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O Ressuscitado irrompe mesmo quando os seus não merecem ou esperam

O Ressuscitado irrompe mesmo quando os seus não merecem ou esperam

Imagem "A incredulidade de S. Tomé" (det.) | RUbens | 1613-15 | Museu Real de Belas Artes, Antuérpia, Bélgica

O capítulo final do quarto Evangelho, João 20 (João 21 é um acrescento posterior), deveria ser lido na totalidade para se compreender em profundidade «o primeiro dia da semana», o terceiro dia após a morte de Jesus. O primeiro dia da semana é o dia da ressurreição do Senhor, mas é também aquele em que o Ressuscitado se torna presente no meio dos seus: é o dia do Senhor, o dia da intervenção decisiva de Deus que, ressuscitando Jesus, venceu a morte. Do Novo Testamento sabemos também que precisamente «o primeiro dia da semana» foi escolhido pelos cristãos para estarem «no mesmo lugar», qual assembleia de irmãos e irmãs que experimentam a vinda do Ressuscitado no meio deles.

Descida a noite daquele dia, o desconforto reina nos corações dos discípulos que não tinham acreditado nem na Madalena nem no discípulo amado. Mas Jesus tinha prometido: «Ainda um pouco, e deixareis de me ver; e um pouco mais, e por fim me vereis», e fiel à palavra dada vem e «pôs-se no meio deles». Jesus é visto pelos discípulos no meio deles, no centro da sua assembleia, como aquele que cria e dá unidade, que «atrai tudo a si».

Naquela posição de "Kýrios", de Senhor, o Ressuscitado diz «a paz seja convosco!», a saudação messiânica, palavra eficaz que transporta paz, vida plena, e expulsa o medo. E para que as palavras sejam autenticadas pela sua pessoa de Mestre, Profeta e Messias conhecido pelos discípulos na sua vida com Ele, Jesus mostra as mãos e o lado que ostentam ainda os sinais da sua paixão e morte.

Jesus está presente com um corpo que não é um cadáver reanimado, mas que chega com as portas fechadas, não obedecendo às leis do tempo e do espaço: um «corpo de glória», um «corpo espiritual», no qual permanecem, contudo, os sinais do ter sofrido a morte por amor. São sinais de paixão e ao mesmo tempo de glória, sinais do amor vivido «até ao fim, ao extremo».



A carne é lugar de conhecimento ao serviço da Palavra de Deus que a habita: eis a morada do Espírito Santo. Por isso, como Jesus foi concebido carne pelo Espírito Santo e de uma mulher, assim também a Igreja é gerada pelo Espírito Santo e pela humanidade, e do sopro do Espírito faz a sua respiração



«Os discípulos encheram-se de alegria por ver o Senhor.» Acontece o que Jesus tinha profetizado: «Vós vos sentis agora tristes, mas Eu hei-de ver-vos de novo! Então, o vosso coração há-de alegrar-se e ninguém vos poderá tirar a vossa alegria». Nesta nova situação da comunidade, o Ressuscitado, que tinha prometido não a deixar órfã e dar-lhe outro Consolador, torna-se manifesto. Repete a saudação «a paz seja convosco!» e anuncia: «Como o Pai me enviou, também Eu vos envio». Os discípulos acolheram o enviado de Deus, seguiram-no e acreditaram nele; agora são enviados a todo o mundo, para ser como Ele, Jesus, foi em toda a sua vida: testemunhas da verdade, da fidelidade de Deus, isto é, do seu amor pela humanidade. Com a sua vida devem mostrar que «Deus amou tanto o mundo que lhe deu o seu único Filho».

Para estarem habilitados para essa missão, têm de ser recriados: é precisa uma imersão no Espírito Santo, é preciso o Espírito como novo sopro no coração de carne. Então Jesus, o Ressuscitado que respira o Espírito Santo, infunde-o na sua comunidade. Nós, cristãos, vasos de argila frágeis e pecadores, pelo dom de Jesus ressuscitado respiramos o Espírito Santo que perdoa os pecados e nos habilita à vida eterna no Reino de Cristo. Somos por isso o corpo de Cristo, o «templo do Espírito Santo». O mesmo Espírito que ressuscitou Jesus da morte é doador de vida aos discípulos, e de «companheiro inseparável de Cristo» (Basílio de Cesareia), torna-se companheiro inseparável para cada cristão. É Ele, presente em cada discípulo e discípulo, que recorda as palavras de Jesus, que o torna presente e testemunha que Ele é o Senhor.

O Espírito Santo, Espírito de Deus e Sopro de Cristo, é-nos dado na nossa condição de corpo humano, de carne. Não nos esqueçamos que no quarto Evangelho a carne é o lugar da humanização de Deus - «a Palavra fez-se carne» -, o lugar escolhido por Deus para estar connosco e no meio de nós. A carne é lugar de conhecimento ao serviço da Palavra de Deus que a habita: eis a morada do Espírito Santo. Por isso, como Jesus foi concebido carne pelo Espírito Santo e de uma mulher, assim também a Igreja é gerada pelo Espírito Santo e pela humanidade, e do sopro do Espírito faz a sua respiração.



Da cruz e da ressurreição a humanidade foi reconciliada com Deus, mas tal acontecimento deve ser anunciado a todos, e os discípulos são enviados por isto: onde chegarem devem fazer reinar a misericórdia de Deus, devem viver o mandamento último e definitivo do amor recíproco, devem perdoar os pecados uns aos outros, habilitados por isso a pedir o perdão dos pecados a Deus



Mas isto tem uma repercussão decisiva na vida dos cristãos: significa remissão dos pecados, porque a experiência da salvação que possamos fazer na Terra é precisamente a remissão dos pecados. Cantamo-lo a cada manhã no "Benedictus": «Para dar a conhecer ao seu povo a salvação pela remissão dos seus pecados». Receber o Espírito Santo é receber essa remissão, isto é, viver a ação do Senhor que não só perdoa, mas esquece os nossos pecados, fazendo de nós criaturas novas. Esta é a epifania da misericórdia de Deus, do amor de Deus profundo e infinito que, quando nos atinge, nos livra das culpas e nos recria numa novidade que nós não nos podemos dar. E tome-se atenção para não entender este texto só como fundamento da Reconciliação. A capacidade de libertar da culpa e de fazer misericórdia é dada por Jesus a todos os discípulos: não só aos onze, porque no cenáculo o dia de Pentecostes estão também as mulheres, está Maria juntamente com outros discípulos e discípulas.

Jesus, «o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo», batizando no Espírito Santo os discípulos, habilita-os para a sua missão: perdoar, reconciliar com Deus e com os irmãos e irmãs. Da cruz e da ressurreição a humanidade foi reconciliada com Deus, mas tal acontecimento deve ser anunciado a todos, e os discípulos são enviados por isto: onde chegarem devem fazer reinar a misericórdia de Deus, devem viver o mandamento último e definitivo do amor recíproco, devem perdoar os pecados uns aos outros, habilitados por isso a pedir o perdão dos pecados a Deus.

E que fique claro: as palavras de Jesus que acompanham o gesto de soprar o Espírito - «àqueles a quem perdoardes os pecados, ficarão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ficarão retidos» - são exprimidas através de um estilo semita que se serve de expressões contrastantes para afirmar com mais força uma realidade. Não significam um poder que os discípulos poderiam utilizar segundo o seu arbítrio; ao contrário, exprimem que a sua tarefa é a remissão dos pecados, o perdão, como foi dado por Jesus, que em toda a sua vida nunca condenou, mas disse sempre que veio não para julgar e condenar, antes para que todos «tenham a vida em abundância». «Como o Pai me enviou, também Eu vos envio», onde este «como» remete para um estilo: «Como Eu remi os pecados, também vós deveis remi-los; e com esta tarefa que vos envio».

Feita esta experiência, os discípulos anunciam a Tomé, ausente na primeira manifestação do Ressuscitado: «Vimos o Senhor!». É o anúncio pascal que deveria ser suficiente para acolher a fé no Ressuscitado. Mas Tomé não acredita, aquelas palavras parecem-lhe delírios de nenhuma confiança.



Reconhecendo nos estigmas o amor vivido por Jesus, Tomé faz a confissão de fé mais alta e plena de todos os Evangelhos: Jesus é o Senhor, Jesus é Deus. É por isso que quem vê Jesus, vê o Pai; é por isso que Jesus é a interpretação do Deus que nunca ninguém viu nem pode ver; é por isso que Jesus é «o Vivente» para sempre. Tomé não é, decerto, um modelo, ainda que nele nos possamos reconhecer



«Oito dias depois», portanto no primeiro dia da segunda semana após o túmulo vazio, eis Tomé e os outros novamente juntos. É o primeiro mas também o oitavo dia, dia da plenitude, e todavia os discípulos ainda têm medo dos que mataram Jesus. Deveriam levar o anúncio pascal a toda a Jerusalém mas em vez disso permanecem fechados, dominados pelo medo. Mas Jesus torna-se de novo presente: «Jesus veio, pôs-se no meio deles e disse: "A paz seja convosco!"». Eis a fidelidade de Jesus, aquele que vem entre os seus mesmo quando não o merecem e não estão à sua espera. Antes de tudo entrega a paz, «a sua, não a do mundo», depois dirige-se a Tomé, dito Dídimo, o «gémeo» de cada um de nós. Tomé é o gémeo em que há, como em nós, a lógica do querer ver para crer. Tomé é como nós: quando se perfila o acontecimento da ressurreição, vemos morte; quando Jesus anuncia que nos precede, não sabemos qual é o caminho; quando temos de confiar no testemunho dos nossos irmãos e irmãs, queremos ser aqueles que veem...

Jesus vem no entanto também para Tomé e também a ele se faz ver com os sinais do seu amor: os estigmas da sua paixão imprimidos para sempre na sua carne gloriosa. A ressurreição elimina os sinais da morte e do pecado mas não os sinais do amor vivido, porque ter amado tem uma força que transcende a morte. Toda a cura dos doentes que as mãos de Jesus praticaram, todas as carícias que Ele deu, todo o seu amor vivido, todas as forças libertadas do seu seio são visíveis também no seu corpo ressuscitado. Jesus, então, convida Tomé a aproximar-se e a meter o seu dedo naqueles estigmas.

E aqui, atenção, não está escrito que Tomé tenha colocado o seu dedo, mas que disse: «Meu Senhor e meu Deus!». Reconhecendo nos estigmas o amor vivido por Jesus, Tomé faz a confissão de fé mais alta e plena de todos os Evangelhos: Jesus é o Senhor, Jesus é Deus. É por isso que quem vê Jesus, vê o Pai; é por isso que Jesus é a interpretação do Deus que nunca ninguém viu nem pode ver; é por isso que Jesus é «o Vivente» para sempre. Tomé não é, decerto, um modelo, ainda que nele nos possamos reconhecer. Por isso Jesus diz-lhe: «Felizes aqueles que, sem terem visto, acreditaram». É conhecendo o amor vivido pelo Crucificado que se começa a acreditar: milagres e aparições não nos fazem aceder à verdadeira fé. Só a palavra de Deus contida nas santas Escrituras, só o amor de Jesus de que o Evangelho é anúncio e narração, só o estar no espaço da comunidade dos discípulos do Senhor, nos podem levar à fé, fazendo-nos invocar Jesus como «nosso Senhor e nosso Deus».



 

Enzo Bianchi
In "Monastero di Bose"
Trad.: SNPC
Publicado em 21.04.2017

 

 
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