O papa Francisco reuniu-se hoje, no Vaticano, com Ahmad al-Tayyib, grande imã da Universidade de Al-Azhar, no Cairo, restabelecendo desta forma as relações entre a instituição e a Santa Sé, interrompidas desde 2006, quando o papa emérito Bento XVI pronunciou um discurso em Ratisbona, na Alemanha, que causou várias reações adversas no mundo islâmico.
O encontro, que demorou cerca de 25 minutos, foi selado por um abraço entre o papa e o grande imã, revela a página do jornal italiano "Avvenire".
Para o egípcio muçulmano Wael Farouq, professor de língua árabe nas universidades Americana do Cairo e Católica de Milão, a reunião poderá constituir um impulso importante para a paz e dar força às tendências reformistas no mundo islâmico, onde as correntes radicais estão a ganhar terreno.
Em que se baseia o seu otimismo?
Há uma lógica no itinerário que conduziu Bergoglio a encontrar outros líderes cristãos e muitas autoridades políticas: Obama, Putin, o iraniano Rohani. É uma lógica filha daquela cultura do encontro que é um dos pilares do seu pontificado. Francisco é uma pessoa certa da sua fé, e esta certeza torna-o disponível para encontrar seja quem for e a ver em cada pessoa e em cada cultura uma possibilidade de enriquecimento antes de uma ameaça. Este modo aberto de conceber a relação com a alteridade é o antídoto mais poderoso para a violência, a suspeita e o ceticismo que estão cada vez mais presentes no mundo. E é um ingrediente necessário para perseguir o bem comum, algo que não se pode construir unilateralmente mas apenas caminhando em conjunto.
Quando se dialoga com os muçulmanos, não existindo uma autoridade univocamente reconhecida, há sempre o problema da representatividade do interlocutor. E atualmente a autoridade de al-Azhar é posta em discussão de vários pontos do mundo islâmico.
A universidade de al-Azhar continua a ser, indiscutivelmente, o ponto de referência que tem mais seguidores na componente sunita da “Umma” [comunidade dos povos islâmicos], que é de longe a mais numerosa. Está a fazer um percurso de sentido reformista do pensamento islâmico, tendente a uma maior abertura, e o encontro no Vaticano insere-se nesta dinâmica. Se este percurso é encorajado também pelo exterior, aumentam as possibilidades de se por eficazmente às corrente wahabitas apoiadas e financiadas pela Arábia Saudita, que por sua vez financiam as formações mais radicais e violentas, entre as quais o autodenominado Estado Islâmico e a al-Qaeda.
Há 10 anos o discurso pronunciado por Bento XVI em Ratisbona foi objeto de críticas ferozes da parte muçulmana, e está na origem da rutura de relações entre a universidade al-Azhar e o Vaticano. O que é que mudou deste então?
As palavras de Ratzinger foram objeto de uma colossal mistificação, antes de tudo a nível mediático, e provocaram reações despropositadas e instrumentais. O papa tinha exortado todos a um uso correto da razão, que é o verdadeiro antídoto contra a violência, mas prevaleceu uma leitura em chave anti-islâmica. A tenacidade com que o atual pontífice procura valorizar toda a possibilidade de diálogo pode representar a base para reatar o diálogo e o caminho conjunto. A sua figura é muito apreciada entre os muçulmanos: são cada vez mais aqueles que não o consideram o chefe do partido cristão, mas um guia religioso que tem no coração o bem de todos. E que sabe colher em cada interlocutor uma possibilidade de bem. Isto ajuda as posições de quem, no nosso mundo, trabalha para sair da autorreferencialidade e de um fechamento que nos isola do mundo e trava a mudança.
Depois do atentado à redação do semanário parisiense Charlie Hebdo, alguns disseram que “o problema” são as religiões, porque incendeiam os ânimos e impelem à violência em nome de princípios absolutos. O cardeal Tauran responde que as religiões não são o problema mas são parte da solução. O encontro de hoje pode dar um sinal nesta direção?
Antes de tudo é preciso fazer uma operação de verdade. É inegável que há quem instrumentaliza a religião, mas quero recordar que um relatório da Europol certificou que só seis por cento dos episódios de violência têm uma raiz religiosa. Em geral é preciso reconhecer que uma experiência religiosa autêntica é fonte de concórdia e reconhece no outro um bem precioso. O encontro de hoje nasce desta convicção, esperamos que traga frutos de bem.
Giorgio Paolucci