Agregado ao Instituto de França, o filósofo e crítico Roland Barthes (1915-1980) elaborara a sua "lectio"inaugural sobre um tema que ele próprio considerava ultrapassado, a «sabedoria», e definiu assim: «A sabedoria é nenhum poder, um pouco de saber, um pouco de inteligência e o máximo de sabor possível.» Não por acaso, este vocábulo deriva do verbo latino "sapere"que, como primeira aceção, tem, precisamente, o «ter sabor». Nesse sentido, continuava com humildade: «Há uma idade em que se ensina aquilo que se sabe; mas depois vem outra em que se ensina aquilo que não se sabe: chama-se a isso procurar.» Na reflexão anterior encontrámos a voz arrogante do "nabal" (do «insipiente») que, negando a Deus, se sente autorizado a voltar-se contra o próximo, não seguindo qualquer lei moral transcendente. Agora, pelo contrário, fazemos subir à ribalta o seu antípoda: o sábio, o sapiente, o "hakam" bíblico, cujas orações pontuam o Saltério.
É precisamente a porta de entrada da coletânea sálmica, o Salmo 1, que apresenta à nossa meditação o par antitético do descrente e do crente, do ímpio e do justo, do estulto e do sábio. Dois retratos que encarnam um modelo clássico em muitas culturas, o dos «dois caminhos»: «A vereda dos justos é como a luz da aurora, que cresce até ao romper do dia. O caminho dos ímpios é tenebroso» (Pr 4,18-19). Cada um de nós é colocado na encruzilhada da qual partem estes dois caminhos: «Repara que coloco hoje diante de ti a vida e o bem, a morte e o mal… a bênção e a maldição: escolhe…» (Dt 30,15.19). Esta escolha é descrita no início do nosso salmo. Perfila-se, em primeiro lugar, o horizonte da perversão. O salmista trata com subtileza a psicologia da tentação e da queda mediante uma trilogia verbal: «Feliz o homem que não segue o conselho dos ímpios, nem se detém no caminho dos pecadores, nem toma parte na reunião dos libertinos!» (Sl 1,1).
O primeiro ato é um simples «entrar», um «seguir» segundo uma curiosidade superficial pela atração que o mal exerce sobre todos. Vem depois um segundo momento: é o mais duradouro «deter-se», um parar à escuta. Daí cai-se na aquiescência duradoura, numa convivência habitual: o homem já está "sentado", participando nos projetos da assembleia dos malvados. Eis, porém, também o outro caminho, antitético em relação ao do descrente, que não reconhece qualquer lei divina. O sábio, com efeito, «põe o seu enlevo na Lei do Senhor e nela medita dia e noite» (v. 2). É, portanto, a Torá, a Palavra de Deus, que «torna a mente sábia» (Sl 19,8). O salmista deixa implicitamente em suspenso uma interrogação em quem lê o seu cântico: tu estás do lado de quem? O fascínio do mal cativou-te de forma subtil? Ou o teu coração bate pela verdade e a justiça, e o teu rosto irradia a luz divina?
Precisamente para levar as pessoas a optar pela sabedoria, pelo bem, pela Palavra de Deus, ele formula um novo díptico, desta vez associado ao mundo agrícola e vegetal. Eis, então, por um lado, um quadro de grande frescura, aliás já «pintado» por Jeremias (17,7-8): o sábio será «como a árvore plantada à beira da água corrente: dá fruto na estação própria e a sua folhagem não murcha» (Sl 19,3). Num panorama desértico, sob o sol ardente, ergue-se uma árvore luxuriante e carregada de frutos: ao lado corre um riacho cujas águas dessedentam as suas raízes. Por outro lado, eis o quadro oposto, situado numa eira, no tempo da colheita. A pá levanta o trigo no ar, de modo a fazer voar a palha: os malvados «são como a palha que o vento leva» (v. 4). Ocorrem-nos de imediato as pala- vras de João Batista em relação a Cristo: «Tem na mão a pá de joeirar, para limpar a sua eira e recolher o trigo no seu celeiro; mas queimará a palha num fogo inextinguível» (Lc 3,17).
À solidez e à fecundidade da árvore opõe-se a vacuidade e a aridez da palha, volátil e inconsistente. A figura do justo na tradição cristã transformar-se-á na do Justo e Sábio por excelência, Cristo, e a árvore simbólica – como ensina São Justino – transformar-se-á na árvore da cruz, «lenho que frutifica para nós com as águas do Batismo». De qualquer modo, a nossa vida continua a ser claramente interpelada: muitas vezes realizamos obras vãs e vazias, fruto mais de uma busca do prestígio pessoal ou geradas por inconfessáveis movimentos de soberba, de prevaricação e de sede de êxito. Não é necessariamente o mal, mas a inconsistência e a superficialidade, a multiplicação de ações e de coisas exteriores. Alguns admiravam-se de que Sócrates fosse muitas vezes ao mercado da ágora de Atenas. A quem lhe perguntava porque lá ia, ele replicava: «Vou descobrir todas as coisas das quais não preciso!» É a palha da vaidade e da banalidade, da insensatez ou da insipiência, que se opõe ao vigor e à seriedade da árvore da sabedoria. O escritor austríaco Robert Musil (1880-1942), na sua obra-prima "O homem sem qualidades", escrevia: «Não existe uma única ideia da qual a estupidez não se tenha sabido servir; ela está pronta e é versátil, podendo envergar todas as vestes da verdade. A verdade, pelo contrário, tem uma única veste e um único caminho, e está sempre em desvantagem.»
Chegados a este ponto gostaríamos de propor uma segunda reflexão que associamos precisamente ao conceito simbólico, e portanto global, que a sabedoria bíblica tem da realidade. Como se lê no primeiro relato «sacerdotal» da criação, toda a criatura é "tôb", ou seja, «boa/bela». Ética e estética entretecem-se, bondade e beleza são irmãs. É espontâneo, portanto, compreender por que razão o Saltério nos convida a «cantar hinos com arte» (cf. Sl 33[32],3), e em hebraico temos um termo magnificamente sapiencial, "maskîl", que entre outras coisas percorre uns treze títulos dos Salmos, e que a Vulgata traduz, precisamente, por "psallite sapienter". Devemos, portanto, rezar de modo sapiente, quanto ao conteúdo, e belo, quanto à forma. Na carta destinada ao clero que acompanhava a sua "Dissertatio de Psalmis", o famoso bispo de Meaux, Jacques-Bénigue Bossuet (1627-1704), advertia que «para cantar a Deus com sapiência, há que aprender cada vez mais a cantar com erudição e inteligência».
Abre-se, assim, diante de nós, um capítulo temático muito complexo e delicado, o da música sacra, que os títulos apostos aos salmos evocam, precisamente, com a indicação de árias, instrumentos, termos técnicos musicais e modalidades executivas. Deixemos ressoar dentro de nós, então, o Salmo 150, a doxologia final do Saltério, o canto do aleluia final, que brota em cascata, quase como no Aleluia do "Messias" de Händel. O fio orante dos cento e cinquenta salmos, entretecidos por muitas lamentações e por poucas alegrias, percursos do alento da vida, do murmúrio do mundo e até dos gritos das batalhas, chega à liturgia e torna-se louvor livre e sereno a Deus. Para esta celebração no templo também é convocada a orquestra formada por sete instrumentos: o chifre, a harpa, a cítara ou lira vertical, o tambor, os vários instrumentos de corda, a flauta e os címbalos.
A eles se vêm juntar tanto a dança ritual (no Salmo 118,27 também se convidava a «formar o cortejo dançante com ramos frondosos»), como um instrumento vivo: a respiração de cada ser vivo, que é não só o som dos instrumentos de sopro da orquestra e a voz do coro, mas também o alento de vida de cada criatura, como sugeria o livro judaico do "haggadah", com um relato homilético exemplar. Neste, uma rã replicava a David, orgulhoso pela sua lira, os seus textos sálmicos e o seu canto, coaxando: «David, não te orgulhes! Eu canto mais do que tu, com todo o meu ser, em honra de Deus!» Ainda no Judaísmo, Elie Wiesel, prémio Nobel da Paz em 1986, afirmava que os anjos, depois de terem aparecido a Jacob descendo de uma escada que unia o céu e a terra (Gn 28,10-22), esqueceram-se de retirá-la. É a escala musical, que nos pode conduzir da terra ao céu.
Os salmos são poesia, canto e música, e, por isso, seguem a "via pulchritudinis" para rezar e falar do Deus «esplêndido e magnífico» (Sl 76,5). No primeiro livro das Crónicas, os cantores e os músicos recebem, também eles – como Beçalel, o artífice da arca da aliança e da tenda santa com as suas alfaias sagradas (Ex 31,3-5) – uma «inspiração» do Espírito de Deus; tanto é assim que o termo hebraico que indica a execução musical é o mesmo da atividade profética: "nb’"(1Cr 25,1). Beleza e fé são irmãs porque ambas procuram o infinito e o eterno, visto que a arte – como observava o pintor Paul Klee – não representa o visível, mas o Invisível presente no visível. E, como escrevia, em 2002, o então cardeal Ratzinger, «a beleza fere, mas precisamente por isso chama o homem ao seu destino último». Agora, recorrendo a uma assonância etimológica, poderíamos dizer que a ferida infligida pela arte à humanidade é uma «seteira» aberta sobre o absoluto, sobre o transcendente, sobre o divino. O poeta francês Paul Valéry (1871-1945) recordava que «o pintor não deve pintar aquilo que vê, mas aquilo que verá». Tal como a fé, a arte deve conduzir-nos à escatologia, ou seja, à plenitude de sentido.
A arte, porém, também é ferida no corpo vivo, cria tensão, e até sofrimento, como quando há uma chaga aberta na nossa carne. Outro grande pintor, Georges Braque (1882-1963), reconhecia que «a arte é feita para perturbar, ao passo que a ciência nos tranquiliza». Da contemplação de um quadro de Caravaggio ou do "Juízo"de Miguel Ângelo, na Capela Sistina, não podemos sair incólumes. A perturbação de Pedro crucificado ou a irrupção do alto do braço e da mão divina que quer «agarrar», «impugnar» (cf. Fl 3,12) o Paulo que ficara cego, no caminho para Damasco, que Miguel Ângelo pintou na Capela Paulina, são uma representação provocatória da vocação divina que subverte a ordem da vida. A inquietação que a ferida gera no corpo é o símbolo da inquietação da arte e da fé, na esteira do célebre lema agostiniano: "Inquietum est cor nostrum, donec requiescat in te".A meta comum da beleza e da fé é, com efeito, o infinito divino que para a arte é um jorro de luz e para a fé é uma pessoa que nos espera. E, para alcançar essa meta, que está para lá dos sentidos e da própria racionalidade, é necessária a «inspiração», ou seja, a graça.
A liturgia deve voltar a ser a sede da beleza que comunica com a fé, refletindo juntas a presença de Deus, beleza suprema – nem que seja nas novas gramáticas que a arte, a música e a arquitetura contemporânea adotaram (basta pensar no que já tinha acontecido quando a pureza monódica do gregoriano foi substituída pela trama múltipla das vozes polifónicas). Dever-se-ia poder repetir a sugestão de São João Damasceno, que convidava o pagão desejoso de conhecer a fé cristã a entrar na igreja e a contemplar os ícones, as imagens e as cenas sagradas.
A liturgia, um pouco como a arte, é mistério e revelação, é transcendência e iluminação. A ação litúrgica genuína não é apenas «mistérica», com o risco do sacralismo esotérico, mas tão-pouco é inteligibilidade da assembleia, com o risco de banalização, transformando-se numa espécie de congresso. Com as palavras de Bento XVI dirigidas aos artistas vindos de todo o mundo e reunidos na Capela Sistina, em 2009, concluímos recordando que arte e fé revelam o sentido da história e da vida: a arte «é movimento e ascensão, é tensão inexausta para a plenitude, para a felicidade última, para um horizonte que excede sempre o presente, enquanto o atravessa».
Card. Gianfranco Ravasi