É sempre doce naufragar no mar da música de Olivier Messiaen (1908-1992); entre as ondas e ondulações de harmonias que parecem não conhecer horizontes espaciotemporais, sempre tão próximas da linha do Infinito.
Mas são precisamente as palavras do compositor francês a ajudar o ouvinte a orientar-se entre as mil correntes de um longo e fascinante percurso criativo, impulsionado por uma contínua tensão para o Mistério: «De facto, a única realidade é de outra ordem: ela coloca-se no âmbito da fé. É através o encontro com um Outro que nós podemos compreendê-la».
Assim, não é por acaso que Marcus Creeb tenha reunido algumas entre as mais significativas obras corais de Messiaen sob o emblemático título de "L'amour et la foi" (“O amor e a fé”).
A dirigir a Orquestra de Câmara Nacional Dinamarquesa, o Ensemble Vocal Nacional e o Coro Nacional do mesmo país, o maestro inglês assumiu um árduo desafio artístico e interpretativo, enfrentando um tríptico de partituras que culmina nos “Cinq rechants per piccolo coro” (1948), uma das mais importantes e difíceis partituras de Messiaen, passando pela austera beleza do motete eucarístico “O sacrum convivium!” (1937).
O disco abre com as “Trois petites liturgies de la présence divine per coro femminile, pianoforte, percussioni, ondes Martenor e orchestra” (1943-44).
Trata-se uma obra densa, complexa e de forte sugestão, articulada em três movimentos – a antífona da “conversação interior”, a sequência do “Verbo, cântico divino” e a salmodia da “Ubiquidade por amor” – que revelam uma evidente referência ao antigo repertório gregoriano e que reportam à presença de Deus no ser humano e em toda a criação, mediante uma sequência de “visões sonoras” evocadas por um luz radiosa e resplandecente.
Timoneiro seguro e experiente, Creed segura firmemente o leme, e a grandiosa barca musical de Messiaen aporta uma vez mais são e salva no porto da arte absoluta.
Andrea Milanesi