Observatório da Cultura
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Presente e futuro dos "Media"

Consta que no “olho” do furacão a acalmia é perfeita. Não tenho a certeza de que os Media não estejam neste momento no olho do furacão tecnológico com o risco de, sem se darem realmente conta, estarem a ser levados - como nas velhas cenas de desenhos animados - diametralmente pelos ares, para um novo mundo onde tudo seja tão inevitavelmente diferente que a sua própria razão de ser arrisque definitivamente ser posta em causa. Pelo menos na forma como os conhecemos hoje. Mas também acrescento, desde já, acreditar piamente que mesmo nesse cenário de criação de um novo “paradigma” não deixará de haver quem saiba encontrar novos caminhos.

E o que é afinal a forma atual dos media? A tal que pode ser posta em causa? Para quem, como eu, começou a trabalhar num jornal impresso a chumbo e hoje dirige, numa rádio, um jornal matutino digital, ela será, em cada momento, a que for mais conveniente para dar a conhecer aos nossos leitores, ouvintes e telespectadores (tendencialmente o consumidor dos media assume as três figuras em simultâneo), nas cada vez mais diversificadas plataformas (computador/ telefone/ folha de papel ou mais prosaicamente até na palma da mão), o olhar do jornalista que ajude a compreender melhor não só o que se passa no mundo mas o próprio mundo que nos rodeia. Em resumo: a que permite cumprir sempre a missão, só aparentemente cumprida ou de modo diferente.

Em rigor, “acalmia” não é sequer a melhor descrição para o que se passa atualmente. Na verdade, a publicidade caiu a pique e o “modelo de negócio” convencional, como gostam de dizer os economistas, está, esse sim, rigorosamente posto em causa, obrigando a procurar novos caminhos num mundo de desafios impensáveis até há poucos anos. Fecham projetos que nos pareciam eternos e surgem nichos de negócios que até há bem pouco tempo não valiam vintém. A concorrência é agora de “todos contra todos”, não mais das rádios e tvs entre si ou entre revistas e jornais entre eles. O direto não é mais exceção mas rotina, e até a opinião dos “semanários” concorre com a das rádios “ao minuto” (basta ver o que se passa já mesmo caseiramente com os blogs dos cronistas do Expresso).

Como jornalista, nunca imaginei adormecer a sonhar com poupanças nos custos nem acordar a pensar em patrocínios. Mas isso acontece agora com uma frequência assustadora. Também não me via a concorrer com essa figura híbrida do “jornalista-cidadão”, meio interprete, meio protagonista, que hoje invadiu as redes sociais, constituindo-se nalguns casos como uma ajuda preciosa aos verdadeiros repórteres, e noutros agindo como uma espécie de narcotraficante, fornecedor de uma espécie de veneno viciante na espuma dos dias que nos intoxica de informação irrelevante e opinião interesseira e manipuladora. Prometedor e pronunciador das mais diversas “primaveras”.

Trata-se decerto da maior turbulência de que tenho memória, mas não estou segura de que não seja apenas um processo de aterragem (do próprio setor) algures, num mundo diferente, mas não necessariamente pior nem com menores possibilidades de crescimento. Nos dias em que acordo otimista, acredito mesmo que ninguém melhor do que o jornalista pode continuar a fazer o papel cada vez mais necessário de polícia sinaleiro sobre a informação “relevante” e “irrelevante”, credível e desprezível. No tempo marcado por viciados em “espetáculo” e afogados em informações contraditórias, a desorientação tende a ser ainda maior do que a gerada pela falta delas. Os gate keepers tornam-se, como nunca, úteis e indispensáveis.

Não me parece inevitável que a casa comum dos m.c.s., levada simbolicamente pelos ares pela força da ventania, seja agora transportada para um deserto sem leitores nem ouvintes, obrigando-nos literalmente a fechar a porta. Tenhamos nós pelo menos a coragem de forçar a respetiva abertura, passado o medo provocado pela turbulência dos últimos anos, para verificarmos efetivamente onde estamos, em vez de permanecermos fechados numa espécie de casa do terror com medo do futuro e da ameaça da irrelevância. De braços cruzados a falência é certa.

Não desconheço que há toda uma geração que já criou as suas rotinas informativas à margem dos media ditos “tradicionais”. Isso assusta mas não paralisa. Indica-nos tão só que o caminho da credibilidade e da relevância é o mais seguro. A nova geração consome nos tablets a informação que escolheu consumir e considera “útil e indispensável”, e vai bebê-la diretamente à fonte. Seja ela a melhor universidade do mundo, o think tank da sua preferência e/ou a publicação ultraespecializada, a grande agência de notícias ou os sites on-line das principais publicações. As marcas credíveis com a chancela da qualidade terão sucesso e continuam procuradas, as outras, nem por isso. Não peçam a ninguém dos sub-25 que espere pelo noticiário da rádio, o telejornal ou o jornal do dia seguinte para conhecer a notícia ou a opinião que efetivamente lhe interessa. Aconteceu, já sabem.

Consola-me, aliás, saber que a primeira vez que fiz futurologia sobre o impacto da internet e das novas tecnologias de informação nos media convencionais foi há quase vinte anos. Tempo suficiente para se lhe poder atribuir o título de previsões de “longo prazo”, ou seja, aquele em que segundo Keynes a previsão se torna relativamente irrelevante porque por essa altura “estaremos todos mortos”.

Nem sempre. Eu, pelo menos, ainda sobrevivi. Dezoito anos passados sobre aquele curso de verão sobre Comunicação Social, coordenado pelo Mário Mesquita no âmbito dos Estudos Gerais da Arrábida, no início da segunda metade dos anos 90. Foi por essa ocasião que, se a memória me não falha, tentei pela primeira vez responder à questão do futuro dos media na era da informação digital global. Ainda lecionava na UNL enquanto trabalhava no Público.

Guardo na memória que depois de identificadas as ameaças e as oportunidades geradas durante os debates, e já em ambiente de tertúlia, ter respondido que não me parecia impossível que o Público viesse um dia a ter unicamente uma edição on-line, onde os meus textos passassem a figurar. Sustentei então que me parecia razoavelmente indiferente o suporte onde os leitores pudessem ler o que escrevia, contanto que continuassem a lê-lo e eu a poder escrevê-lo.

Eu própria não cheguei a enfrentar a ameaça porque, pouco tempo depois, ingressei na Renascença, e menos de uma década decorrida estava a aproveitar a “oportunidade” para lançar o projeto pioneiro do Página 1, um jornal totalmente gratuito e digital, disponibilizado aos nossos ouvintes (e desde aí leitores…).

Foi um passo de gigante para a altura. Um dos muitos que tem marcado o pioneirismo da Renascença no mundo digital. Um caminho consistentemente percorrido ao longo da última década e recheado de distinções e prémios de excelência. Este mês, o Página 1, criado já lá vão sete anos, entrou numa nova fase, mantendo a gratuitidade e tornando-se um matutino que passa em revista as últimas 24 horas das notícias. Disponibiliza aos leitores, à distância de um click, sons, vídeos, gráficos e informações complementares sobre uma série de notícias e reportagens, sem perder a sua panóplia de comentadores próprios nem a sua capacidade de leitura em pdf, que, inclusivamente, continua a poder ser impresso em papel para quem o desejar.

Não estou certa de que se tivesse permanecido no Público a minha avaliação fosse exatamente a mesma. Curiosamente, quase vinte anos passados, o Público continua impresso em papel, para felicidade de muitos dos seus leitores, mas a aposta do digital custou, entretanto, muitos (talvez demasiados) empregos na cada vez mais reduzida redação multimédia. Não por acaso, o meu antigo diretor prepara-se agora para lançar um novo jornal de referência, totalmente digital mas em versão paga. E o Expresso (velho “saco de plástico”, como lhe chamavam os fundadores do Público) não só não morreu como anuncia a intenção de ir à luta diária com o jornal da Sonae, ultrapassando-o no seu pioneirismo. Ameaças e oportunidades não raro coincidem nos tempos de mudança.

E como será daqui a cinco/dez anos? Arrisco voltar a colocar-me no lado daqueles que veem na turbulência atual mais “continuidade” do que “rutura do próprio paradigma-comunicacional” da sociedade ocidental contemporânea, e anima-me pensar que, mesmo entre os que estudam seriamente o fenómeno, as teorias continuam a dividir-se entre os dois campos, mantendo estranhamente atuais as conclusões do estudo realizado por Dearnley e Feather, no dobrar do milénio, sobre a “teoria e a prática na Sociedade da Informação”, leitura que firmemente recomendo.

 

Este artigo integra a edição n.º 21 do “Observatório da Cultura”.

 

Graça Franco
Diretora de Informação da Renascença
© SNPC | 13.05.14

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