Evocação
António Manuel Couto Viana
António Manuel Couto Viana, poeta, contista, ensaísta, ator, dramaturgo, encenador e figurinista, morreu em Lisboa no dia 8 de Junho, faz hoje um mês.
Filho de pai português e mãe espanhola, nasceu em 1923 na cidade de Viana do Castelo.
Estreou-se por intermédio de David Mourão-Ferreira como ator e figurinista em 1946 no Teatro Estúdio do Salitre, em Lisboa, mas já tinha dado os primeiros passos no teatro vienense Sá de Miranda, que herdou do avô.
Em 1948 estreia-se na publicação com a poesia de “O Avestruz Lírico”, livro a que se seguiram mais de cem obras. Os seus poemas estão traduzidos em francês, inglês, espanhol, chinês, alemão e russo.
Entre 1950 e 1954 dirigiu, com David-Mourão Ferreira, Luiz de Macedo e Alberto de Lacerda, os cadernos de poesia "Távola Redonda". Mais tarde dirigiu a revista cultural "Graal" e fez parte do conselho de redação da revista "Tempo Presente" (1959-1961).
Sobre poetas publicou, entre outras obras, “Coração Arquivista” (1977), as antologias “Tesouros da Poesia Popular Portuguesa” (1984) e “Cancioneiro do Rio Lima” (2001).
Pertenceu à Direção do Teatro de Ensaio (Teatro Monumental), foi diretor e empresário da Companhia Nacional de Teatro (Teatro da Trindade) e orientador artístico da Oficina de Teatro da Universidade de Coimbra. Lecionou no Liceu D. Leonor, em Lisboa, e no Instituto Cultural de Macau, território onde viveu entre 1986 e 1988.
Como diretor do Teatro da Mocidade acompanhou os primeiros tempos da carreira de autores como Rui Mendes, Morais e Castro, Francisco Nicholson, Fernanda Montemor, António Anjos, Alina Vaz e Catarina Avelar.
Encenou óperas para o Círculo Portuense de Ópera e para a Companhia Portuguesa de Ópera (Teatro da Trindade), foi orientador artístico da Oficina de Teatro da Universidade de Coimbra e terminou o seu percurso profissional, até à aposentação, como mestre de cena do Teatro Nacional de São Carlos.
Já a viver na Casa do Artista, foi convidado pela Ordem dos Frades Menores a colaborar na dramaturgia sagrada.
“Há muitos anos, Eduíno de Jesus, Azinhal Abelho e eu, tínhamos ideia de fazer teatro sacro. Esse projeto ressurgiu agora com os franciscanos. Vamos levar teatro sacro às romarias no verão e no inverno fazemos as representações no teatro do convento. Há muito material para representar, desde peças de Gil Vicente até ao teatro religioso”, afirmou em 2004 à revista “Artistas”, da Sociedade Portuguesa de Autores.
Lisboa, 2007
A Banda da Grã-cruz de Mérito, o Prémio de Poesia Luso-Galaica Valle-Inclan, o Grande Oficialato da Ordem do Infante D. Henrique e a Medalha de Mérito Cultural da Cidade de Viana do Castelo são algumas das suas condecorações.
Fez programas de poesia para a televisão, foi membro da Academia de Ciências de Lisboa e recebeu vários galardões literários: Prémio Antero de Quental, Prémio Nacional de Poesia, Prémio Fundação Oriente e Prémio Academia das Ciências de Lisboa, entre outros.
Conselheiro do Conselho de Leitura da Fundação Gulbenkian, Couto Viana encontrava-se a escrever a história da Companhia Nacional de Teatro.
“Sou uma pessoa de fé, por isso, não posso com a falsidade, com o artifício, com essa parte hipócrita da Religião. Agora, não faço entrevistas à Rainha Santa Isabel nem anedotas com a Última Ceia”, afirmou numa entrevista concedida em setembro de 2009 à revista “Os meus livros”.
E acrescentou: “Eu sou católico. Se me apontarem que pequei, pois pequei, como todos os católicos. Mas sei que me ajoelho diante de um sacerdote e lhe ofereço os meus pecados”.
Para hoje
É preciso ficar, aqui, entre os destroços,
E cinzelar a pedra e recompor a flor.
É preciso lançar no vazio dos ossos
A semente do amor.
É preciso ficar, aqui, entre os caídos,
E desmontar o medo e construir o pão.
É preciso expulsar dos cegos dias idos
A insónia da prisão.
É preciso ficar, aqui, entre os escombros,
E libertar a pomba e partilhar a luz.
É preciso arrastar, pausa a pausa, nos ombros,
A ascensão de uma cruz.
É preciso ficar, aqui, entre as ruínas,
E aferir a balança e tecer linho e lã.
É preciso o jardim a envolver oficinas:
É preciso amanhã.
Quem, do Natal?
Quem esperamos? Quem,
No silêncio, na sombra, no deserto?
O Menino divino de Belém,
Ou o rei Encoberto?
Esperamos alguém:
Qualquer que tenha o coração aberto.
É demais esta ausência, este vazio!
Quem adorar, servir, como Deus e Senhor?
– O que estender a ponte sobre o rio
Da miséria e pavor!
O que apascente e que semeie em desafio!
O que disser: - Eu sou! E for.
A poesia está comigo
Queres cantar fados, ler sinas
Por ruas tortas, escusas?
Ou tens pretensões mais finas?
- Não me esperem nas esquinas:
Não marco encontros a musas.
Cantem outros a desgraça
Em quadras fáceis, banais,
Cheias de mofo e de traça:
Soluços de fim de raça,
Com vinho, amor, ódios, ais.
E dos parques silenciosos
De estátuas, buxo e luar,
Cresçam sonetos cheirosos,
Requintados, vaporosos
Qual uma renda de altar.
Para mim basta o que tenho:
Umas rimas sem valia,
Mas próprias, do meu amanho;
Minha colheita, meu ganho
- Poesia! Poesia!
Obra publicada (lista incompleta)
O Avestruz Lírico (1948)
No Sossego da Hora (1949)
O Caminho É por Aqui (1949)
Era uma Vez... Um Dragão (1950)
O Coração e a Espada (1951)
Em Louvor do Teatro Infantil (1951)
Auto das Três Costureiras (1952)
A Face Nua (1954)
O Fidalgo Aprendiz (1955)
A Tentação do Reino (1956)
O Acto e o Destino (1957)
Um Espinho da Flor (1959)
Mancha Solar (1959)
O Milagre de Ourique (1959)
A Rosa Sibilina (1960)
Do Cimo desse Telhado (1962)
Relatório Secreto (1963)
Poesia (1948/1963) (1965)
O Teatro ao Serviço da Criança (1967)
Desesperadamente Vigilante (1968)
Antígona, Ajax e Rei Édipo (1970)
O Avarento (1971)
O Senhor de Pourceaugnac (1971)
Pátria Exausta (1971)
Em Redor da Mesa (1972)
10 Poesias de Agustin de Foxá (1973)
Raiz da Lágrima (1973)
O Almada Que Eu Conheci (1974)
2 "Modernistas" do Alto Minho (1976)
709 Poesias de Reclamo à Casa Brasileira (1977)
Coração Arquivista (1977)
Nado Nada (1977)
Voo Doméstico (1978)
João de Deus e um Século de Literatura Infantil em Portugal (1978)
As Pedras do Céu (1979)
Júlio de Lemos, num Retrato Breve e Leve (1979)
Retábulo para Um Íntimo Natal (1980)
As (E)vocações Literárias (1980)
Morte e Glória de Narciso no Poeta Alfredo Pimenta (1982)
Frei Luís de Sousa à Luz de Novas Luzes (1982)
Ponto de Não Regresso (1982)
Para um Encontro com o Poeta Alfredo Pimenta (1983)
Versos de Cacaracá (1984) (a reeditar em Julho de 2010)
Uma Vez uma Voz: Poesia Completa - 1948-1983 (1985)
Postais de Viana (1986)
O Senhor de Si (1991)
Colegial de Letras e Lembranças (1994)
A Gastronomia no Teatro e na Poesia Portuguesa (1994)
Bom Garfo e Bom Copo (1997)
Por Outras Palavras (1997)
Comeres em Lisboa: Roteiro Gastronómico (1998)
Prefiro Pátria às Rosas (1998)
60 anos de poesia (2 vols.) (2004)
Dez Peças de Teatro Infantil
Teatro Português d'Outrora Agora
Restos de Quase Nada (2007)
Disse e Repito (2008)
Bichos diversos em verso (2008)
Que é que eu tenho Maria Arnalda? (2009)
Agências / SNPC
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04.07.10






