Entrevista
Jorge Barreto Xavier, secretário de Estado da Cultura: Seria importante que a Igreja pudesse ter um diálogo com as culturas contemporâneas
Jorge Barreto Xavier nasceu em Goa, em 1965. É licenciado em Direito, com a pós-graduação de Gestão das Artes. Foi fundador e presidente da direção do Clube Português de Artes e Ideias, consultor para a Educação da Fundação Calouste Gulbenkian e diretor-geral das Artes. É membro de diversas redes europeias na área da cultura e educação. Desde 2012 é Secretário de Estado da Cultura. A entrevista que se segue foi dada, por escrito, ao “Observatório da Cultura”.
O que é hoje a cultura portuguesa?
Não me atrevo a definir a cultura portuguesa hoje. Se já é difícil qualificar a cultura portuguesa no tempo histórico, pelas múltiplas abordagens (historiográficas e dentro delas as suas escolas, sociológicas, antropológicas, filosóficas, políticas, religiosas...), mais especulativa ainda é a procura de um limite conceptual onde se confine a cultura portuguesa hoje. Mais não posso pois que um exercício de olhar individual sobre um bem comum, um bem que nos informa como portugueses, individualmente tomados, e como portugueses, enquanto comunidade.
Nestes termos, a cultura portuguesa hoje corresponde à convocação contemporânea do património histórico em todas as suas dimensões, através de mecanismos de interpretação, crítica e consequente representação, convocação associada ao olhar mítico e sincrético que sempre acompanha mesmo os mais clarividentes, pois nenhuma síntese suficientemente clarificadora é possível ao olhar humano. Corresponde à associação destas dimensões com as manifestações contemporâneas, tangíveis e intangíveis, no quadro da determinação do que se considera legítimo e ilegítimo.
Concretamente, diria que a cultura portuguesa hoje beneficia de um sólido lastro identitário que se conjuga com capacidades criativas contemporâneas nos mais diversos domínios artísticos, literários e outros, que representam a superação da dicotomia cultura erudita/cultura popular pela regra da multiplicidade inerente à sobreposição de uma cultura analógica a uma cultura digital e a um tempo histórico, económico, social, político, religioso, determinado pela vertigem, pelo risco, pela dúvida, pelo hedonismo, por uma ideia de verdade associada ao imanente e por um relativismo que apesar de estar em dúvida ainda é dominante.
Nestes termos, a cultura portuguesa em muitos aspetos não se distingue operativamente de outras culturas europeias ocidentais, antes correspondendo, pela identidade histórica, pelos hábitos e costumes, a um regionalismo europeu dos mais sólidos e criativos, respeitado no contexto internacional. É uma cultura aprisionada por fraturas geracionais e dificuldades de fazer comunidade e definir o interesse comum, apesar de todos nós portugueses, de uma forma ou outra, amarmos esta terra e este lugar/tempo que é o nosso.
Que prioridades defende para a ação governativa nesta área?
Salvaguardar o património móvel e imóvel, tangível e intangível, contribuir para o desenvolvimento das artes contemporâneas, estabelecer conexões entre cultura e educação e procurar tornar a cultura um veículo de cidadania, coesão, qualidade de vida para todos, independentemente de classe social, condição económica, etnia ou localização no território.
Não teme que a redução atual dos meios económicos ponha em causa a sobrevivência de projetos e iniciativas culturais importantes?
A redução atual de meios económicos é um dado da realidade portuguesa e europeia. Devemos preocupar-nos pelas limitações na ação que tal redução pode provocar ou provoca. Mas devemos também procurar modelos novos de fruição e distribuição que permitam operar em contexto de restrição, para concretizar as prioridades acima definidas.
Como considera o contributo da Igreja no campo da cultura?
A Igreja é um dos atores sociais de maior importância em toda a história portuguesa. Os seus contributos, positivos e negativos, marcaram indelevelmente a nossa sociedade. Considero que seria importante a Igreja, para lá de salvaguardar o património que detém, na medida das suas possibilidades, pudesse ter um diálogo aberto e profícuo com a (s) cultura (s) contemporânea (s).
Se tivesse de escolher uma obra emblemática do nosso património artístico qual escolheria? E porquê?
Escolher obras de arte é sempre uma dificuldade, pois cada uma é um universo e ao mesmo tempo só um fragmento. Por isso prefiro, em vez de escolher, limitar-me a referir. Refiro a obra contínua de Herberto Helder, um monumento à concentração, à limpidez da palavra sobre o ruído que inunda todas as praças das nossas cidades, uma casa de encontro com a peregrinação para o monte que a todos nos cabe, independentemente de alguma vez termos o privilégio de chegar ao cume e desse ponto contemplar o interior de nós próprios.
Esta entrevista integra o número 20 do "Observatório da Cultura" (novembro 2013).
© SNPC | 11.11.13

Jorge Barreto Xavier






