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Para uma gramática da alegria cristã

Imagem Capa de "Colaboradores da vossa alegria" (det.) | D.R.

Para uma gramática da alegria cristã

O entusiasmo por Deus é a fonte da alegria cristã. «Entusiasmo» significa termos o Espírito de Deus em nós. É o impulso impresso pelo Espírito Santo que une os corações, que os aquece e os leva a agir e a infundir neles a sua força e a sua alegria. Nada de grande nem de corajoso se faz sem entusiasmo. Foi o entusiasmo que fez com que os discípulos do Batista descobrissem o Messias em Jesus, e os levasse a segui-lo (cf. Jo 1,35-42). Foi o entusiasmo que levou a multidão a sentar-se aos pés de Jesus a ouvi-lo [cf. Jo 6,2.10]. E é sempre o entusiasmo que faz com que os Apóstolos vão pelo mundo inteiro, e que leva Pedro e João a dizer: «Quanto a nós, não podemos deixar de afirmar o que vimos e ouvimos» (At 4,20). E foi para testemunhar esse en tusiasmo que o autor dos Atos dos Apóstolos escreveu a propósito dos primeiros cristãos: «A multidão dos que haviam abraçado a fé tinha um só coração e uma só alma» (At 4,32).

 

Entusiasmo por Deus

Se levarmos a sério o sentido pleno do termo «entusiasmo » – o Espírito de Deus em nós –, saberemos que o entusiasmo interior é um dom do Espírito. Deus está presente em nós de modo correspondente ao seu modo essencial de ser, que consiste em comunicar a sua vida e comunicá-la em nós e através de nós. Deus é amor e o amor tende, por sua natureza, a extravasar e a comunicar a vida. Que não haja nenhuma fecundidade sem amor nem nenhum amor sem fecundidade. Deus não é nem pode ser o «eternamente solitário dos mundos». Não tentemos dar falsas imagens de Deus, suscitando pessoas espiritualmente solitárias, que se fecham ao exterior, ou criando comunidades isoladas, uma espécie de «coletivos apartados» que caminham nos incertos espaços de uma espiritualidade problemática! A Igreja – e o sacerdote como seu representante – não pode senão abrir-se, abrir-se cada vez mais, porque é "diffusiva sui" [por sua natureza, a Igreja difunde-se]. A comunidade eclesial só vive a sua vida comunitária na medida em que difundir amor e der vida. O seu entusiasmo – a vida trinitária nela, a fonte da vida – deverá até fazer com que brote dela esta fecundidade indomável.

Atualmente, exige-se uma pastoral do entusiasmo realizada com entusiasmo. Parece que foi exatamente isto que o apóstolo João escreveu aos primeiros cristãos: «O que nós vimos e ouvimos, isso vos anunciamos, para que também vós estejais em comunhão connosco. E nós estamos em comunhão com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo. Escrevemos-vos isto para que a nossa alegria seja completa» (1Jo 1,3-4). Esta fé na Palavra de Deus, esta comunhão, esta alegria e esta vida são, no seu conjunto, a comunhão cristã que não pode nascer sem entusiasmo, mas que pode gerar entusiasmo.

A Igreja não pode viver nem crescer sem entusiasmo, porque é impossível dar vida a uma comunidade, se não se lhe infundir um certo elã. Ela alimenta-se de entusiasmo e vive dele. O entusiasmo não pode ser substituído por manifestações barulhentas de alegria, pelo êxtase apaixonado ou místico. Existe um entusiasmo sóbrio, comedido, contido, silencioso e nada romântico, a sobria ebrietas, a «embriaguez sóbria» que é dom do Espírito (Santo Ambrósio de Milão).

Certas caricaturas sentimentalmente exuberantes do entusiasmo prestaram um mau serviço a este factor essencial da vida cristã e das atividades cristãs. Já nem ousamos falar de entusiasmo com medo de sermos considerados «exaltados»; mas também não pretendemos dizer que o entusiasmo cristão deve renegar todas as manifestações exteriores, todas as explosões de alegria. As contínuas aclamações que se fazem ao longo do ano litúrgico, quando proclamamos "Aleluia" e "Hossana", são uma demonstração do permanente entusiasmo que está no coração da Igreja. A liturgia não é mais do que a expressão do entusiasmo da comunidade: é Deus quem canta em nós ao Deus que mora nos milhões de seres humanos que compõem a Igreja.

O entusiasmo está muitíssimo longe de ser uma excitação puramente humana, porque é a obra da Palavra de Deus no coração dos homens em quem ela acende o amor.

O sacerdote, pregador da Palavra de Deus, deve ser um semeador de entusiasmo. Por isso, o primeiro resultado da sua pregação – seja qual for o seu género – consistirá sempre em elevar os homens, em induzi-los com a força do Espírito Santo a considerarem-se reciprocamente e a unirem-se uns aos outros. A Palavra de Deus assim pregada só poderá conduzir à comunhão.

É dever e tarefa de todos os dias encher os homens de entusiasmo por Deus e pela Igreja, mantendo sempre vivo esse seu entusiasmo. Como todas as realidades vivas, também o entusiasmo pode viver, crescer e morrer. Mas, se morrer, também a alma da Igreja estará em perigo de se extinguir.

O fermento e o sal só vivem misturados na massa. Ao contrário, tornam-se insípidos e degeneram, se permanecerem sozinhos. Assim também uma Igreja que não se abre, que não se esforça por crescer, por comunicar a sua vida aos outros, por irradiar alegria e amor, acabará por estiolar.

O entusiasmo por Deus não é uma música das esferas celestes. Precisa, por assim dizer, de uma «corda humana» para tocar e fazer vibrar. Só um ser humano pode entusiasmar outro ser humano. O Filho de Deus confiou a seres humanos a missão/tarefa de pregar e de promover o seu Reino. Ele quer que a sua Palavra seja pregada por vozes humanas, que penetre no coração das pessoas e encontre neles um eco. O seu Espírito é a fonte do entusiasmo, pois é Ele quem o suscita; quando, porém, não está presente, só há sucedâneos do entusiasmo. Mas o Espírito divino não remove a natureza criada e comporta-se como um artista que acaricia as cordas do seu instrumento; pode ser genial, pode até ser divino, mas precisa das cordas para produzir os sons que as pessoas ouvirão.

Portanto, no nosso ministério deveríamos descobrir, em primeiro lugar, as cordas que o Espírito Santo pode fazer vibrar. É este o segredo da edificação da comunidade, o ponto fulcral de todas as atividades sacerdotais.

 

Alegria no ministério sacerdotal

A alegria de quem sabe que é de Deus gera a alegria pela vocação. A alegria é um fruto do Espírito Santo e ilumina a modéstia da vida e a monotonia da quotidianidade. Devemos cultivar permanentemente esta alegria, porque o cansaço pode extingui-la, o excesso de zelo pode fazer com que nos esqueçamos e a incessante discussão sobre a sua identidade e as suas perspetivas futuras podem ofuscá-la.

Só poderei atrever-me a percorrer o caminho da alegria, se confiar na graça de Deus que me sustenta e apoia, e dá a salvação em todas as situações da vida. Na verdade, «sabemos que tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus» (Rm 8,28). Só a graça do «Deus que chama» pode infundir a força necessária para evitarmos as pedras de tropeço disseminadas ao longo do caminho da minha vida, por que «com o meu Deus saltarei muralhas» (Sl 18,30).

A alegria permanente brota da convicção íntima de que estou a seguir Jesus, de que Ele caminha comigo e de que ela me dá serenidade e liberdade interior. Depois, essa convicção transforma-se na fonte energética da minha missão apostólica junto dos homens. Um testemunho da alegria confere à nossa vida uma grande força de atração, sendo por isso fonte de novas vocações e uma ajuda para perseverar. A nossa decisão de seguir Cristo só se tornará credível se os nossos olhos brilharem e os nossos rostos se mostrarem distendido, relaxados e vivos. Essa alegria nasce durante a caminhada, que é difícil, mas possível, quando acompanhada pela oração: «Sede alegres na esperança, pacientes na tribulação, perseverantes na oração» (Rm 12,12).

«Só Deus nos concede a verdadeira felicidade», escreve Santo Agostinho numa carta endereçada a Macedónio. «Alegrai-vos sempre no Senhor! De novo o digo: alegrai-vos! [...] O Senhor está próximo» (Fl 4,4-5). Segundo esta afirmação paulina, o motivo da alegria é a presença de Deus. Porque Deus está próximo e está presente no nosso ministério, temos razão para nos alegrarmos. A nossa vida e o nosso ministério terão bom êxito, se descobrirmos o sentido mais profundo e o sabor de uma alegria cristã que é diferente de quaisquer outras alegrias.

A verdadeira alegria consiste em estarmos conscientes de que Deus nos concedeu a sua graça, e a todos os outros homens (cf. Lc 2,12.14). A alegria nasce da certeza da fé de que a nossa existência foi tocada e cheia por um grande mistério, o mistério do amor de Deus. Quem só pensa no seu próprio bem e se fixou em si mesmo e nos seus problemas, nunca viverá uma alegria interior. O homem que existe para os outros homens, que dá alguma coisa ao outro, haverá de encontrar a alegria interior. Quando, no nosso ministério, nos damos sobretudo e antes de tudo a Deus, também lançamos o fundamento da nossa verdadeira alegria. (...)

Para podermos realmente viver a alegria precisamos não só de homens e de coisas, mas também de amor e de verdade; precisamos da certeza de que Deus está próximo de nós, que aquece o nosso coração e pode satisfazer as nossas mais profundas aspirações e dar a última resposta às nossas expetativas. A alegria é muito mais que uma simples atmosfera alegre, porque é um dom do Deus presente. Somos chamados a existir na sua presença; consequentemente, somos chamados à alegria, porque Ele faz com que a sua presença contínua no mundo seja visível e experienciável em nós e por meio de nós.

A alegria é um dom do Espírito Santo. Podemos recebê-la dele, mas devemos criar as condições humanas, a fim de que a graça possa ganhar terreno na nossa vida e dar-nos uma tranquilidade serena. Ninguém pode fazer a alegria; mas podemos recebê-la unicamente como um dom e uma graça de Deus; por isso, devemos preparar o terreno e abrir-nos, de modo que essa graça possa avançar em nós e em nós operar esclarecedoramente.

Às vezes, encarregamo-nos de todos os problemas, solúveis e insolúveis da Igreja e do mundo; e, assim destruímos a nossa alegria. É claro que devemos interessar-nos pelos problemas da Igreja e levar a serio as dificuldades das pessoas, como nos ensinou o Concílio Vaticano II. As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias das pessoas de hoje, especialmente as dos pobres e de todos aqueles que sofrem, também são as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo. E não há nada de genuinamente humano que não encontre eco no coração da humanidade (cf. GS, 1).

Porém, às vezes, podemos observar que, já no primeiro semestre como estudantes de Teologia, os candidatos que se acercam ao ministério sacerdotal «sofrem» como se tivessem de carregar aos ombros todo o peso da história da Igreja e todos os problemas e dificuldades da pastoral. Então, a sua preparação para o ministério da cura de almas é acompanhada por uma atitude impregnada de infelicidade e de falta de motivação; atitude esta agravada por alguns formadores e formadoras, que trabalham nos seminários e nos institutos de Teologia, que apresentam como «problemas da Igreja» as suas contradições do foro pessoal.

Mas uma genuína espiritualidade cristã não exige que assumamos os problemas da Igreja e do mundo, pois, desse modo, estaremos continuamente irritados e perderemos a alegria da nossa fé. É absolutamente evidente que na Igreja, como comunidade de homens e mulheres, também teremos conflitos humanos com os nossos correligionários, com os nossos confrades e com as nossas consorores. A antipatia e a simpatia desempenham, na Igreja, exatamente o mesmo papel que em qualquer outra comunidade ou sociedade humana. Por isso, devemos ser capazes de discernir os espíritos, interrogando-nos: o que é que realmente faz parte da nossa fé e da Igreja de Jesus Cristo, e quais os problemas provocados por algumas pessoas que, ao longo da história e no presente, agiram ou agem em nome da Igreja? Na Igreja, podemos ferir-nos e desiludir-nos reciprocamente. Por isso, é muito mais importante que aprendamos a confiar em Deus, independentemente de todos os pecados da Igreja. Devemos confessar, perante nós e diante dos outros, que só em Cristo é que conseguimos amar alguns dos nossos correligionários.

Só encontraremos alegria se, no presente, amarmos conscientemente a Igreja de Jesus Cristo, com tudo o que hoje faz parte dela: porque na Igreja temos os fiéis que agora existem; não há outros. Com eles poderemos percorrer uma parte do caminho da nossa vida e da nossa fé, animados pela confiança de que Deus caminha connosco, na Igreja de hoje, exatamente como fez no passado e como fará no futuro.

É muito importante para a nossa atitude que aprendamos a conhecer bem e diferenciadamente a história da Igreja. Mas não deveríamos olhar somente para o passado nem unicamente nos concentrarmos no que, nessa história, não foi bom aos olhos dos nossos contemporâneos. O mesmo se diga da nossa vida e do nosso ministério pessoal. Não nos deveríamos fixar no que há de negativo na nossa vida, nem naquilo que não realizámos ou que não conseguimos fazer. Na história da Igreja há muitas coisas belas e também na nossa vida pessoal. Deveríamos reunir estas recordações para, depois, com a ajuda de Deus, tirarmos delas maior proveito. Nem só no nosso tempo há dificuldades; todas as gerações de sacerdotes se encontraram perante a necessidade de transformar o seu tempo. Pensemos no apóstolo Paulo e nos numerosos santos que, empenhadamente, edificaram com a sua vida a Igreja do seu tempo. A alegria só brota, se aprendermos a viver o nosso presente, pois o segredo de uma vida feliz consiste em reconhecer o bem que há no mal: «Viver hoje para a glória de Deus, para a minha salvação e para a salvação dos outros» (Vincenzo Pallotti).

A fé cristã, que devemos pregar, é uma mensagem alegre, uma mensagem de esperança. Somos chamados a crer na luz mesmo durante a noite, a crer no bem mesmo em tempos maus, a crer na alegria mesmo na dor, em crer no perdão mesmo diante da morte, a crer no amor mesmo que os homens estejam cheios de enigmas, a crer no futuro mesmo que todos os caminhos estejam fechados e pareça que já não haja uma saída. (...)

Quando estamos estressados e sentimos dolorosamente o peso do nosso trabalho, poderá ajudar-nos o tomar consciência de que muitos dos nossos colaboradores e muitas das nossas colaboradoras estarão a trabalhar em condições de trabalho e de vida ainda mais difíceis que as nossas; mas, apesar disso, encontram força e tempo para colaborar ativamente no seio das nossas comunidades. Uma condição fundamental da nossa alegria são as boas relações vividas com Deus, com o próximo, com o nosso ambiente e connosco próprios. Quando essas relações são perturbadas, anda-se aborrecido e descontente; ao contrário, quando elas são fundamentalmente conciliadoras, nós sentimo-las como salutares.

A alegria cristã nascerá onde houver pessoas prontas a amar-se e a ajudar-se mutuamente, apesar de todas as dificuldades. O nosso ministério sacerdotal é um sinal deste amor e desta ajuda. Na vida, há situações em que devemos exercer o nosso ministério como um dever, independentemente das nossas condições subjetivas. O «apesar de tudo» é um pressuposto fundamental de uma alegria em crescimento. A vontade firme de sermos, enquanto colaboradores de Deus, servidores da verdade, no amor e na alegria do Espírito, anima toda a vida do sacerdote e constitui, por assim dizer, a sua substância espiritual de base. É este verdadeiramente o sentido que cada sacerdote pode dar à sua vida.

Nunca brotará alegria de um sentimento piegas e torturante diante da carência, tenha ela que motivo tiver. Só poderá ser um sacerdote cheio de alegria quem estiver disposto a superar as lamentações e as dúvidas, perante a sua identidade sacerdotal.

A alegria que nasce da certeza da presença de Deus em nós e no nosso ministério suscita em nós aquela serenidade e a alegria interior a que a história da espiritualidade chama "hilaritas mentis", literalmente, «alegria da mente». Se duvidarmos e nos angustiarmos, nunca será fácil conservar esta atitude de espírito. A preocupação exagerada e a angústia nunca serão boas conselheiras. A angústia impede que o ser humano volte os seus olhos para aquele que disse: «Não se perturbe o vosso coração» (Jo 14,1). A alegria cristã nasce de uma orientação de natureza positiva da vida, quer dizer, de uma grande confiança suscitada pela fé. «Não vos preocupeis, dizendo: “Que comeremos, que beberemos, ou que vestiremos?” Os pagãos, esses sim, afadigam-se com tais coisas; porém, o vosso Pai celeste bem sabe que tendes necessidade de tudo isso. Procurai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais se vos dará por acréscimo. Não vos preocupeis, portanto, com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã já terá as suas preocupações. Basta a cada dia o seu problema» (Mt 6,31-34). (...)

Já a sabedoria bíblica dizia: «O sinal de um coração feliz é um rosto satisfeito» (Sir 13,26). Todos nós sabemos que no fundo do nosso coração está a felicidade. Todo o ser humano tende para ela. Vivemos momentos felizes. No fundo, a felicidade é o efeito da graça de Deus em nós. Podemos ser felizes, se agradecermos a Deus tudo o que, com a sua ajuda, pudermos fazer todos os dias na nossa pastoral. Permaneceremos no caminho da felicidade, se nos alegrarmos com as pequenas coisas da vida e dermos graças a Deus por elas. É este o início da caminhada para aprendermos a saborear a nossa vida. A possibilidade de sermos felizes depende, em grande parte, das decisões pessoais de cada um. Ninguém pode substituir outro, quando este tem de decidir se, agora, quer ou não ser feliz. Esta decisão ajuda-nos a formular as finalidades da nossa vida para que possamos ser felizes mesmo em situações difíceis. Quando decido ser feliz, esforço-me por conceber o meu ministério de maneira a encontrar a felicidade no seu desempenho. Então, interrogo-me para descobrir quais as atitudes e as opções interiores que me tornarão feliz.

O último fundamento da alegria cristã é a certeza da presença de Deus. Como sacerdotes, seremos continuamente inundados com essa alegria, se celebrarmos conscientemente a presença de Deus na Eucaristia e agirmos em seu nome. Poderemos sentir uma alegria profunda, se celebrarmos conscientemente a liturgia como a celebração da presença de Deus e se administrarmos os sacramentos como suas ações salvíficas. Através do seu ministério salvífico, o sacerdote experimenta a alegria cristã sobretudo na celebração da Eucaristia.

«Por essência, a alegria cristã é uma participação na alegria insondável, simultaneamente divina e humana, que está no coração de Jesus Cristo glorificado» (Paulo VI, "Gaudete in Domino", 2). Esta participação na alegria do Senhor está indissoluvelmente ligada à celebração da Eucaristia. O carácter festivo dessa celebração exprime a alegria que Jesus Cristo comunica mediante o dom do Espírito à sua Igreja (cf. Rm 14,17; Gl 5,22). A santa Missa exprime em várias ocasiões a alegria pelo encontro com o Senhor e, nele, com todos os nossos irmãos e as nossas irmãs na comunhão dos santos. As multidões celestes, a que a comunidade eucarística se une quando celebra os santos mistérios, cantam com alegria o louvor do Cordeiro, que foi sacrificado e vive eternamente.

A Eucaristia ensina-nos a alegrarmo-nos juntamente com os outros e a não conservar somente para nós a alegria que nos foi dada no encontro com o Senhor. Esta alegria deveria ser sempre transmitida. A Eucaristia envia-nos ao mundo para sermos cooperadores da alegria.

 

Manter o Céu aberto

O que veem os homens de benéfico no sacerdócio? Uma espiritualidade convicta e convincente, que brota do centro e da profundidade da fé católica, unida a um sentido autêntico de humanidade e a uma modéstia verdadeira; e a um profundo amor aos homens que irradia bondade e alegria.

O pressuposto fundamental para o bom êxito da vida e do ministério sacerdotal é um bom equilíbrio entre a ortodoxia e a ortopraxia/ortoprática. Só podemos estar, autêntica e credivelmente, próximo do ser humano, se antes estivermos próximo de Deus. Só poderemos fazer a nossa parte para que não apenas a fé ganhe forma e floresça, mas também a Igreja possa crescer mesmo no nosso tempo, se estivermos radicados no amor de Deus e nos fundarmos numa esperança vivida.

Se conseguirmos combinar uma fé substancial autêntica e uma clara identidade com um sentido convincente de humanidade, conseguiremos que o nosso ministério dê frutos. Contudo e a propósito, não devemos substituir a substância da fé por rubricas e parágrafos e pela mesquinhez e a imobilidade que lhes estão ligadas. Por outro lado, sem a substância e sem a profundidade da fé, o nosso sentido de humanidade nunca poderá fazer conquistas permanentes e duradouras. É que, ao contrário, as pessoas percebem que lhes é benéfico um sentido de humanidade que nasce de um coração crente que, aliás, é o caminho para o sucesso de toda a pastoral.

Um sentimento de humanidade que brota de um coração crente não significa uma cordialidade superficial nem, portanto, nada facultativo, arbitrário e relativo; mas um interesse profundo pelo ser humano e uma amizade para com ele igual à que era visível em Jesus Cristo. Disto fazem parte uma empatia genuína com a humanidade e o esforço sincero de enfrentar a situação profana e religiosa das pessoas que encontrarmos. A credibilidade, a autenticidade e a fiabilidade ou confiabilidade são elementos de um sentido convincente de humanidade. O apóstolo Paulo, aos dons do Espírito Santo, chama distintivos vividos desta benevolência que nasce num coração crente (1Cor 12,8-11).

O sacerdote que gasta a sua vida para a glória de Deus, e que exerce o seu ministério para que as pessoas sejam alegres, faz tudo o que a Igreja quer fazer através do seu ministério sacerdotal no mundo, por mandato de Jesus Cristo. Entretanto, o ministério sacerdotal indica a via que leva a Cristo e ao Evangelho, que contribui para formar uma cultura da vida e do amor. Uma cultura da falta de esperança e da lamúria nunca garantirá um futuro à Igreja; por isso, é necessário despertar as energias que, nas condições atuais, possibilitem que haja apóstolos e mensageiros de Jesus Cristo que, neste mundo em fase de mudança, suscitem as energias que permitirão se deem respostas concretas aos desafios do nosso tempo e se volte a partir continuamente, no sentido bíblico da expressão.

A tarefa atual da Igreja consiste em abrir uma alternativa cheia de esperança a um mundo enredado nos seus problemas. Essa tarefa não consiste numa conformação com o mundo, mas em delinear o que constitui a diversidade, a novidade e a excelência da Igreja. É evidente que isto não fará com que as massas afluam a ela; mas a sua força espiritual de atração servirá para orientar a profunda aspiração da humanidade. (...)

Devemos ter a coragem religiosa de libertar a figura do ministério sacerdotal do gueto que, em parte, lhe foi criado do lado de fora, mas que também ela criou com as suas próprias mãos. A Igreja não deveria ser reconhecível e reconhecida sobretudo por uma abertura ao mundo no sentido de uma busca sôfrega da modernidade e de uma cada vez maior adaptação aos tempos; mas deveria ser reconhecível e reconhecida, simplesmente e sobremaneira, pela sua capacidade de participar na vida e nos sofrimentos alheios. A força necessária para tudo isto nasce de uma tentativa e de um esforço para obtermos a assistência que nos é dada pela garantia fundamental de que todo o trabalho que realizámos para a Igreja não permanecerá sem sentido e sem aprovação. Por isso, não se trata em primeiro lugar de, uma vez mais, tornar a Igreja «apresentável» e «amiga da sociedade». É bem possível que ela seja sempre criticada e não somente por quem vive fora dela, mas também por aqueles que estão dentro dela. Então, o mais importante será falar – com palavras novas, mais adequadas e tonificantes – da mesma coisa, ou seja, de Deus e da sua vontade salvífica de nos fazer participar na sua vida. A missão e o ministério não são possíveis sem meditação, sem recolhimento e sem concentração.

 

George Augustin
In "Colaboradores da vossa alegria - O ministério sacerdotal hoje", ed. Paulinas
Publicado em 18.09.2015

 

 
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Não tentemos dar falsas imagens de Deus, suscitando pessoas espiritualmente solitárias, que se fecham ao exterior, ou criando comunidades isoladas, uma espécie de «coletivos apartados» que caminham nos incertos espaços de uma espiritualidade problemática
A Igreja não pode viver nem crescer sem entusiasmo, porque é impossível dar vida a uma comunidade, se não se lhe infundir um certo elã. Ela alimenta-se de entusiasmo e vive dele. O entusiasmo não pode ser substituído por manifestações barulhentas de alegria, pelo êxtase apaixonado ou místico
É dever e tarefa de todos os dias encher os homens de entusiasmo por Deus e pela Igreja, mantendo sempre vivo esse seu entusiasmo. Como todas as realidades vivas, também o entusiasmo pode viver, crescer e morrer. Mas, se morrer, também a alma da Igreja estará em perigo de se extinguir
A nossa decisão de seguir Cristo só se tornará credível se os nossos olhos brilharem e os nossos rostos se mostrarem distendido, relaxados e vivos. Essa alegria nasce durante a caminhada, que é difícil, mas possível, quando acompanhada pela oração: «Sede alegres na esperança, pacientes na tribulação, perseverantes na oração»
Quem só pensa no seu próprio bem e se fixou em si mesmo e nos seus problemas, nunca viverá uma alegria interior. O homem que existe para os outros homens, que dá alguma coisa ao outro, haverá de encontrar a alegria interior. Quando, no nosso ministério, nos damos sobretudo e antes de tudo a Deus, também lançamos o fundamento da nossa verdadeira alegria
Ninguém pode fazer a alegria; mas podemos recebê-la unicamente como um dom e uma graça de Deus; por isso, devemos preparar o terreno e abrir-nos, de modo que essa graça possa avançar em nós e em nós operar esclarecedoramente
A fé cristã, que devemos pregar, é uma mensagem alegre, uma mensagem de esperança. Somos chamados a crer na luz mesmo durante a noite, a crer no bem mesmo em tempos maus, a crer na alegria mesmo na dor, em crer no perdão mesmo diante da morte, a crer no amor mesmo que os homens estejam cheios de enigmas, a crer no futuro mesmo que todos os caminhos estejam fechados e pareça que já não haja uma saída
Nunca brotará alegria de um sentimento piegas e torturante diante da carência, tenha ela que motivo tiver. Só poderá ser um sacerdote cheio de alegria quem estiver disposto a superar as lamentações e as dúvidas, perante a sua identidade sacerdotal
Já a sabedoria bíblica dizia: «O sinal de um coração feliz é um rosto satisfeito» (Sir 13,26). Todos nós sabemos que no fundo do nosso coração está a felicidade. Todo o ser humano tende para ela. Vivemos momentos felizes. No fundo, a felicidade é o efeito da graça de Deus em nós
Só podemos estar, autêntica e credivelmente, próximo do ser humano, se antes estivermos próximo de Deus. Só poderemos fazer a nossa parte para que não apenas a fé ganhe forma e floresça, mas também a Igreja possa crescer mesmo no nosso tempo, se estivermos radicados no amor de Deus e nos fundarmos numa esperança vivida
Não devemos substituir a substância da fé por rubricas e parágrafos e pela mesquinhez e a imobilidade que lhes estão ligadas. Por outro lado, sem a substância e sem a profundidade da fé, o nosso sentido de humanidade nunca poderá fazer conquistas permanentes e duradouras
Um sentimento de humanidade que brota de um coração crente não significa uma cordialidade superficial nem, portanto, nada facultativo, arbitrário e relativo; mas um interesse profundo pelo ser humano e uma amizade para com ele igual à que era visível em Jesus Cristo
Uma cultura da falta de esperança e da lamúria nunca garantirá um futuro à Igreja; por isso, é necessário despertar as energias que, nas condições atuais, possibilitem que haja apóstolos e mensageiros de Jesus Cristo que, neste mundo em fase de mudança, suscitem as energias que permitirão se deem respostas concretas aos desafios do nosso tempo
A tarefa atual da Igreja consiste em abrir uma alternativa cheia de esperança a um mundo enredado nos seus problemas. Essa tarefa não consiste numa conformação com o mundo, mas em delinear o que constitui a diversidade, a novidade e a excelência da Igreja
A Igreja não deveria ser reconhecível e reconhecida sobretudo por uma abertura ao mundo no sentido de uma busca sôfrega da modernidade e de uma cada vez maior adaptação aos tempos; mas deveria ser reconhecível e reconhecida, simplesmente e sobremaneira, pela sua capacidade de participar na vida e nos sofrimentos alheios
Não se trata em primeiro lugar de, uma vez mais, tornar a Igreja «apresentável» e «amiga da sociedade». É bem possível que ela seja sempre criticada e não somente por quem vive fora dela, mas também por aqueles que estão dentro dela. Então, o mais importante será falar – com palavras novas, mais adequadas e tonificantes – da mesma coisa, ou seja, de Deus e da sua vontade salvífica de nos fazer participar na sua vida
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