou milhões dos nossos irmãos», e «tal preço não pode ter sido pago em vão»

«[A] Declaração [Universal dos Direitos do Homem] custou milhões dos nossos Irmãos e Irmãs, que a pagaram com o próprio sofrimento e sacrifício, provocados pelo embrutecimento que tinha tornado surdas e obtusas as consciências humanas dos seus opressores e dos artífices de um verdadeiro genocídio. Um tal preço não pode ter sido pago em vão.»

Foi com estas palavras que João Paulo II, naquela que foi a sua primeira intervenção na assembleia geral das Nações Unidas, no ano de 1979, em Nova Iorque, se referiu à Declaração assinada por aquela organização a 10 de dezembro de 1948.

A intervenção do papa polaco, que lembrou o campo de concentração de Auschwitz, no seu país natal, tem mais de três décadas, mas mantém a atualidade. Apresentamos alguns excertos do discurso.

«Seja-me permitido formular votos por que a Organização das Nações Unidas, dado o seu carácter universal, nunca deixe de ser aquele "fórum", aquela elevada tribuna, do alto da qual se ajuíza, com verdade e com justiça, sobre todos os problemas do homem. Em nome desta inspiração e por este impulso histórico é que foi assinada a 26 de junho de 1945, já a caminhar-se para o fim da terrível segunda guerra mundial, a Carta das Nações Unidas, e começou a ter vida, a 24 de outubro seguinte, a vossa Organização.

Pouco depois, aparece o seu fundamental documento que foi a Declaração Universal dos Direitos do Homem (10 de dezembro de 1948), do homem como indivíduo concreto e do homem com o seu valor universal. Este documento constitui uma pedra basilar, posta na longa e difícil caminhada do género humano.

É necessário medir o progresso da humanidade não somente pelo progresso da ciência e da técnica — do qual se evidencia toda a singularidade do homem em confronto com a natureza — mas simultaneamente pelo primado dos valores espirituais e pelo progresso da vida moral, precisamente neste campo que se manifesta o pleno domínio da razão, através da verdade nos comportamentos da pessoa e da sociedade, e também o domínio sobre a natureza; e triunfa silenciosamente a consciência humana, conforme diz o antigo ditado: "Genus humanum arte et ratione vivit" (o género humano vive pela arte e pela razão).»

«Hoje, (...) quereria evocar o conjunto das experiências dos homens e das Nações, vividas por uma geração que em grande parte ainda se encontra em vida. Ainda não há muito tempo, eu tive a oportunidade de voltar a reflettir sobre algumas de tais experiências num dos lugares mais dolorosos (...) de desprezo pelo homem e pelos seus direitos fundamentais: o campo de extermínio de Oświecim (ou Auschwitz).

Este lugar, tristemente conhecido, é, infelizmente, apenas um dos muitos, espalhados pelo Continente europeu. Mas até mesmo a recordação de um só já deveria constituir um sinal de advertência nos caminhos da humanidade contemporânea, para se fazerem desaparecer para sempre todas as espécies de campos de concentração em todas as partes da Terra.»

«Os ilustres Presentes hão-de perdoar-me uma tal recordação: mas eu seria infiel à história do nosso século, não seria honesto defronte à grande causa do homem que todos desejamos servir, se — provindo daquele País, sobre cujo corpo vivo foi construído Oświecim — eu ficasse calado. Recordo-o, no entanto, ilustríssimas e caras Senhoras e Senhores, sobretudo com o fim de demonstrar de que espécie de dolorosas experiências e sofrimentos de milhões de pessoas surgiu a "Declaração Universal dos Direitos do Homem", que foi posta como inspiração de base, como pedra angular da Organização das Nações Unidas.

Esta Declaração custou milhões dos nossos Irmãos e Irmãs, que a pagaram com o próprio sofrimento e sacrifício, provocados pelo embrutecimento que tinha tornado surdas e obtusas as consciências humanas dos seus opressores e dos artífices de um verdadeiro genocídio. Um tal preço não pode ter sido pago em vão.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem — com todo o seu atavio de numerosas Declarações e Convenções sobre aspectos importantíssimos dos direitos humanos, em favor da infância, da mulher, da igualdade entre as raças, e particularmente os dois Pactos Internacionais sobre os direitos económicos, sociais e culturais, e sobre os direitos civis e políticos — deve permanecer na Organização das Nações Unidas o valor de base, com o qual se há-de confrontar e à qual vá aurir inspiração constante a consciência dos seus Membros.

Se as verdades e os princípios contidos neste documento viessem a ser esquecidos, transcurados, perdendo a genuína evidência de que resplandeciam no momento do nascimento doloroso, então a nobre finalidade da Organização das Nações Unidas, ou seja, a convivência entre os homens e entre as nações, poderia vir a encontrar-se diante da ameaça de uma nova ruína.

Isso aconteceria, se sobre a simples e ao mesmo tempo vigorosa eloquência da Declaração Universal dos Direitos do Homem tomasse decididamente a supremacia um interesse, que se define injustamente "politico", mas que significa apenas, muitas vezes, lucro e proveito unilateral e prejuízo dos outros, ou então desejo de potência que não tem em conta as exigências de outrem, tudo isto coisas que, pela sua natureza, são contrárias ao espírito da Declaração. O "interesse político" assim entendido, perdoai-me, Senhores, acarreta desonra para a nobre e difícil missão que é própria do vosso serviço pelo bem das vossas Nações e de toda a humanidade.»

«A Declaração Universal dos Direitos do Homem e os outros instrumentos jurídicos, tanto a nível internacional como a nível nacional, num movimento que não se pode deixar de desejar seja progressivo e contínuo, procuram criar uma consciência geral da dignidade do homem e "definir ao menos alguns dos direitos inalienáveis do homem.

Seja-me permitido enumerar aqui alguns deles, dentre os mais importantes, que são universalmente reconhecidos: o direito à vida, à liberdade e à segurança da pessoa; o direito à alimentação, ao vestuário, à habitação, à saúde, ao descanso e à recreação; o direito à liberdade de expressão, à educação e à cultura; o direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião, individualmente ou em comum, tanto em privado como em público; o direito a escolher o próprio estado de vida, a constituir uma família e a dispor de todas as condições necessárias para a vida familiar; o direito à propriedade e ao trabalho, a condições equitativas de trabalho e a um salário justo; o direito à liberdade de movimento e à migração interna e externa; o direito à nacionalidade e à residência; o direito à participação política e o direito a participar na livre escolha do sistema politico do povo de que faz parte.

O conjunto dos direitos do homem corresponde à substância da dignidade do ser humano, entendido integralmente, e não reduzido a uma só dimensão; tais direitos referem-se à satisfação das necessidades essenciais do homem, ao exercício das suas liberdades e às suas relações com as outras pessoas; mas eles referem-se sempre e em toda a parte ao homem, à sua plena dimensão humana.»

 

S. João Paulo II
Nova Iorque, Assembleia geral das Nações Unidas
2.10.1979
Publicado em 10.12.2014 | Atualizado em 26.04.2023

 

 
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«Hoje, (...) quereria evocar o conjunto das experiências dos homens e das Nações, vividas por uma geração que em grande parte ainda se encontra em vida. Ainda não há muito tempo, eu tive a oportunidade de voltar a reflettir sobre algumas de tais experiências num dos lugares mais dolorosos (...) de desprezo pelo homem e pelos seus direitos fundamentais: o campo de extermínio de Oświecim (ou Auschwitz)
Os ilustres Presentes hão-de perdoar-me uma tal recordação: mas eu seria infiel à história do nosso século, não seria honesto defronte à grande causa do homem que todos desejamos servir, se — provindo daquele País, sobre cujo corpo vivo foi construído Oświecim — eu ficasse calado
Se as verdades e os princípios contidos neste documento viessem a ser esquecidos, transcurados, perdendo a genuína evidência de que resplandeciam no momento do nascimento doloroso, então a nobre finalidade da Organização das Nações Unidas, ou seja, a convivência entre os homens e entre as nações, poderia vir a encontrar-se diante da ameaça de uma nova ruína
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