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Papa Francisco fala pela primeira vez de arte em detalhe

Imagem Capa (det.) | D.R.

Papa Francisco fala pela primeira vez de arte em detalhe

«Não devemos ter medo de encontrar e utilizar novos símbolos, novas formas de arte, novas linguagens, mesmo aquelas que parecem pouco interessantes a quem evangeliza ou aos curadores, mas que são todavia importantes para as pessoas, porque sabem falar às pessoas.»

Pela primeira vez desde o início do pontificado, o papa Francisco fala detalhadamente de arte através de um novo livro, "La mia idea de arte" ("A minha ideia de arte"), organizado por Tiziana Lupi, editado pelos Museus do Vaticano/Mondadori e lançado no primeiro dia de dezembro em Itália.

«A arte, além de ser um testemunho credível da beleza da criação, é também um instrumento de evangelização. Olhemos para a Capela Sistina: que fez Miguel Ângelo? Um trabalho de evangelização», considera Francisco, recordando que nas catedrais medievais «o catecismo estava nas esculturas de pedras».

Francisco afirma que «a Igreja usou sempre a arte para demonstrar a maravilha da criação de Deus e da dignidade do homem criado à sua imagem e semelhança, assim como o poder da morte e a beleza da ressurreição de Cristo».

«A beleza une-nos e, como também disse S. João Paulo II, citando Dostoievski, salvar-nos-á. Seguir Cristo não é só uma coisa verdadeira mas também bela, capaz de preencher a vida de alegria, até nas dificuldades de todos os dias. Neste sentido, a beleza representa uma via para encontrar o Senhor», salienta.

Para o papa, «os museus devem acolher as novas formas de arte. Devem escancarar as portas às pessoas de todo o mundo. Ser um instrumento de diálogo entre as culturas e as religiões, um instrumento de paz. Serem vivos. Não poeirentas recolhas do passado apenas para os "eleitos" e os "sábios", mas uma realidade vital que saiba proteger esse passado para o contar aos homens de hoje, a começar pelos mais humildes».

Para ilustrar o pensamento de Francisco são escolhidas 11 obras entre esculturas, pinturas e monumentos, ilustradas com fotografias a cores, consideradas exemplos de arte capazes de levar a todos a mensagem evangélica. O volume percorre as vicissitudes históricas e artísticas das obras analisadas, com particular atenção à iconografia e simbologia de cada uma, a par de factos curiosas e até inéditos.

Apresentamos a tradução de um excerto do livro, publicado na edição de hoje do jornal do Vaticano, "L'Osservatore Romano".

 

A arte das boas ações - Os últimos nas representações pictóricas
Tiziana Lupi
In "Papa Francesco. La mia idea de arte"

Apesar de se crer que a arte do passado só representou sujeitos mitológicos, bíblicos, heroicos ou aristocráticos, na realidade são muitas as obras onde os "descartados" da sociedade comparecem em primeiro plano, ainda que como atores secundários. E são muitos os casos em que os "descartados" se afirmaram como atores principais da própria representação.

Um exemplo impressionante é a série das chamadas "Obras de misericórdia", conservadas na Pinacoteca do Vaticano: trata-se de seis pequenas tábuas a têmpera e ouro pintadas presumivelmente em 1404 por Olivuccio de Ciccarello, que ao apresentar as simples "boas ações" pedidas a cada cristão para entrar no Reino dos Céus, mostram como fio condutor a escolha de considerar dignos de representação os "destituídos", os "descartados" da sociedade, no mesmo plano de todas as figuras que compõem a aristocracia da iconografia tradicional, bíblica e mitológica.

Coerentemente com quanto é escrito no Evangelho de Mateus (25,40), «todo aquele que fez a um só destes meus irmãos mais pequenos, a mim o fizestes» (onde os «pequenos» são os mais miseráveis), eis que para descrever com precisão a composição de cada uma das pequenas tábuas fez-se simples, sem perder a intensidade da eficácia.

No «dar de comer aos famintos" os protagonistas são os proprietários de casa com o peregrino faminto, e ainda assim comodamente sentado a uma mesa sumptuosa. Enquanto que o proprietário se preocupa em cortar, ele mesmo, uma apetitosa peça de comida ao homem necessitado, a mulher traz da cozinha uma terrina cheia de um qualquer cozinhado requintado. Mas se à primeira vista o interesse do artista parece concentrar-se na atitude de acolhimento que os ricos proprietários da casa têm para o pobre, na realidade é precisamente este último o personagem mais importante, dado que a sobreposições do "miserável" com Cristo é sublinhada pela auréola de que está munido.

 

ImagemOlivuccio de Ciccarello | Museus do Vaticano

A auréola possuem-na os três mendigos do «dar de beber a quem tem sede», onde, numa espécie de teatro, um servo sai de uma casa nobre enquanto o seu patrão está já aos pés da escada pronto a oferecer-lhes um copo cheio de água.

 

ImagemOlivuccio de Ciccarello | Museus do Vaticano

Para representar a obra de misericórdia de «vestir os nus», Olivuccio pinta em primeiro plano o proprietário de casa que reveste um necessitado em roupa interior, lívido de frio, também graças à ajuda de um servo, que no seu braço leva uma pesada túnica de pano. Enquanto que o proprietário e o servo trocam uma expressão de afetuosa atenção, o que é colocado em evidência é o rosto reconhecido do mendigo, que com as mãos juntas agradece ao seu benfeitor.

 

ImagemOlivuccio de Ciccarello | Museus do Vaticano

Com «visitar os doentes» entramos num quarto de dormir: em primeiro plano uma mulher em sofrimento é acudida pelos parentes, enquanto que um visitante, visivelmente preocupado, sussurra com compaixão com o médico, procurando saber da gravidade da sua condição.

 

ImagemOlivuccio de Ciccarello | Museus do Vaticano

Ainda que a atmosfera da tabuinha que descreve o «visitar os presos» é particularmente escura, talvez por causa do cinzento metálico das barras, que se soma ao inquietante reflexo azulado da armadura do soldado na penumbra, o ambiente serve para sublinhar melhor as duas mãos que se encontram num gesto misericordioso de solidariedade e compreensão.

 

ImagemOlivuccio de Ciccarello | Museus do Vaticano

Na série falta a representação de «acolher os forasteiros», e o ciclo conclui-se com a misericordiosa «sepultura dos mortos». Nesta última tábua, o pintor Olivuccio coloca em cena sete confrades vestidos de branco que depõem dentro de um sarcófago um corpo perfeitamente envolvido num sudário.

Todavia, enquanto que o defunto está munido de uma auréola por ter recebido as piedosas exéquias, os outros dela são privados, e a chamar a atenção é o irmão que segura o estandarte de uma das muitas fraternidades da Senhora da Misericórdia, que ainda hoje, muitos séculos após a sua fundação, concretizam com zelo a função de assistência àqueles que a sociedade "descartou".

 

ImagemOlivuccio de Ciccarello | Museus do Vaticano

 

Rui Jorge Martins
Fontes: L'Osservatore Romano, Mondadori, Avvenire, Museus do Vaticano
Publicado em 06.12.2015

 

 

 
Imagem Capa | D.R.
Os museus devem acolher as novas formas de arte. Devem escancarar as portas às pessoas de todo o mundo. Ser um instrumento de diálogo entre as culturas e as religiões, um instrumento de paz. Serem vivos. Não poeirentas recolhas do passado apenas para os "eleitos" e os "sábios", mas uma realidade vital que saiba proteger esse passado para o contar aos homens de hoje, a começar pelos mais humildes
A beleza une-nos e, como também disse S. João Paulo II, citando Dostoievski, salvar-nos-á. Seguir Cristo não é só uma coisa verdadeira mas também bela, capaz de preencher a vida de alegria, até nas dificuldades de todos os dias. Neste sentido, a beleza representa uma via para encontrar o Senhor
Apesar de se crer que a arte do passado só representou sujeitos mitológicos, bíblicos, heroicos ou aristocráticos, na realidade são muitas as obras onde os "descartados" da sociedade comparecem em primeiro plano, ainda que como atores secundários. E são muitos os casos em que os "descartados" se afirmaram como atores principais da própria representação
As "Obras de misericórdia", conservadas na Pinacoteca do Vaticano, são seis pequenas tábuas a têmpera e ouro pintadas presumivelmente em 1404 por Olivuccio de Ciccarello, que ao apresentar as simples "boas ações" pedidas a cada cristão para entrar no Reino dos Céus, mostram como fio condutor a escolha de considerar dignos de representação os "destituídos"
Se à primeira vista o interesse do artista parece concentrar-se na atitude de acolhimento que os ricos proprietários da casa têm para o pobre, na realidade é precisamente este último o personagem mais importante, dado que a sobreposições do "miserável" com Cristo é sublinhada pela auréola de que está munido
Ainda que a atmosfera da tabuinha que descreve o «visitar os presos» é particularmente escura, talvez por causa do cinzento metálico das barras, que se soma ao inquietante reflexo azulado da armadura do soldado na penumbra, o ambiente serve para sublinhar melhor as duas mãos que se encontram num gesto misericordioso de solidariedade e compreensão
Enquanto que o defunto está munido de uma auréola por ter recebido as piedosas exéquias, os outros dela são privados, e a chamar a atenção é o irmão que segura o estandarte de uma das muitas fraternidades da Senhora da Misericórdia, que ainda hoje, muitos séculos após a sua fundação, concretizam com zelo a função de assistência àqueles que a sociedade "descartou"
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