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Os três papas em Auschwitz e Birkenau

Imagem Auschwitz | Libertação de prisioneiros | 1945 | © Reuters

Os três papas em Auschwitz e Birkenau

A visita-peregrinação do papa Francisco a Auschwitz-Birkenau, prevista para a manhã de sexta-feira 29 de julho, suscitou, como seria de esperar, muito interesse na imprensa poucas horas após ter sido anunciada.

Francisco deslocar-se-á em peregrinação de oração, em silêncio, àquele sacrário da dor, 37 anos depois da primeira visita de um papa (João Paulo II, 7 de junho de 1979) e dez anos após a segunda, de Bento XVI (28 de maio de 2006).

Três papas, três biografias, três percursos pastorais e três estilos no exercício do ministério episcopal, e contudo substancialmente o mesmo gesto de dor, de consternação e de total proximidade não só a um povo – o judeu – que deveria ser completamente exterminado, mas uma reflexão no lugar onde o homem tocou a sua miséria e malvadez mais horrível, onde a eliminação do “outro” (quer fosse judeu ou adversário político, homossexual ou cigano) foi executada com lucidez e frieza metódica.

 

João Paulo II

S. João Paulo II, papa polaco, celebrou a Eucaristia e pronunciou uma comovente homilia em Auschwitz-Birkenau: «Um lugar que foi construído sobre o ódio e sobre o desprezo do homem em nome de uma ideologia louca. Um lugar que foi construído sobre a crueldade. A ele conduz uma porta sobre a qual está colocada uma inscrição: “Arbeit Macht frei” [o trabalho liberta], que tem um som sardónico, porque o seu conteúdo era radicalmente negado por aquilo que acontecia aqui dentro».

Depois, Karol Wojtyla observou: «Pode ainda alguém admirar-se que o papa, nascido e educado nesta terra, o papa que foi para a Sé de São Pedro da diocese em cujo território se encontra o campo de Auschwitz, tenha iniciado a sua primeira Encíclica com as palavras “Redemptor hominis” e que a tenha dedicado no conjunto à causa do homem, à dignidade do homem, às ameaças contra ele e por fim aos seus direitos inalienáveis que tão facilmente podem ser espezinhados e aniquilados pelos seus semelhantes? Basta revestir o homem com um uniforme diferente, armá-lo com todos os meios da violência, basta impor-lhe a ideologia em que os direitos do homem são submetidos às exigências do sistema, completamente submetidos, a ponto de não existir realmente...?».

 

Bento XVI

Em 2006 o papa Bento XVI, alemão, preferiu um longo momento de oração, seguido de um dos seus discursos mais fortes e impressionantes: «O papa João Paulo II veio aqui como filho daquele povo que, ao lado do povo judeu, teve que sofrer mais neste lugar e, em geral, durante a guerra».

Depois, acrescentou: «Hoje eu vim aqui como um filho do povo alemão, e precisamente por isto devo e posso dizer como ele: não podia deixar de vir aqui. Tinha que vir. Era e é um dever perante a verdade e o direito de quantos sofreram, um dever diante de Deus, de estar aqui como sucessor de João Paulo II e como filho do povo alemão filho daquele povo sobre o qual um grupo de criminosos alcançou o poder com promessas falsas, em nome de perspetivas de grandeza, de recuperação da honra da nação e da sua relevância, com previsões de bem-estar e também com a força do terror e da intimidação, e assim o nosso povo pôde ser usado e abusado como instrumento da sua vontade de destruição e de domínio. Sim, não podia deixar de vir aqui».

A seguir, afirmou: «O nosso grito a Deus deve ao mesmo tempo ser um grito que penetra o nosso próprio coração, para que desperte em nós a presença escondida de Deus para que aquele seu poder que Ele depositou nos nossos corações não seja coberto e sufocado em nós pela lama do egoísmo, do medo dos homens, da indiferença e do oportunismo».

«Quantas perguntas surgem neste lugar! Sobressai sempre de novo a pergunta: onde estava Deus naqueles dias? Por que se silenciou Ele? Como pôde tolerar este excesso de destruição, este triunfo do mal? Vêm à nossa mente as palavras do Salmo 44, a lamentação de Israel que sofre: "... Tu nos esmagaste na região das feras e nos envolveste em profundas trevas... por causa de ti, estamos todos os dias expostos à morte; tratam-nos como ovelhas para o matadouro. Desperta, Senhor, por que dormes? Desperta e não nos rejeites para sempre! Por que escondes a tua face e te esqueces da nossa miséria e tribulação? A nossa alma está prostrada no pó, e o nosso corpo colado à terra. Levanta-te! Vem em nosso auxílio; salva-nos, pela tua bondade!" (Sl 44, 20.23-27). Este grito de angústia que Israel sofredor eleva a Deus em períodos de extrema tribulação, é ao mesmo tempo um grito de ajuda de todos os que, ao longo da história ontem, hoje e amanhã sofrem por amor de Deus, por amor da verdade e do bem; e há muitos, também hoje», vincou Bento XVI.

 

Francisco

Dentro de alguns dias acontecerá a visita do papa Francisco, que decorrerá de maneira diferente. Não está prevista a celebração da missa, e por isso não haverá homilia, nem sequer um discurso.

Francisco, que inicialmente tinha perspetivado uma alocução, esclareceu recentemente, em conferência de imprensa realizada no avião que fazia a viagem entre a Arménia e Roma, a 26 de junho: «Desejo ir àquele lugar de horror sem discursos, sem gente, apenas os poucos necessários… É certo que haverá jornalistas. Mas em saudar este ou aquele… Não, não. Sozinho, entrar, rezar… E que o Senhor que dê a graça de chorar».

Desta forma, Francisco encerrará uma espécie de catequese pontifícia sobre o Holocausto: oração, reflexão e silêncio nos lugares, não os únicos, que se tornaram símbolo de uma das páginas mais negras da humanidade, o arbítrio e o poder de morre total do homem sobre o homem.

Não foi por acaso que no Yad Vashen, a 26 de maio de 2014, Bergoglio afirmou: «Neste lugar, memorial da “Shoah”, sentimos ressoar esta pergunta de Deus: “Adão, onde estás?”. Nesta pergunta está toda a dor do Pai que perdeu o filho. O Pai conhecia o risco da liberdade; sabia que o filho poderia perder-se… mas talvez nem sequer o Pai podia imaginar uma tal queda, um tal abismo. Aquele grito – “onde estás?” –, aqui, diante da tragédia incomensurável do Holocausto, ressoa como uma voz que se perde num abismo sem fundo».

 

Luis Badilla, Francesco Gaglian
In "Vatican Insider"
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 21.07.2016

 

 
Imagem Auschwitz | Libertação de prisioneiros | 1945 | © Reuters
Basta revestir o homem com um uniforme diferente, armá-lo com todos os meios da violência, basta impor-lhe a ideologia em que os direitos do homem são submetidos às exigências do sistema, completamente submetidos, a ponto de não existir realmente...?
Quantas perguntas surgem neste lugar! Sobressai sempre de novo a pergunta: onde estava Deus naqueles dias? Por que se silenciou Ele? Como pôde tolerar este excesso de destruição, este triunfo do mal?
Neste lugar, memorial da “Shoah”, sentimos ressoar esta pergunta de Deus: “Adão, onde estás?”. Nesta pergunta está toda a dor do Pai que perdeu o filho. O Pai conhecia o risco da liberdade; sabia que o filho poderia perder-se… mas talvez nem sequer o Pai podia imaginar uma tal queda, um tal abismo
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