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Cinema: Em memória de Fernanda Silva

Imagem Fernanda Silva | D.R.

Cinema: Em memória de Fernanda Silva

A diretora do Festival Internacional de Cinema de Setúbal - Festroia, Fernanda Silva, morreu a 4 de agosto. Era uma mãe e avó de 59 anos, e apesar de tímida, era uma personalidade no mundo do cinema europeu. Em 2014, no 30.º aniversário do festival, o bispo de Setúbal. D. Gilberto Reis distinguiu-a pelo 25.º aniversário da receção ao júri OCIC (International Catholic Organization for Cinema, Organização Católica Internacional para o Cinema), hoje SIGNIS, Associação Católica Mundial para a Comunicação.

Com este prémio, a SIGNIS pretendeu reconhecer o seu trabalho e esforços em organizar ano após ano um programa internacional de qualidade. Através da sua programação e atividades, ela contribuiu para a criação de uma cultura de esperança local, nacional e internacional, na qual os valores humanos eram fundamentais.

Em 1988, no encontro europeu da OCIC, no Luxemburgo, o delegado português Francisco Perestrello descobriu que quase ninguém na iniciativa fazia ideia do trabalho que os católicos portugueses realizava, no mundo do cinema. Publicavam o Boletim Cinematográfico e as suas críticas aos filmes eram utilizadas por quase todos os meios de comunicação, inclusive os não católicos. Os críticos católicos portugueses eram também ativos como jurados de festivais de cinema internacionais.

Nesse encontro, Perestrello convidou a OCIC a ter um júri no festival de cinema em Tróia, uma estância de férias a 65 km de Lisboa. Ele já tinha trabalhado com o festival, que era dirigido por Mário Ventura, assistido por Fernanda Silva. Eles eram personalidades comprometidas e convidaram o júri internacional católico, apesar de não serem católicos.

Em 1989 o júri católico internacional foi acolhido de forma respeitosa. Num encontro com Mário e Fernanda, os cinco jurados perguntaram-lhes porque é que tinham querido um júri católico. Eles responderam que tinham descoberto que os prémios que os  júris do OCIC davam distinguiam os seus filmes favoritos.

O júri ficou espantado ao ouvir que eles viam o seu festival como um trabalho espiritual para tornar a sociedade melhor, mais social e mais humana. Também lutavam para dar a imagem àqueles que não eram vistos nos ecrãs. Após o festival, Fernanda encontrou-se com o bispo de Setúbal, D. Manuel Martins. Mais tarde ela explicou que ficou autenticamente impressionada e tocada pelo compromisso social do bispo e pelo seu trabalho na diocese.

D. Manuel Martins também sugeriu ao Mário e à Fernanda que trouxessem o festival para a cidade socialista de Setúbal e disse que a população precisava mais do que nunca do seu festival com os seus excelentes filmes. A cidade sofreu no fim dos anos 80 e início dos anos 90 por causa da crise económica e ele pensava que a falta de eventos culturais tornava a situação pior. Mário e Fernanda já tinham pensado no assunto, mas a conversa com o bispo convenceu-os a mudarem-se para Setúbal.

Em 1991 Fernanda soube que a OCIC queria organizar um fórum internacional de jovens críticos cinematográficos. Ela sugeriu o evento ao Mário e no ano seguinte foram convidados 25 participantes, a maior parte de organismos católicos do Leste da Europa. No fim do fórum Fernanda corou quando o presidente da OCIC, Ir. Ambros Eichenberger, lhe agradeceu o empenho com um abraço.

Quando Mário morreu, 15 anos mais tarde, Fernanda tornou-se a diretora do Festroia. Fernanda não mudou a política em relação ao júri católico e até tornou os laços mais fortes. Ao selecionar filmes, admitiu que por vezes pensava que determinados seriam apropriados para o júri OCIC.

Fernanda foi uma mãe e uma avó, e a sua atenção às mulheres que não tinham vida fácil era um tema recorrente na sua seleção. A sua influência na seleção dos filmes tornou-se cada vez mais tangível a cada ano. O júri ficava admirado por filmes que não podiam ser vistos em mais nenhum lado ou ficavam por descobrir nos grandes festivais porque ninguém tinha ouvido falar do realizador. Isto quer dizer que os debates no júri mudaram, quando confrontados com estes filmes. A intuição de Fernanda por filmes belíssimos e o seu compromisso em favor do cinema europeu teve como resultado ela tornar-se cada vez mais respeitada no mundo da cinematografia europeia.

Os membros da equipa do festival e vários convidados internacionais tornaram-se quase a sua família: ela preocupava-se com eles e estava sempre pronta a ajudar ou a encontrar soluções. Embora fosse difícil angariar dinheiro, ela pediu ao júri SIGNIS para ficar, reduzindo, todavia, os seus membros de cinco para três. Ela também ficou satisfeita por a SIGNIS integrar um jovem padre local [Daniel Nascimento] - um cinéfilo - no júri, que se tornou também uma espécie de agente de ligação entre o festival e a SIGNIS em Bruxelas.

Fernanda foi uma profissional bem qualificada no mundo dos festivais de cinema. O jornalista português João Antunes salienta que ela foi a primeira pessoa do mundo institucional do cinema português a ser convidada para a Academia Europeia de Cinema, com direito a voto. Ele era membro ativo da diretoria da Coordenação Europeia dos Festivais de Cinema e da Confederação Internacional dos Cinemas de Arte e Ensaio. Festivais internacionais como San Sebastian, Veneza, Karlovy Vary ou Bombaim convidaram-na para o júri oficial. Em Portugal, ela e a sua equipa não tiveram a vida fácil. Devido a uma decisão do instituto nacional de cinema, o apoio financeiro foi drasticamente diminuído, em detrimento de eventos mais publicitados.

Apesar de Fernanda ter lutado duramente pelo seu festival e pela sua equipa, perdeu essa batalha e a da sua saúde. É uma perda para o mundo que criou graças à sua generosidade, bondade e experiência. Em todos estes anos ela congregou milhares de pessoas e deu-lhes outra perspetiva do mundo e até da vida: esperança, alegria e tolerância.

Na capela de S. Paulo, em Setúbal, a sua família e amigos puderam-lhe dizer-lhe o último adeus. Fernanda está sepultada no cemitério da Paz.

 

Guido Convents
Diretor de Comunicação, Coordenador da Secção de Cinema da SIGNIS
In: "SIGNIS"
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 13.09.2016

 

 

 
Imagem Fernanda Silva | D.R.
Após o festival, Fernanda encontrou-se com o bispo de Setúbal, D. Manuel Martins. Mais tarde ela explicou que ficou autenticamente impressionada e tocada pelo compromisso social do bispo e pelo seu trabalho na diocese
Fernanda foi uma mãe e uma avó, e a sua atenção às mulheres que não tinham vida fácil era um tema recorrente na sua seleção. A sua influência na seleção dos filmes tornou-se cada vez mais tangível a cada ano
Os membros da equipa do festival e vários convidados internacionais tornaram-se quase a sua família: ela preocupava-se com eles e estava sempre pronta a ajudar ou a encontrar soluções. Embora fosse difícil angariar dinheiro, ela pediu ao júri SIGNIS para ficar, reduzindo, todavia, os seus membros de cinco para três
Em Portugal, ela e a sua equipa não tiveram a vida fácil. Devido a uma decisão do instituto nacional de cinema, o apoio financeiro foi drasticamente diminuído, em detrimento de eventos mais publicitados
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