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Entre marido e mulher, Deus no meio

Que fazer, em suma, para deixar o egoísmo fora de combate? Uma norma geral de senso comum, uma boa educação social, uma orientação psicológica podem tornar-se ajudas preciosas para manter de pé o compromisso conjugal. Mas não basta. Precisamos de estender uma ponte entre duas margens, entre dois corações. Procuramos uma nova força que, vindo de fora, se instale nos dois corações, constituindo-se em elemento unificador que enlace margens separadas e, eventualmente, divididas pela inimizade.

É difícil manter uma relação matrimonial sem que surjam divisões ao longo dos dias! É fácil ser feliz e viver unidos nos primeiros tempos, tempos de novidade e alegria, quando se espera o primeiro filho.

Mas os anos vão passando; a monotonia, qual lenta noite, vai preenchendo todos os recantos e, em vez da alegria, tornam-se presentes os nervos e o cansaço. No meio de tantos obstáculos, torna-se um empreendimento quase sobre-humano manter erguido o archote da alegria conjugal.

O amor é uma corrente que brota de um único manancial: o coração de Deus Pai. Essa corrente, atravessando o território de Jesus, derrama-se na alma da humanidade e, de forma mais privilegiada, no coração dos esposos. E assim poderíamos dizer que qualquer manifestação de amor é uma participação da natureza divina, porque Deus, por essência, «é» Amor.

Lutámos contra todas as tempestades. Caminhámos por sendas que se entrecruzam, em pleno deserto. Abrimos as mãos para que se encham do pó das estrelas. Mas muitos dos nossos sonhos levantaram voo nas asas da morte. Estamos a chegar à meta distante.

Se não dermos o passo do amor emotivo para o amor oblativo, o matrimónio fracassará; que ao amável toda a gente ama, e com o simpático todos simpatizam, mas que, para perdoar uma ofensa, tenho de morrer ao instinto de vingança.

No entanto, ninguém morre por gosto, ninguém perdoa por gosto. Morrer, para qualquer coisa viva, não é fonte de emoção, mas de dor. É como «dar a vida», mas ninguém dá a vida por gosto, porque o instinto primário do homem é procurar o agradável e fugir do desagradável.

As pessoas de caráter muito rancoroso, quando se vingam, experimentam uma espécie de prazer. A maioria das pessoas, ao responder a um grito com outro grito, sente uma misteriosa satisfação. É essa a reação espontânea, a reação natural. Fazer o contrário, como ficar calado ao ouvir um grito, ter paciência frente a uma grosseria, não constitui uma reação espontânea.

Para pagar o mal com o bem, é imprescindível começar por fazer uma verdadeira revolução nas leis ancestrais do coração. Quem fará tal revolução? Alguém que venha de fora e se instale nos dois corações. E esse Alguém tem um nome próprio: Jesus Cristo.

Só Jesus Cristo pode instalar-se na intimidade do coração e causar uma satisfação tão imensa que compense o preço de termos de morrer para amar.

Só fortemente agarrados a um Jesus Cristo vivo e vibrante, com todas as energias adesivas e unitivas, só assim é possível cerrar os dentes, engolir em seco, calar e responder ao grito com o silêncio e à explosão com a serenidade.

Só Jesus pode causar satisfação e alegria quando o cônjuge se decide a controlar os nervos, a reprimir os impulsos de violência, a refrear os instintos e a evitar as represálias.

Só Jesus pode inverter as leis do coração, colocando o perdão ali onde o instinto gritava vingança, derramando mansidão onde o coração exigia violência, colocando doçura no lugar de onde emanava amargura, derramando amor ali onde reinava o egoísmo.

É esta a revolução operada nas velhas leis do coração humano. O segredo fundamental de uma longa e feliz convivência conjugal consiste em fazer imperar as convicções da fé sobre as reações espontâneas, pela intimidade com Jesus.

Só Jesus pode descer até às profundidades onde habitam os filhos do egoísmo, primeiro para controlá-los, em seguida para transformá-los em energias de acolhimento.

Só Jesus pode redimir os impulsos selvagens dos abismos dos instintos, desde que o Senhor esteja pessoalmente vivo na minha consciência.

Todos sabemos quais são os impulsos espontâneos do coração:

Soltar aqui um grito,
lançar ali uma ironia,
deitar sempre as culpas ao outro,
nunca fazer uma autocrítica,
fechar-se num silêncio ressentido,
cobrar hoje por uma ofensa antiga.
Ter uma reação exagerada
frente a uma insignificância,
recusar agora o olhar,
depois a palavra,
manter-me reticente para que ele perceba
que eu já sei,
dar rédea solta à desconfiança…

Estes (e outros) são os impulsos espontâneos que apresentam sempre duas características típicas: surpresa e violência. As pessoas impulsivas tendem a ser compulsivas; são aquelas pessoas que, no momento menos esperado, cometem ou proferem um despropósito do qual se vêm a arrepender ao fim de poucos minutos.

Quando os impulsos selvagens tentarem levantar a cabeça de forma inesperada, detenha-se! Esposo, esposa, desperte! Cuidado! Não é esse o estilo de Jesus, não é esse o preceito, o exemplo de Jesus; interrogue-se de imediato: Que faria Jesus no meu
lugar? Como reagiria? Que sentiria? Que diria? Como atuaria?

Quando o esposo ou a esposa se lembrarem

como Jesus pagou o mal com o bem,
soube guardar silêncio perante os juízes,
com que delicadeza tratou o traidor,
com que amor olhou para Pedro,
como perdoou setenta vezes sete,
como foi compassivo com toda a debilidade...

Quando o esposo ou a esposa contemplarem este Jesus com os olhos da alma, reagirão com bondade, mansidão e paciência perante qualquer situação inesperada e turbulenta da vida.

Quando, num descuido momentâneo, um dos cônjuges for assaltado por um impulso feroz e, numa exaltação incontrolável, cometer uma barbaridade, calma! Primeiro, não se deve assustar. Segundo, não se deve envergonhar. Terceiro, deve reconhecer humildemente o seu deslize. Quarto, deve pedir desculpa e propor-se viver alerta sobre si mesmo, para que os seus atos futuros sejam movidos pelos sentimentos de Jesus.

É o próprio Jesus, com a colaboração dos esposos, que levará os cônjuges pela mão, até à tão sonhada maturidade. Sim, o próprio Jesus fará culminar a aventura matrimonial numa ditosa ventura.

Um sonho de épocas remotas fez-se carne, como se tivéssemos seguido no encalço dos desejos. Dizem que o vento não pode ser detido nem enjaulado, mas aqui apanhámos um sonho com as duas mãos. O cofre está cheio de tesouros e nós estamos contentes.

Os esposos conseguiram sentar-se à sombra da alameda sem perguntas nos lábios e coroados de grinaldas. Semearam muito e colheram muito mais. Os seus olhos ficaram deslumbrados e o seu coração dilatou-se de ternura. Já não há distâncias; agora os silêncios estão cheios de música.

Para terminar, vamos coroar estas páginas singelas com um soneto de Francisco Luis Bernárdez. Considero este soneto uma síntese magistral de todas as luzes que acendemos, em particular sobre as elevações do amor oblativo:

«Se, para recuperar o recuperado,
tive de perder primeiro o perdido,
se, para conseguir o conseguido,
tive de suportar o suportado.

Se, para estar agora enamorado,
foi mister primeiro estar ferido,
tenho por bem sofrido o sofrido,
tenho por bem chorado o chorado.
Porque, no fim de tudo ficou provado
que não se goza bem o gozado
senão depois de o ter padecido.

Porque, no fim de tudo ficou entendido,
que o que a árvore tem de florido,
vive do que ela tem de sepultado.»

 

Inacio Larrañaga
In O matrimónio feliz, ed. Paulinas
13.02.14

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