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Homero e a Bíblia foram a minha semente, diz escritor e tradutor Frederico Lourenço

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Homero e a Bíblia foram a minha semente, diz escritor e tradutor Frederico Lourenço

A atitude passiva em relação aos livros é a pior coisa que lhes podemos fazer. A leitura é um risco, saber mais é um risco. A partir do momento em que abandonamos a ignorância estamos expostos a todas as coisas que podem tornar a vida mais difícil. A vida não é para termos as respostas todas mas fazermos um esforço consciente para articular o que nos vem dos livros e das outras coisas.

É muito importante proporcionar oportunidades de darmos aos mais jovens, às crianças com menos de 10 anos, a possibilidade de contactarem com livros, autores e ideias, porque essa, em certa medida, é uma semente que nos vai acompanhando ao longo da vida. Quando oferecemos um livro a uma criança, pode acontecer algo muito inesperado.

A versão para jovens da "Odisseia" foi o início de muita coisa na minha vida. Também as minhas primeiras Bíblias eram para jovens, e só mais tarde é que passei para o texto original. A minha semente é Homero e a Bíblia. Estas obras que marcaram o final da minha infância fizeram-me oscilar em aprender grego e ser teólogo. Agora que estou a fazer a tradução da Bíblia, penso no quanto devo aos meus pais.

Cada dia que trabalho na tradução da Bíblia muitas são as revelações, chamadas para pensar as palavras de outra maneira. A Bíblia são livros sem idade, intemporais. Fascina-me pensar o que está em cada palavra, as riquezas que a história das palavras traz. Por exemplo, o termo "fantasia", que aparece uma vez na Bíblia, foi escrito com significado muito diferente daquele que tem hoje.

Sou professor na área dos estudos clássicos e o que começo por fazer é destruir as ilusões que os alunos trazem; por exemplo, a "Odisseia" e a "Ilíada" não são de Homero, mas de um autor anónimo. Depois surge um grande confronto com a dificuldade de aprendizagem das línguas clássicas. Uma das minhas grandes batalhas é levar os alunos a gostarem de uma língua tão difícil de aprender, que leva a que nas universidades haja índices de desistência elevados do primeiro para o segundo ano. É muito mais difícil do que se possa imaginar.

Ouço muitas pessoas falar das aulas do padre Manuel Antunes como que de um encantamento de alguém que conseguia, através dos estudos gregos e latinos, fazer um arco de beleza que deixava as pessoas arrebatadas. Talvez nesse tempo os alunos tivessem uma bagagem diferente da atual. Gostaria de ser capaz do mesmo, mas não consigo.

Sou professor universitário há quase 30 anos e os desafios são diferentes de geração para geração. Eu insisto com os meus alunos que apesar das dificuldades da aprendizagem das línguas clássicas, eu e os meus colegas estamos lá para ajudar no que nos for possível, procurando passar a convicção de que é difícil mas vale a pena.

 

Texto redigido a partir das intervenções de Frederico Lourenço no debate "A sabedoria dos livros", com José Tolentino Mendonça
Festa do Livro em Belém, Lisboa, 2.9.2016
Redação: Rui Jorge Martins
Publicado em 06.09.2016 | Atualizado em 24.04.2023

 

 
Imagem Frederico Lourenço | D.R.
Sou professor universitário há quase 30 anos e os desafios são diferentes de geração para geração. Eu insisto com os meus alunos que apesar das dificuldades da aprendizagem das línguas clássicas, eu e os meus colegas estamos lá para ajudar no que nos for possível, procurando passar a convicção de que é difícil mas vale a pena
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