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Preparar o Natal com Arte: Jesus dorme na cruz

Preparar o Natal com Arte: Jesus dorme na cruz

Imagem "Cristo Menino dorme na Cruz" (det.) | William Blake | Victoria and Albert Museum, Londres, Inglaterra

A iconografia desta obra pertence ao tipo de obras devocionais destinadas a conventos. S. Paulo da Cruz, por exemplo, tinha como preciosa uma pintura de Jesus dormindo na cruz. Se cada um de nós nasceu para morrer, Cristo ainda mais. Aquela dura cama em que descansa o divino Infante é premonitória do cumprimento que Ele veio trazer.

A obra de Blake destaca-se do clima sentimental de certos outros Jesus dormindo na cruz. A mulher de pé, inclinada e dolorida, antes de ser Maria é a Mãe Igreja, que, embora consciente do sacrifício de Cristo, olha-o como se fosse novo. Não está dominada pelo tormento da surpresa, mas entende-a como uma necessidade absurda e, de alguma forma, previsível.

Comove-me esta figura. Mesmo a nós, apesar de acostumados às crónicas mais negras, dói vermos violado a cada ano o anseio, cantado por uma literatura secular, de um Natal de paz onde a guerra e os interesses parciais são suspensos, dói. Permanece-se empedernido por um “déjà-vu” que não se desejaria experimentar.

Um andaime divide o pequeno Jesus da paisagem: eixos e traves que parecem ser o projeto inicial de uma casa; em torno as ferramentas do carpinteiro e um compasso, bem evidente, junto ao topo da cruz. A indiferença estudada com a qual Blake pinta tudo isto reforça o valor simbólico dos elementos.



Aquela Criança é uma rocha eterna e a sua cruz é uma gazua nas mãos de Deus contra os arsenais da guerra, as superpotências económicas e a petulância do pensamento laicista



O homem constrói casas que não abrigam, interpondo entre si e a promessa divina da Paz superestruturas sufocantes que geram conflitos. Como não pensar na Terra Santa? Em Jerusalém e no enclave de Belém, símbolo de uma época (a nossa) que, vangloriando-se de querer abater os muros e mitigar a palavra “diálogo”, vê em vez disso surgir continuamente paliçadas, incompreensões e ambiguidades da linguagem?

Sim, aquelas estruturas de madeira são as nossas cruzes, fabricamo-las continuamente e, não raro, pregamos os Inocentes, como o Menino Jesus. Por isso o Natal, na aura de paz a que se refere, perturba! Diante da inócua alegria que esta Criança gera, o mundo hostil à fé treme; intui que, por trás daquele Adormecido, as apostas são altas; aquela Criança é uma rocha eterna e a sua cruz é uma gazua nas mãos de Deus contra os arsenais da guerra, as superpotências económicas e a petulância do pensamento laicista. A loucura da cruz também põe fora os poderes maçónicos, significados no compasso de Blake.

No fundo, a perder de vista, há uma paisagem deslumbrante: montanhas azuladas perdem-se no horizonte e o sol abraça tudo dizendo, como o último Montale: mais além. A paz está mais além, para lá das nossas barricadas e dos nossos julgamentos pretensiosos.

Encontro a paz na figura feminina de Blake e nas suas mãos juntas em oração. Não temos escapatória, a única verdadeira revolução é a santidade, a única resposta à automutilação humana é converter-se a Deus, de coração.



 

Gloria Riva
In "Avvenire"
Trad. / edição: SNPC
Publicado em 20.12.2017

 

 
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