Manuel Cargaleiro com o presidente da República | Lisboa | 16.3.2017 | © Presidência da República
O presidente da República condecorou hoje Manuel Cargaleiro, precisamente no dia do 90.º aniversário do pintor e ceramista que assinou o painel de azulejos policromados da igreja de Santo António de Moscavide (1956).
A obra, não figurativa, foi elogiada na época por conseguir «tirar um efeito surpreendente de cores e matéria rica, mostrando deste modo a possibilidade que grandes painéis de azulejo oferecem quando integrados em exteriores de arquitetura moderna», o que para o país «tem um significado especial, porquanto se retoma uma tradição antiga com fortes raízes em Portugal».
A par do louvor, o projeto não ficou isento de crítica, de acordo com a investigação feita pelo arquiteto João Alves da Cunha: «À primeira vista, dá a ideia duma parede toda de vidro. Na realidade, é uma composição de azulejos azuis e brancos, dispostos de maneira a deixar uns orifícios quadrados que dão passagem à luz para o interior. (…) À primeira impressão, sentimos certa dificuldade em afastar a ideia dum grande "atelier"».
Projetada pelos arquitetos João de Almeida e António Freitas Leal, a igreja de Santo António contou também com obras de Lagoa Henriques e José Escada.
Nascido no ano de 1927 em Vila Velha de Ródão, Cargaleiro «é uma referência da arte portuguesa desde meados do século XX até à atualidade, mas com uma vida e obra radicadas desde essa altura em Paris, que adotou como a sua cidade», escreve hoje Sérgio C. Andrade no Público.
«A minha pintura é, e foi sempre, vertical-horizontal, no primeiro plano. Seja mais figurativa ou menos figurativa, mais abstrata ou menos abstrata, funciona normalmente nessa dimensão», sublinha.
E a obra nasce de momentos iluminados ou requer aplicação contínua? «É preciso estar a trabalhar quando a inspiração passa. Se não, não acontece nada. E na minha vida tenho sido sempre um grande trabalhador. Para mim, pintar é tão necessário como comer. Quando digo pintar, tanto pode ser gravar, pintar azulejo… Tudo».
Ainda estudante, foi nomeado professor na escola António Arroio, em Lisboa, mas arriscou deixar a docência para se dedicar à criação artística, investindo num «grafismo que transmite o estado de alma da pessoa num dado momento» e que «não é uma coisa abstracta, é uma situação real».
«Paul Klee tem num dos livros dele uma frase que acho muito interessante: “Há linhas de tristeza, linhas de alegria, linhas de felicidade…”. Quer dizer, as sensações podem-se transmitir por linhas», explica Manuel Cargaleiro.
De outubro de 1956 a julho de 1957 esteve em Itália, graças a uma bolsa atribuída pelo Estado, e quando regressou a Portugal «a Maria José Mendonça – que, como eu, fazia parte do movimento de renovação da arte religiosa, de quem era presidente o Nuno Teotónio Pereira – tinha sido levada pelo Azeredo Perdigão para o Serviço de Belas Artes da Gulbenkian».
«Então ela disse-me “precisamos de uns jovens para dar uma bolsas; não está interessado em ir para o estrangeiro com uma bolsa da Gulbenkian?”. Eram as primeiras bolsas da fundação! Disse logo que sim, e fui para Paris», recorda.
Manuel Cargaleiro juntou-se ao Movimento de Renovação de Arte Religiosa após a fundação, ocorrida em 1953, acompanhado por nomes como Nuno Portas, Diogo Lino Pimentel, Luiz Cunha, Sebastião Formosinho Sanchez, Erich Corsépius, José Escada, Eduardo Nery e Vitorino Nemésio.
Hoje há uma fundação com o seu nome em Castelo Branco, distrito a que pertence Vila Velha de Ródão, e também com o seu nome existe um centro de artes municipal, no Seixal. Continua a trabalhar e divide-se entre Portugal, Itália e França, mas a "sua" cidade continua a ser Paris.
«Tornou-se, e é, um dos nossos artistas fundamentais, por isso o Estado português o homenageia e condecora», afirmou Marcelo Rebelo de Sousa ao condecorar Manuel Cargaleiro com a Grã-Cruz da Ordem do Infante Dom Henrique.
Igreja de Santo António de Moscavide | D.R.
Igreja de Santo António de Moscavide | D.R.