Vemos, ouvimos e lemos
Paisagens
Pedras angulares A teologia visual da belezaQuem somosIgreja e CulturaPastoral da Cultura em movimentoImpressão digitalVemos, ouvimos e lemosPerspetivasConcílio Vaticano II - 50 anosPapa FranciscoBrevesAgenda VídeosLigaçõesArquivo

Arte

A Ausência do Corpo: Lourdes de Castro e a "Sombra Deitada"

«We name "soul" to be a "thin insubstantial human image, in its nature a sort of vapour, film, or shadow… mostly palpable and invisible, yet also manifesting physical power".», Edward B. Taylor, Primitive Culture, vol.1 (London 1871)

Lourdes de Castro (1930) optou em 1957 por sair do país, vindo a beneficiar de uma bolsa de estudo da Fundação Calouste Gulbenkian. Após estadia em Munique, fixou-se em Paris. Juntamente com René Bertholo fez parte do grupo KWY.

O seu trabalho em Paris aparenta um registo abstracionista muito próximo do registo dos expressionistas abstratos. Porém, a partir de 1961 decidiu abandonar os suportes tradicionais da pintura. A sensibilidade e abertura ao trabalho dos Nouveau Réalistes levou Castro a colecionar objetos, a dispô-los em caixas, atuando sobre eles, uniformizando-os com uma só cor (por exemplo ao usar o prateado, Lourdes conferia de novo valor aos objetos desaproveitados).

Os objetos são de uso corrente, são bens de consumo desperdiçados, são memórias da vida quotidiana. Ora, o cuidado pela coleção de objetos, aparentemente sem valor, e a necessidade de camuflagem trouxeram um aprofundar da presença/ausência desses objetos – trouxeram o interesse pelo trabalho da sombra.

O contorno, a silhueta, a sombra passaram a ser a sua temática, o modo de representar o mundo.

A partir deste tema, Castro desenvolve sombras recortadas, sombras projetadas, teatro de sombras, sombras bordadas sobre lençóis – vários modos de registar o fugaz, o efémero, o imaterial, a fuga à representação. O fundo e a figura em silhuetas esvaziadas.

Toda a sua obra futura se definiu a partir desta fixação de silhuetas em tela, em plexiglas, em lençóis… Aliás o plexiglas permitiu-lhe, a partir de 1964, criar objetos-silhueta com sombra própria, favorecida pela sobreposição de placas transparentes mas coloridas. O contorno estabelece-se assim numa dimensão imaterial – a sombra da sombra. 

Castro desenvolve outras ações, para além do domínio da pintura, relacionadas com o teatro e a performance. Entre 1972 e 1973, em Berlim, decide entregar-se exclusivamente ao estudo e aperfeiçoamento do teatro de sombras (a que se dedica a partir de 1966). O teatro de sombras, inspirado na tradição chinesa e nos happenings, efetivou-se a partir de espetáculos como As Cinco Estações (1976) e Linha do Horizonte (1981), feitos em colaboração com Manuel Zimbro.

A obra de Lourdes Castro, na primeira fase dedicada aos objetos a aos recortes, define uma longa reflexão sobre o problema da sombra na pintura. Sombra, ambiguidade, eco, vazio, desmaterialização, temas igualmente desenvolvidos por Jorge Martins, Ana Vieira, Noronha da Costa e Cruz Filipe. 

Em 1968, Lourdes de Castro começou a bordar sobre lençóis contornos de sombras, tendo abandonado totalmente o suporte de parede para passar a fazer algo muito mais relacionado com o quotidiano, investindo em objetos que questionavam o estatuto moral e metafísico da obra de arte. A atividade iniciada por Lourdes de Castro abre-se a uma prática mais artesanal que se aproxima do homem comum. As "Sombras Deitadas", em 1969, aparecem sobre a cama, em lençóis estendidos, sozinhas ou acompanhadas. Num registo intimista existe uma clara vontade de Castro em conciliar o seu trabalho com o dia a dia.

É a desmaterialização do objecto, que passa a ser nada. É paradoxo porque a presença do objeto aconteceu outrora e não faz mais parte do momento da perceção, ficando a dúvida de se a memória é algo que se possui ou algo que se perde.

Lourdes de Castro revela o banal, mas altera o conhecimento que se tem sobre ele porque no lençol não está um corpo deitado; está antes o carimbo desse corpo, que outrora fora presença e que agora se tornou ausência. É tão subtil o gesto que até pode passar despercebido. A sombra traz a frieza, a indiferença, congelando um momento, que fixo não se distingue – muito no seguimento das obras de Duchamp e neo-dadas. O elemento que se regista é o irreal, o impalpável. As situações eleitas são tão familiares que coincidem com vida. 

ImagemLourdes Castro, Sombra deitada

 

Ana Ruepp
© SNPC | 24.06.14

Redes sociais, e-mail, imprimir

Imagem
Lourdes de Castro, Sombra deitada

 

Ligações e contactos

 

 

Página anteriorTopo da página

 


 

Receba por e-mail as novidades do site da Pastoral da Cultura


Siga-nos no Facebook

 


 

 


 

 

Secções do site


 

Procurar e encontrar


 

 

Página anteriorTopo da página