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Pessoas com deficiência «são testemunhas privilegiadas de humanidade»

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Pessoas com deficiência «são testemunhas privilegiadas de humanidade»

A 3 de dezembro assinala-se o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência.


O ponto de partida para cada reflexão sobre a deficiência está enraizado nas persuasões fundamentais da antropologia cristã: a pessoa deficiente, também quando está ferida na mente ou nas suas capacidades sensitivas e inteletivas, é um sujeito plenamente humano, com os direitos sagrados e inalienáveis próprios de cada criatura humana.

Com efeito, o ser humano, independentemente das condições em que se desenrola a sua vida e das capacidades que pode expressar, possui uma dignidade única e um valor singular desde o princípio da sua existência até ao momento da morte natural.

A pessoa deficiente, com todos os limites e sofrimentos pelos quais está marcada, obriga-nos a interrogar-nos, com respeito e sabedoria, acerca do mistério do homem. De facto, quanto mais nos movemos nas áreas obscuras e desconhecidas da realidade humana, tanto mais se compreende que precisamente nas situações mais difíceis e preocupantes emerge a dignidade e a grandeza do ser humano. A humanidade ferida e deficiente desafia-nos a reconhecer, acolher e promover em cada um destes nossos irmãos e irmãs o valor incomparável do ser humano criado por Deus para ser filho no Filho.

A qualidade de vida no âmbito de uma comunidade mede-se em grande parte pelo compromisso na assistência aos mais débeis e aos mais necessitados e pelo respeito da sua dignidade de homens e de mulheres.

O mundo dos direitos não pode ser privilégio só dos sadios. Também a pessoa portadora de deficiência deverá ser facilitada para que participe, na medida do possível, na vida da sociedade, e seja ajudada a realizar todas as suas capacidades de ordem física, psíquica e espiritual.

Só quando são reconhecidos os direitos dos mais débeis é que uma sociedade pode considerar-se fundada sobre o direito e sobre a justiça: o deficiente não é uma pessoa de um modo diferente dos outros, por isso, ao reconhecer e promover a sua dignidade e os seus direitos, nós reconhecemos e promovemos a dignidade e os direitos nossos e de todos.

Uma sociedade que desse espaço unicamente aos membros plenamente funcionais, totalmente autónomos e independentes não seria uma sociedade digna do homem. A discriminação com base na eficiência não é menos lastimável da que é realizada com base na raça, no sexo ou na religião.

Uma forma subtil de descriminação está presente também nas políticas e nos projetos educativos que procuram ocultar e negar as imperfeições da pessoa deficiente, propondo estilos de vida e objetivos não correspondentes à sua realidade e, no fim, frustrantes e injustos.

Com efeito, a justiça requer que nos coloquemos à escuta atenta e amorosa da vida do próximo e que respondamos às necessidades singulares e diversas de cada um, tendo em consideração as suas capacidades e limites.

A diversidade devida à deficiência pode ser integrada na respetiva e irrepetível individualidade, e para isto devem contribuir os familiares, os professores, os amigos, e toda a sociedade.

Portanto, para a pessoa deficiente, assim como para qualquer outra pessoa humana, não é importante fazer o que os outros fazem, mas fazer o que é deveras bem para ela, praticar cada vez mais as próprias riquezas, responder com fidelidade à própria vocação humana e sobrenatural.

Por conseguinte, ao reconhecimento dos direitos deve seguir-se um compromisso sincero de todos para criar condições concretas de vida, estruturas de apoio, tutelas jurídicas capazes de responder às necessidades e às dinâmicas de crescimento da pessoa deficiente e de quantos participam na sua situação, a começar pelos seus familiares.

Acima de qualquer outra consideração ou interesse particular ou de grupo, é preciso procurar promover o bem integral destas pessoas, e não lhes devemos negar o apoio e a proteção necessários, mesmo se isto comporta uma maior carga económica e social.

Talvez mais do que outros doentes, os sujeitos mentalmente atrasados precisam de atenção, de afeto, de compreensão, de amor: não os podemos deixar sós, quase desarmados e inermes, na difícil tarefa de enfrentar a vida.

A respeito disto, merece uma atenção particular a solicitude pelas dimensões afetivas e sexuais da pessoa deficiente. Trata-se de um aspeto muitas vezes removido ou enfrentado de maneira superficial e redutiva ou até ideológica.

A dimensão sexual é, ao contrário, uma das dimensões constitutivas da pessoa que, sendo criada à imagem de Deus-Amor, está originariamente chamada a realizar-se no encontro e na comunhão.

O pressuposto para a educação afetivo-sexual da pessoa deficiente encontra-se na persuasão de que ela tem necessidade de afcto pelo menos na mesma medida de qualquer outro. Também ela precisa de amar e de ser amada, precisa de ternura, de proximidade, de intimidade.

Infelizmente, a realidade é que a pessoa deficiente se encontra a viver estas exigências legítimas e naturais numa situação de desvantagem, que se torna cada vez mais evidente com a passagem da idade infantil para a adulta. A pessoa deficiente, apesar de estar afetada na sua mente e nas suas dimensões interpessoais, procura relações autênticas nas quais possa ser apreciada e reconhecida como pessoa.

As experiências realizadas nalgumas comunidades cristãs demonstraram que uma vida comunitária intensa e estimulante, um apoio educativo contínuo e discreto, a promoção de contactos de amizade com pessoas adequadamente preparadas, o hábito de orientar as pulsações e desenvolver um sadio sentido do pudor como respeito da própria intimidade pessoal, muitas vezes conseguem reequilibrar afetivamente a pessoa deficiente mental e levá-la a viver relações interpessoais ricas, fecundas e satisfatórias.

Demonstrar à pessoa deficiente que é amada significa revelar que ela, aos nossos olhos, tem valor. A escuta atenta, a compreensão das necessidades, a partilha dos sofrimentos, a paciência no acompanhamento são outras formas de introduzir a pessoa deficiente numa relação humana de comunhão, para lhes fazer compreender o seu valor, para tomarem consciência da sua capacidade de receber e doar amor.

Sem dúvida, as pessoas deficientes, revelando a fragilidade radical da condição humana, são uma expressão do drama do sofrimento e, neste nosso mundo, sequioso de hedonismo e fascinado pela beleza efémera e falaz, as suas dificuldades muitas vezes são vistas como um escândalo e uma provocação, e os seus problemas como um peso que se deve remover ou resolver apressadamente.

Ao contrário, elas são ícones vivos do Filho crucificado. Revelam a beleza misteriosa daquele que se despojou por nós e se fez obediente até à morte. Mostram-nos que a consistência definitiva do ser humano, além de qualquer aparência, é posta em Jesus Cristo.

Por isso se disse oportunamente que as pessoas deficientes são testemunhas privilegiadas de humanidade. Podem ensinar a todos o que é o amor que salva e podem tornar-se anunciadoras de um mundo novo, já não dominado pela força, pela violência e pela agressividade, mas pelo amor, pela solidariedade, pelo acolhimento, um mundo novo transfigurado pela luz de Cristo, o filho de Deus que, para nós, homens, se encarnou, foi crucificado e ressuscitou.

 

S. João Paulo II
5.1.2004
Publicado em 03.12.2014 | Atualizado em 18.04.2023

 

 
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É preciso procurar promover o bem integral destas pessoas, e não lhes devemos negar o apoio e a proteção necessários, mesmo se isto comporta uma maior carga económica e social
Merece uma atenção particular a solicitude pelas dimensões afetivas e sexuais da pessoa deficiente. Trata-se de um aspeto muitas vezes removido ou enfrentado de maneira superficial e redutiva ou até ideológica
As pessoas deficientes, revelando a fragilidade radical da condição humana, são uma expressão do drama do sofrimento e, neste nosso mundo, sequioso de hedonismo e fascinado pela beleza efémera e falaz, as suas dificuldades muitas vezes são vistas como um escândalo e uma provocação
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