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Londres

Jogos Olímpicos: a herança grega

Quem chega a Olímpia, no Peloponeso, avista uma paisagem muito amena, com árvores e flores, situada entre o Monte Krónion e a confluência dos rios Alfeu e Cládeos. Por todo o lado, restos ainda imponentes de muitos edifícios, que o Instituto Arqueológico Alemão desde 1975 tem recuperado: o Templo de Zeus, com uma coluna solitária que dá ideia da sua passada grandeza, e, preciosamente guardadas no museu, as decorações dos pedimentos e das métopas que o adornavam; o de Hera, que lhe é anterior; o Ginásio, a Palestra, o Estádio. A tudo isto há que acrescentar 1300 estátuas, moedas sem conta, inscrições, objetos de ouro e de bronze. E - não esqueçamos - a oficina onde Fídias modelou a perdida estátua monumental de Zeus, uma das sete maravilhas do mundo, com a tocante recordação da caneca por onde bebia, na qual brilha ainda a marca de pertença - Pheidio eimi.

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Tão numerosas eram as estátuas de deuses (como o Hermes de Praxíteles) ou de homens, como de muitos dos atletas vencedores dos jogos, que a lista destes últimos ocupa mais de metade do Livro Vida Descrição da Grécia por Pausânias.

É neste lugar privilegiado que hoje se acende a chama olímpica, para logo seguir para Atenas e daí para o país que nesse ano vai celebrar os Jogos. Esse trajeto faz-se, não só nas mãos de corredores que se revezam, como por barco ou mesmo de avião. Isto desde 1936. Quarenta anos antes, já o Barão de Coubertin tinha conseguido que os modernos Jogos Olímpicos se tivessem realizado em Atenas, no Estádio Panatenaico, com a participação de 13 países. E têm continuado a celebrar-se até hoje, com exceção dos anos das Grandes Guerras.

Mas qual era a origem e antiguidade dos Jogos Olímpicos, que decorriam sob a garantia de tréguas sagradas, e que reduziam a prisioneiros de guerra quem entrasse armado no seu território?

FotoAbertura oficial dos Jogos Olímpicos 2012, em Londres, 27.7.2012 (Getty Images)

Quanto à primeira questão, tem sido muito discutida e continua a sê-lo. Citamos apenas duas das mais conhecidas hipóteses: a de que derivam de um primitivo duelo, no género dos "Juízos de Deus" medievais, para apaziguara vítima no seu túmulo (Meuli), e a que supõe que se originaram em competições fúnebres, do tipo das em honra de Pátroclo, no penúltimo canto da Ilíada (Popplow). De qualquer modo, é a partir dos cálculos do sofista Hípias, que conseguiu elaborar o registo dos vencedores olímpicos desde 776 a.C., que esta data se torna tão importante que leva à fixação do calendário e sua prevalência sobre os demais. As competições olímpicas continuaram a ocupar o lugar principal apesar de entretanto já se terem institucionalizado os outros jogos pan-helénicos - Píticos, Nemeus e Ístmicos. E só cessa a sua realização em 395 a.D., por proibição do imperador Teodósio, devido ao facto de serem pagãos.

FotoOlímpia, Grécia

Mas desde a II Ode Olímpica, cantada em 476 a.C. e destinada a celebrar a vitória de Terão de Agrigento na corrida de cavalos, que Píndaro exaltara o deus supremo, como senhor de Olímpia (aí tratada pelo seu nome antigo de Pisa), e Hércules como fundador dos Jogos:

«Hinos, senhores da lira, que deus, que herói, que varão celebraremos?
Em Pisa é Zeus o senhor; os Jogos Olímpicos Hércules os criou,
Como primícias da luta....»

FotoAcendimento da tocha olímpica. Olímpia, Grécia, maio 2012

Poucas foram as provas que se mantiveram nos modernos Jogos, como a corrida, o salto em altura, o lançamento do disco, a luta. Entre muitos acrescentos, figuram os desportos aquáticos. O elenco grego, por sua vez, compreendia as competições equestres (carros de quatro cavalos, carros de mulas, cavalo de sela); corrida (estádio para homens, estádio para rapazes); diaulos (corrida de dois estádios); dolichos (corrida de quatro estádios); corrida revestido de armas; luta para homens e luta para rapazes; pugilato para homens e para rapazes; pancrácio (luta e pugilato combinados); pentatlo (salto, corrida, disco, dardo, luta).

FotoAbertura oficial dos Jogos Olímpicos 2012, em Londres, 27.7.2012 (Getty Images)

Note-se um facto muito significativo, que define o espírito olímpico: é que a partir do século IV a. C., as vitórias nos Jogos perdem o seu prestígio, pelo facto de neles começarem a competir profissionais. Efetivamente, o esplendor da vitória decorria sobretudo da honra que ela proporcionava ao laureado, e não de qualquer vantagem material. Testemunho inesquecível desta mentalidade é um passo célebre de Heródoto (VIII.26), que documenta esta atitude e, ao mesmo tempo, a prática de prosseguir as competições olímpicas, mesmo com o inimigo no território. Vale a pena transcrevê-lo, embora um pouco longo:

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«Vieram ter com eles uns poucos de trânsfugas da Arcádia, que precisavam de ter com que viver e queriam trabalho. Quando os levaram à presença do grande Rei, os Persas perguntaram-lhes que estavam os Gregos a fazer. Havia um que, mais do que todos, insistia nesta pergunta. Eles responderam que os Helenos estavam a celebrar os Jogos Olímpicos e contemplavam os concursos gímnicos e hípicos. Perguntou então qual era o prémio proposto, pelo qual lutavam. E eles referiram-se à concessão da coroa da oliveira. Então Tritantaicmes, filho de Artábano, exprimiu uma opinião nobilíssima, que lhe valeu o apodo de cobarde por parte do grande Rei. Ao ser informado de que o prémio era uma coroa, e não dinheiro, não se conteve que não exclamasse diante de todos: “Ai, Mardónio, que homens são esses com quem nos levas a combater, se eles não lutam pela riqueza, mas só pela superioridade?”»

O prémio era, portanto, uma coroa de oliveira brava (recorde-se que, em Jogos Olímpicos celebrados há poucos anos, se retomou simbolicamente esse uso).

FotoAbertura oficial dos Jogos Olímpicos 2012, em Londres, 27.7.2012 (Getty Images)

A entrega dos prémios tinha lugar no último dia, à entrada do Templo de Zeus. Após essa cerimónia, celebrava-se uma festa no Pritaneu, para a qual se convidavam também os representantes das cidades gregas e outras personalidades importantes. No dia seguinte, principiava o regresso. À sua chegada, podia até derrubar-se parte das muralhas para o vencedor entrar no seu carro puxado por quatro cavalos. Alguns deles obtinham uma celebração ainda mais alta, encomendando a um grande poeta uma ode. Se quase nada temos dos epinícios de Simónides, restam-nos, pelo menos, os de Baquílides, em boa parte, e, sobretudo,14 Odes Olímpicas de Píndaro. E, com esta curta enumeração, passamos pelos mais altos cumes da lírica coral grega.

FotoAcendimento da tocha olímpica. Olímpia, Grécia, maio 2012

Mas não são só os epinícios que criam este laço com a historiografia e a arte literária. O próprio Heródoto também lá deu um recital de parte da sua obra. Também sofistas como Hípias iam exibir a sua arte retórica a todas as Olímpiadas; e Górgias, o criador da posa de arte em ático, igualmente aí discursava. Anos mais tarde, Lísias, um dos maiores oradores do cânone, pronuncia o seu Discurso em Olímpia, em que define estas celebrações como «uma parada da inteligência no lugar mais belo da Grécia».

Uma prática em que se consagra o ideal da perfeição física e da coragem e que dá lugar ao desenvolvimento das artes, sobretudo da arquitetura e da escultura, e à difusão da literatura em prosa e em verso, proporcionando o encontro de representantes de toda a Hélade, essa é a grande mensagem dos antigos Jogos Olímpicos.

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Maria Helena da Rocha Pereira
Professora catedrática, jubilada, da Universidade de Coimbra
Prémio de Cultura Árvore da Vida - Padre Manuel Antunes 2008
In Jornal de Letras, 25.7.2012
28.07.12

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