O papa Francisco autorizou esta segunda-feira a proclamação das «virtudes heroicas» da portuguesa Teresa Saldanha, fundadora da Congregação das Irmãs Dominicanas de Santa Catarina de Sena.
A partir desta declaração, inserida no processo com vista à canonização, Teresa Saldanha poderá vir a ser declarada "Beata", caso seja reconhecido um milagre ocorrido por sua intercessão, e, mais tarde, "Santa", se se verificar a existência de novo milagre.
Teresa Rosa Fernanda de Saldanha Oliveira e Sousa nasceu a 4 de setembro de 1837, em Lisboa, e morreu na mesma cidade a 8 de janeiro de 1916.
Proveniente de uma família nobre, Teresa nasceu no Palácio da Anunciada, na Rua das Portas de Santo Antão, em Lisboa.
A mãe teve um papel preponderante na sua orientação, primeiro na vertente educacional proporcionando-lhe o ensino de línguas, música e arte, e na domensão religiosa, iniciando-a na prática da misericórdia através da Associação de Nossa Senhora Consoladora dos Aflitos, que fundou em 1848 com o intuito de prestar socorro às famílias que viviam na pobreza.
Em 1855, com dezoito anos, ao pintar o "Ecce Homo", Teresa sentiu o primeiro apelo místico e fez voto de castidade; um ano mais tarde redigiu um escrito onde declarou claramente a sua opção de exclusividade a Deus e ao serviço dos pobres.
Dirigiu o Colégio de Santa Marta para Meninas Pobres, apoiado pelas Filhas da Caridade de S. Vicente de Paulo que se encontravam em Portugal exercendo a sua missão de atender aos pobres e desprotegidos.
Em 1859, fundou, em Lisboa, com algumas amigas, e dirigiu durante toda a sua vida a Associação Protetora das Meninas Pobres, com estatutos aprovados pela Santa Sé, a 21 de Abril de 1863. Esta associação está na origem da fundação da Congregação das Dominicanas de Santa Catarina de Sena, fundada em 1868.
Teresa dedicava-se à educação de crianças pobres e à alfabetização e promoção de raparigas operárias através de aulas externas. Em 1862, as religiosas francesas foram expulsas de Portugal e Teresa, inconformada, lutou contra esta lacuna assistencial. Foi a primeira mulher fundadora em Portugal após a extinção das ordens religiosas.
Distinguiu-se na pintura, tendo aprendido com Tomás José da Anunciação, e revelou talento para pintar paisagens, retrato ou motivos profanos, a par da preferência pela iconografia religiosa.
Faleceu com fama de santidade aos 78 anos, despojada dos seus bens, que lhe tinham sido retirados com a implantação da República.
À data da sua morte erigira 27 comunidades religiosas em Portugal (17), Brasil (6), Bélgica (1), EUA (2) e Espanha (1).
Nascendo e vivendo num tempo difícil para a Igreja em Portugal, Teresa Saldanha ousou desafiar as leis vigentes e fundou, na clandestinidade, uma congregação, com o objetivo de evangelizar Portugal e de proporcionar a outras jovens o seguimento de Jesus na vida religiosa.
Três anos antes do seu nascimento, em 1834, os conventos tinham sido fechados e os religiosos expulsos. Em Lisboa, a sua cidade natal, grassava a fome, as epidemias, a ignorância, o analfabetismo, a exploração das mulheres e crianças nos trabalhos fabris.
A obra de Teresa Saldanha nasceu no Bairro de Alfama, um dos mais pobres e populosos de Lisboa, mas foram mais de trinta os locais da capital abrangidos pela sua ação evangelizadora e de promoção. E a sua obra rapidamente se estendeu de norte a sul do país.
Os últimos patriarcas de Lisboa referiram-se a Teresa de Saldanha, reconhecendo o seu carisma, a sua santidade.
D. Manuel Cerejeira, em 1939, declarou: «Madre Teresa de Saldanha é a glória da Ordem Dominicana, em Portugal.»
D. António Ribeiro sintetizou o seu carisma profético, numa homilia de 1987: «Sendo rica, sobretudo em bens de cultura e linhagem de nascimento, não receou fazer-se pobre por amor dos pobres. Logo na juventude, dedicou-se com entusiasmo à Associação Protetora das Meninas Pobres, da Rua de Santa Marta, onde exerceu relevante atividade. E mais tarde, quando pensa fazer-se religiosa, é sempre o serviço dos pobres que a seduz. Deseja uma congregação voltada para a promoção dos mais desfavorecidos.
«Ela própria assim escreve: “Em Lisboa nada existia, nesse tempo, de comunidades religiosas dedica das à vida ativa; nem Hospitaleiras, nem Doroteias; as Irmãs de Caridade francesas tinham sido expulsas; portanto, a falta tão grande de uma congregação que se dedicasse ao serviço dos pobres e educação de crianças fez-me desejar imenso trabalhar para realizar o meu sonho, o que assim parecia nesse tempo semelhante plano, pelas dificuldades que se julgavam invencíveis"».
A história das Dominicanas de Santa Catarina de Sena diz como o sonho se realizou e as dificuldades se venceram. Desde o começo, as irmãs cuidaram dos doentes, dos diminuídos, dos marginalizados, e ofereceram educação e instrução a numerosas gerações de poucos haveres.
E, mesmo quando a fundadora decidiu abrir os seus colégios a alunas mais abastadas, fê-lo a pensar nos pobres, pressentindo, justamente, que não é possível promover os mais desfavorecidos sem converter os ricos, sem formar mulheres e homens novos, de coração aberto aos clamores da pobreza e da miséria moral e material.»
D. José da Cruz Policarpo, na Sessão de Clausura do seu Processo Diocesano, a 17 de novembro de 2001, reconheceu que «com a sua vida e virtudes, Teresa de Saldanha iluminou a sociedade e a Igreja do seu tempo, como exemplo vivo do amor de Deus e do próximo. Cremos que pode continuar a brilhar e a interceder não só nesta Igreja de Lisboa, que ela amou, mas em toda a Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo de quem ela hoje é santa.»
D. Manuel Clemente conhece bem a vida desta católica de Lisboa e escreveu diversos artigos acerca dela. Citamos este pequeno testemunho, de 22 de novembro de 1999:
«É importante apresentar Teresa de Saldanha como um exemplo raro de persistência de fé e obras, de afirmação da sua vocação religiosa feminina. É de uma convicção e persistência pouco vulgares, vai para a frente, apesar de grandes resistências de muitas partes.
«A época era muito difícil para as mulheres que desejavam seguir a vida religiosa. Persistir na vocação, naquele tempo, era heroico. Considero a sua canonização muito oportuna porque é um modelo para todos os fiéis».
O seu processo de canonização decorre em Roma, e algumas cidades de Portugal e do Brasil quiseram perpetuar a sua memória, dando o seu nome a ruas, casas e instituições.
O Ano Jubilar por ocasião dos 100 anos da morte de Teresa Saldanha termina no dia 9 de janeiro de 2016, numa grande celebração, em Fátima, inserida num encontro internacional.
A ação da congregação que fundou, presente hoje em Portugal, Brasil, Angola e Moçambique, incide na educação feminina e de crianças, serviço aos pobres, assistência e ensino a deficientes e invisuais, auxílio a doentes e idosos e promoção social da infância e juventude, bem como na evangelização.
Da Congregação das Irmãs Dominicanas de Santa Catarina de Sena nasceram dois ramos: em 1931 a vida contemplativa (Mosteiro de Nossa Senhora da Eucaristia, Lamego) e em 1952 a Congregação de Vida Apostólica, Dominicanas de Kenosha, EUA.
A Associação Nossa Senhora Consoladora dos Aflitos, sediada no Convento dos Cardaes, em Lisboa, é hoje uma instituição particular de solidariedade social que cuida de pessoas cegas e com várias deficiências.
Uma comunidade de religiosas de Santa Catarina de Sena vive neste espaço, cuidando, a tempo inteiro, das 38 senhoras com deficiência, contando com a ajuda de técnicas, auxiliares e de voluntárias externas para as diversas atividades.
A Associação é também responsável pela administração, conservação do património e animação cultural do Convento dos Cardaes.
A congregação tem outras «casas de assistência», bem como «comunidades de inserção», «comunidades de acolhimento», creches e jardins de infância, além de se dedicar ao ensino através de estabelecimentos educativos.
Em 2012, a Editorial Cáritas lançou o livro "Teresa de Saldanha - A obra sócio-educativa", de Helena Ribeiro e Castro, que o historiador António Matos Ferreira classifica de «primeiro estudo em profundidade» sobre a religiosa e que possui «inegável atualidade e originalidade».
A «singularidade» de Teresa de Saldanha, «sobretudo conhecida como católica, proveniente do círculo mais elevado da sociedade liberal com intuitos reformadores» não deriva apenas «de questões de método ou de novidades didáticas», assinala o investigador.
«A escolha de uma dedicação aos outros» foi «alimentada por uma fortíssima devoção eucarística»: «A prática da comunhão frequente, pouco comum à época, significava uma disciplina interior cuja vivência respeitava o procedimento assumido na sua vida pessoal e na relação de envolvimento com os que estavam à sua volta», explica Matos Ferreira no prefácio.
A ação de Teresa de Saldanha, salienta, «não pretendia a revolução societária enquanto mudança política, mas assentava em algo que dizia respeito à questão da consciência e às decorrentes práticas, no sentido objetivo da utilidade: educar para mudar, mudar para socorrer os aflitos e os necessitados, com particular atenção ao feminino».
Rui Jorge Martins