Meditação
Para uma espiritualidade da cura
Alguns cristãos ficam embaraçados com as curas de Jesus. Não sabemos verdadeiramente o que fazer das curas miraculosas narradas pelos evangelhos. É possível crer atualmente em milagres? Seja qual for a resposta, como poderemos ignorar o facto histórico que Jesus fazia curas?
Em primeiro lugar, importa sublinhar que Jesus pretendia uma cura integral. A nossa distinção moderna entre cura física e psicológica ou espiritual é desconhecida da Bíblia, assim como das tradições africanas. Mesmo quando os sintomas se manifestavam claramente sobre o corpo ou dentro dele, é de maneira holística que aquelas tradições compreendem a doença e o tratamento, abordagem que os médicos ocidentais começam hoje a redescobrir.
Neste sentido, a atividade curativa de Jesus ultrapassou em muito as curas miraculosas descritas pelos evangelhos. O seu hábito de tratar as pessoas como objeto de um perdão incondicional, libertando-as de toda a culpabilidade ou de todo o pecado, tinha um poderoso efeito curativo sobre aqueles a quem se repetia a torto e a direito que eram culpados.
Sanzio Raffaello, Pesca milagrosa
Podemos facilmente imaginar como a aproximação de Jesus a estes casos poderia levar qualquer pessoa às lágrimas, como se pode ver claramente no episódio da mulher que chora de maneira tão abundante que o narrador pôde escrever que as suas lágrimas banharam os pés de Jesus (Lucas 7, 38). “Os teus pecados estão perdoados”. “A tua fé te salvou-te. Vai em paz » (Lucas 7, 48, 50).
É importante reter que a palavra traduzida aqui por “curada”, sesoken (que também se pode traduzir como “restabelecida” ou “salva”) é utilizada nos evangelhos para designar tanto o que poderíamos chamar uma cura física como uma cura espiritual.
Duccio de Buoninsegna, Bodas de Caná
O carácter holístico da atividade curativa de Jesus aparece distintamente na história do paralítico que é feito passar pelo teto (Marcos 2, 2-12 e narrativas paralelas). Jesus cura-o dizendo-lhe de uma maneira inesperada: “Os teus pecados estão perdoados”; e depois: “Levanta-te e vai para tua casa”. Este homem sofria manifestamente de um sério complexo de culpabilidade que paralisava todo o seu corpo. Depois de um profeta como Jesus lhe ter assegurado que os seus pecados tinham sido perdoados e que não havia mais nenhuma razão para se sentir culpado, pôde levantar-se e andar.
Dificilmente se pode exagerar o efeito curativo da pregação e do ensino de Jesus. Ao repor o mundo no seu lugar, deve ter dado um apaziguamento incalculável àqueles e àquelas que se sentiam esmagadas e desfavorecidos pelo sistema da época. Tanto nas suas parábolas como nos seus ensinamentos diretos, Jesus procurava abrir os olhos dos seus contemporâneos para que eles vissem o mundo de maneira diferente, para que eles o vissem tal como é verdadeiramente e, sobretudo, para que eles vissem Deus como nosso Pai que ama e que perdoa, que é nosso abba.
Sebastiano del Piombo, Ressurreição de Lázaro
É através da metáfora da visão que Jesus exprime esta consciência. “A lâmpada do corpo são os olhos; se os teus olhos estiverem sãos, todo o teu corpo andará iluminado” (Mateus 6, 22 e paralelos). Pelo contrário, alguns não vêem nitidamente porque têm um “argueiro” no olho (Mateus 7, 3). E é bem verdade que ver as coisas tal como elas são verdadeiramente torna-nos livres. E cura.
A boa nova do reino ou da família de Deus, onde todos serão iguais e onde tudo será partilhado, e o começo da sua realização nas comunidades que já se formavam em torno de Jesus e nessas refeições festivas que construíram a sua reputação devem ter sido acolhidas com uma enorme gratidão e criado uma grande onda de esperança, dado que conseguiram curar séculos de feridas, ressentimentos, inseguranças e angústias. Que paz e conforto esta boa nova deve ter trazido a um povo inquieto!
Albert Nolan (adapt.)
In Spiritualité 2000
Trad. / Adapt.: rm
© SNPC (trad.) |
07.07.10
Milagre dos pães e peixes







