As primeiras eleições livres em Portugal após a revolução de 25 de abril de 1974, com vista à escolha dos partidos que haveriam de elaborar e votar a nova Constituição, estiveram no centro das atenções do episcopado, que apelou à participação da população no escrutínio.
Em comunicado divulgado na sequência da assembleia plenária de 27 de novembro de 1974, a Igreja católica em Portugal, pela voz dos seus bispos, relembrava, no seguimento de uma anterior Carta Pastoral, a necessidade de «todos se inscreverem a tempo e corretamente nos cadernos eleitorais, para depois votarem com toda a liberdade e consciência».
«A Igreja, ao mesmo tempo que apela para a afirmação política dos cristãos, respeitando as suas legítimas opções, procura assegurar a sua própria isenção política», apontavam os prelados, que reiteravam a oposição à integração de padres nas listas de partidos concorrentes às eleições de 25 de abril de 1975
Pelo facto de a isenção política da Igreja ficar «prejudicada com o facto de sacerdotes aceitarem cargos políticos ou exercerem atividades de política partidária», o episcopado «pronunciou-se pela incompatibilidade» entre essas «atividades e o exercício da jurisdição e do ministério da palavra, do qual serão temporariamente desvinculados».
A menos de duas semanas das eleições para a Assembleia Constituinte, os bispos voltaram a juntar-se em reunião plenária, de 8 a 12 de abril, igualmente em Fátima, tendo realçado a «possibilidade de o povo manifestar o que realmente pensa do tipo de sociedade nova a construir em Portugal».
«Daqui resulta que todos os inscritos nos cadernos eleitorais devem aproveitar esta oportunidade, que lhes é proporcionada, de exercerem um direito cívico tão fundamental, direito que é ao mesmo tempo um gravíssimo dever de consciência, pois se encontra em jogo opções que não só condicionam o futuro da vida portuguesa mas ainda a realização pessoal de cada um», assinalavam.
«Ninguém, pois, se deve abster de votar. Isto supõe a obrigação de cada qual previamente se esclarecer sobre os partidos em confronto. Tal esclarecimento, porém, não implica necessariamente uma análise exaustiva dos programas, mas aquele conhecimento do que é e do que propõe cada partido, suficiente para fazer uma opção conscienciosa. Assim, ninguém deveria votar em branco», acrescentava o comunicado final da assembleia plenária.
Os bispos manifestavam a convicção de que «o bom senso da generalidade do povo português» conduziria à escolha, de «entre todos os partidos que prometem uma sociedade mais justa, livre e feliz, os que dão maiores garantias de seriedade, competência e sintonia com a maneira de ser dos portugueses, recusando, pelo contrário, aqueles que apontam para as vias do ódio e da violência ou da aventura utópica».
A nota dos prelados também sugeria critérios orientadores para os católicos, referindo as «diversas as opções partidárias por que podem legitimamente decidir-se», tendo «sobretudo em vista o bem comum da sociedade pátria, em que devem ter lugar todos os portugueses sem exceção».
«Este bem comum, além dos valores económico-sociais, inclui valores mais altos, de ordem cultural e religiosa, sem os quais a realização individual e coletiva dos homens ficaria mutilada», lembravam os bispos.
Segundo o episcopado, «o cristão deve acautelar especialmente os valores que mais diretamente se prendem com o seu destino temporal e eterno, como são a religião, a família, a educação, a dignidade do trabalho, a justa participação nos bens materiais e espirituais ao serviço da pessoa humana, e a liberdade frente a qualquer espécie de opressão, económica, ideológica ou política».
«O que está vedado aos católicos é dar o voto a partidos que, pelos seus princípios ideológicos, pelos objetivos e processos que preconizam, ou pela realização histórica para que tendem, se lhes afigurem incompatíveis com a concepção cristã do homem e da sua vida em sociedade», alertava o episcopado.
O comunicado termina expressando «a esperança» de que as eleições «decorram em clima de paz, de liberdade e de civismo, e contribuam para o bem do Povo português».
Rui Jorge Martins